segunda-feira, 12 de junho de 2017

Desacelera, Airton !


Desacelera, Airton !
A literatura internacional e os estudos analisados pela Organização Mundial de Saúde sugerem que a quantidade de acidentes de transito e vítimas é afetada pela velocidade das vias, o que implicou em anos recentes em políticas de diminuição dos limites das vias urbanas em 47 cidades no mundo. (WHO Global status report on road safety 2015)

Seguindo esta orientação, em Julho de 2015 a gestão Haddad diminuiu a velocidade nas marginais. A medida teve repercussão negativa entre muitos usuários, virou tópico de embate eleitoral e em janeiro de 2016 a gestão Dória voltou a aumentar os limites de velocidade nas marginais Pinheiros e Tiete.

Balanços parciais anteriores sugerem que a medida contribuiu para a diminuição dos acidentes nas marginais durante o período de 18 meses que esteve em vigor. O problema é que os dados são dúbios – dependendo da fonte que se utilize - CET ou PM, por exemplo – as séries históricas são pequenas e os estudos são metodologicamente frágeis: não levam em conta, por exemplo, outras variáveis, como o fluxo de veículos, nem as tendências históricas anteriores. Neste caso, tendência relevante, quando se sabe que os números de acidentes de trânsito caem generalizadamente em São Paulo progressivamente desde 2008.

Assim, constatada a queda, céticos (eu entre eles) perguntariam até que ponto ela pode ser fruto de outros fenômenos não levados em conta, como aumento do tráfego e diminuição da velocidade e acidentes que isto implica, aumento da fiscalização – que foi adotada concomitantemente a redução da velocidade ou continuidade de uma tendência histórica prévia, entre outros questionamentos.  Tampouco houve a preocupação de introduzir um grupo de controle – por exemplo, medindo a quantidade de acidentes em outras vias do mesmo porte, mas que não tiveram a velocidade reduzida.

A polêmica deste modo continua, pois além da precariedade dos dados e técnicas utilizadas, há uma briga política como pano de fundo, uma vez que o tópico foi objeto de polêmica durante a campanha eleitoral. Não é nossa pretensão fazer uma análise definitiva sobre a questão, até porque a série histórica de dados é pequena e esta breve análise carece dos mesmos defeitos já apontados nas anteriores.

Como quer que seja, o fato da medida ter sido colocada em prática e depois abandonada implica num experimento natural que é difícil resistir a analisar: é possível comparar as séries com ou sem o “tratamento”, no caso a alteração da velocidade. O modelo ARIMA abaixo analisa 28 meses de acidentes nas marginais coletados pela Polícia Militar, 18 com a vigência da redução e 10 sem.

O modelo sugere que há um impacto significativo do tratamento: o número médio de acidentes (122 acidentes) cai em média em 19 casos durante a vigência da restrição de velocidade e volta a subir depois. O R2 do modelo ARIMA é baixo (.24) e não significante (.202) mas assim mesmo parece existir uma alteração significativa nas médias dos 2 períodos (F = 8,4; sig. .007)








O gráfico abaixo mostra em vermelho a série histórica real e em azul a série ajustada. Percebe-se ai como as médias são maiores nos momentos inicial e final (sem restrição) e menores durante a vigência da restrição. A mudança ocorre no Lag 0, ou seja, no mesmo mês que foi adotada. O gráfico mostra duas quebras de nível, para baixo e para cima, nos dois momentos críticos.






Como dito, não é possível ser categórico uma vez que a série histórica é pequena, não há controle sobre outras variáveis nem grupo de controle. De todo modo, os dados são sugestivos e corroboram pesquisas mais robustas que já atestaram o impacto significativo da redução de velocidade sobre os acidentes de trânsito.


Se utilizarmos os dados da CET sobre acidentes com vítimas nas principais vias ao invés dos dados da Polícia Militar, é possível utilizar outras vias da capital como “controle”, analisando a tendência dos acidentes em vias do mesmo porte que não tiveram redução dos limites de velocidade.


Na tabela abaixo calculamos as variações percentuais dos acidentes com relação ao ano anterior, tanto nas marginais, quanto em três outras vias de grande fluxo, que não tiveram alterações nos limites de velocidade. Observe-se que tanto no grupo de tratamento (marginais) quanto no grupo de controle, observamos quedas nos acidentes já em 2015, quando a regra passou a vigorar. As quedas foram, contudo, bem mais acentuadas nas marginais (-35,4%) do que no grupo controle (-12%). O mesmo ocorre em 2016: queda de - 38% nas marginais em relação a 2015 e -20,4% no grupo controle.





A tabela sugere que outros fatores podem estar contribuindo para a queda – provavelmente aumento da fiscalização – pois nos dois grupos observamos diminuição dos acidentes nos últimos dois anos. Mas a queda é nitidamente maior nas marginais.


Segundo o último relatório da CET, a queda teria continuado no primeiro quadrimestre de 2017, mesmo com o aumento da velocidade, conflitando com os dados divulgados pela PM. Tratam-se de metodologias diferentes e nenhuma é necessariamente melhor do que a outra. A questão é que, alguma delas alterou, provavelmente, seu método de cálculo. As duas séries mensais de acidentes eram congruentes no passado recente, mas estão deixando progressivamente de ser: no primeiro quadrimestre de 2015, por exemplo, a quantidade de casos contabilizados pela CET equivalia a aproximadamente 68% dos casos contabilizados pela PM. No primeiro quadrimestre de 2016 este percentual cai para 55% e no primeiro quadrimestre de 2017, os casos da CET equivalem a apenas 26% dos casos computados pela PM. A utilização dos dados do Infocrim pela CET para as estatísticas de acidentes começou durante minha gestão na CAP-SSP e nos últimos anos ajudou na elaboração de inúmeros estudos relevantes para o gerenciamento de trânsito em São Paulo. Mas aparentemente houve uma mudança de metodologia que é preciso tornar transparente, caso contrário deixa de ser possível avaliar o impacto das intervenções no transito.



Novos dados e estudos são necessários para chegar a vereditos mais conclusivos. O importante é não deixar os preconceitos e ideologias políticas perturbarem a análise. Antes que alguém pergunte, não votei no Haddad em nenhuma das duas eleições. Trata-se de basear a opinião na melhor evidência empírica existente. Os números do “modelo” refletem vidas, lesões graves, prejuízos financeiros para os envolvidos nos acidentes e para a saúde pública.  Não são números de pesquisas de satisfação. Uma só vida salva já valeria a pena repensar a política. Minha sugestão é que o poder público aponte um comitê de avaliação independente com amplo acesso aos dados para aprofundar a questão. E rapidamente.  Uso as marginais diariamente e não quero virar estatística! 

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