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terça-feira, 7 de julho de 2020
segunda-feira, 6 de julho de 2020
Avaliação da política de “guerra às drogas”
Avaliação da política de
“guerra às drogas”
Tulio Kahn
Diversos países em todo o mundo
adotaram políticas de enfrentamento ao tráfico de drogas como estratégia para a
redução do consumo e oferta de drogas, bem como da criminalidade e da violência
em geral. Esta política ficou conhecida como “guerra às drogas” e teve início
por volta dos anos 60 nos Estados Unidos, de onde se difundiu mundo afora. Como
em toda política pública, existem objetivos a serem alcançados e ações a serem
colocadas em prática para atingi-los. Existem também resultados – desejados e
indesejados – destas ações. Não obstante a longevidade, o impacto e a dispersão
geográfica da política de “guerra às drogas”, existem poucas avaliações
sistemáticas e rigorosas dos seus custos e resultados.
Uma avaliação abrangente da
política de guerra às drogas envolveria, entre outras tarefas: 1) listar os
objetivos almejados e encontrar indicadores que consigam capturar em que medida
foram ou estão sendo atingidos; 2) listar as ações colocadas em prática e os
indicadores que permitam monitorar sua implementação; 3) listar os resultados desejados
e indesejados – pois políticas quase sempre produzem externalidade - obtidos e
os indicadores que permitam monitorá-los no tempo e no espaço.
Além de encontrar os indicadores
apropriados, a avaliação do sucesso de uma política pública envolve diversos
outros procedimentos teóricos e metodológicos, como o uso de um design
adequado, hipóteses claramente formuladas e o controle de outros fatores de
modo a garantir que os efeitos observados se devem realmente às ações colocadas
em prática, entre outros procedimentos científicos. Desnecessário dizer que uma
avaliação rigorosa é difícil de ser obtida se esta preocupação com a avaliação
não foi pensada desde o início. O design experimental que permita fazer
inferências seguras raramente é uma preocupação dos formuladores de políticas
públicas. O resultado são quase sempre avaliações pouco rigorosas sobre
políticas que custam milhões em volume financeiro e, frequentemente, em vidas,
quando se tratam de políticas de segurança pública.
Para além das questões
filosóficas e teóricas existem as questões operacionais de praxe: mesmo
considerando alguma dimensão do fenômeno relevante, existem indicadores para
mensurá-la? Eles medem de fato aquilo que imaginamos? São medidas confiáveis? É
possível transformar o indicador em equivalente monetário? Nos tópicos
seguintes vamos investigar algumas dimensões de interesse para avaliar o custo
da guerra às drogas, quais seriam os indicadores para mensurar tais dimensões e
virtudes e defeitos de cada um.
A literatura que tratou do tema
considera como indicadores de avaliação
do sucesso da política de guerra às drogas, no que tange aos seus objetivos principais:
reduzir o consumo, reduzir a oferta e reduzir o poderio das organizações
criminosas, entre outros. Através dele podemos ter alguma dimensão sobre o grau
de sucesso da política de guerra às drogas com relação aos seus objetivos
principais, mesmo não se tratando de uma avaliação rigorosa.
Os objetivos das políticas de
guerra às drogas são variados, mas podemos elencar alguns dos principais e
algumas sugestões de indicadores que permitiriam eventualmente medir se os
objetivos foram alcançados:
Indicadores de sucesso da
política de guerra às drogas
Objetivos
|
Indicador
|
Problemas
|
Reduzir o consumo entre os usuários
- Pesquisas domiciliares que medem a incidência e
prevalência do uso de drogas, no tempo. Ou através de Pesquisas do tipo self
repported, onde os usuários relatam suas experiências com drogas.
|
- Diminuir a prevalência entre os jovens.
- Diminuir o número de usuários crónicos
- Aumentar o preço das drogas
- Diminuir o grau de pureza das drogas
- Aumentar a idade média do primeiro uso
|
- Preço das drogas pode ser afetado por diversos
fatores e não mede necessariamente o sucesso na redução do consumo ou da
oferta.
- Crise econômica pode reduzir o consumo,
independente da política de guerra as drogas
- Número de usuários e quantidade de droga
consumida indicam coisas diferentes, pois mais droga pode ser consumida por
um número menor de usuários ou o contrário.
|
Reduzir a oferta de drogas
|
- Aumentar o volume de drogas apreendidas pela
polícia
- Diminuir a área cultivada
- Aumentar a área destruída nas operações
policiais
- Aumentar a destruição de laboratórios e
precursores químicos
|
- Mantida constante a atividade policial, o
volume apreendido pode ser uma proxy para volume de drogas em circulação
- Alguns
destes indicadores não se aplicam as novas drogas sintéticas
|
Reduzir o poder das organizações criminosas e as
consequências do uso
|
– Reduzir o faturamento anual do tráfico
- Aumentar as condenações por tráfico
- Reduzir
o número de crimes associados ao tráfico
- Reduzir custos sociais e médicos associados ao
uso de drogas
- reduzir o número de emergências hospitalares
ligadas ao abuso
- Reduzir a incidência de doenças relacionadas ao
uso (HIV, hepatite C, etc)
|
Como estimar faturamento? Livros caixa
apreendidos? Volume de dinheiro “lavado”?
- Pesquisas com presos por tráfico poderiam jogar
alguma luz na questão
- % de denúncias de tráfico junto ao Disque
Denúncia pode ser utilizado como indicador?
|
Estes são alguns dos indicadores
de sucesso da política de guerra às drogas que normalmente aparecem na
literatura e que pautam a discussão sobre a eficiência da política nos EUA,
embora os indicadores tenham variado de administração para administração. Não
quer dizer que meçam necessariamente o sucesso pois muitas podem ser ambíguas.
O aumento do preço é considerado uma medida de sucesso, como uma consequência
da diminuição da produção e entrada de drogas. Preços maiores desestimulam o
consumo. Em compensação, o aumento de preço, pelas regras do mercado, estimula
a produção, pois os lucros também são maiores. E, na medida que se trata de uma
mercadoria bastante inelástica com relação ao preço (vícios em geral são menos
afetados pelos preços), pode ocorrer uma substituição por drogas mais baratas e
de efeitos ainda mais danosos.
Diminuir a pureza significa, em
tese, que houve sucesso na redução da oferta. Em tese pois o tráfico pode
simplesmente batizar a droga para gerar maiores lucros, independente da oferta.
E a droga batizada, em por outro lado, pode acarretar mais danos à saúde dos
usuários e aumento os custos hospitalares.
Volume de drogas aprendidas, é
sucesso quando aumenta ou quando cai? Quando aumenta, por ser porque estão
entrando mais drogas e não necessariamente por consequência de maior atividade
policial. É preciso controlar a atividade policial para interpretar
corretamente o indicador.
Sabe-se que prisões tem
rendimentos marginais decrescentes: se estão prendendo cada vez mais
traficantes de baixa periculosidade e baixa hierarquia no mundo do tráfico,
então o aumento das condenações pode ser contraproducente. Os baixos escalões
são rapidamente substituídos e tornam-se um ônus para o Estado nas prisões, com
impactos mínimos sobre as organizações criminosas. Ironicamente, na medida em
que o sistema de justiça criminal tira de circulação os competidores mais
fracos, pode contribuir para o fortalecimento das organizações mais poderosas.
Vários destes indicadores, por
fim, variam em função do ciclo econômico – crescimento e retração da economia –
e, portanto, não medem necessariamente a atividade policial. Sem controlar o
nível de atividade econômica e as atividades policiais, não significam muita
coisa.
Tendo em mente estes indicadores,
podemos dizer que estamos ganhando a guerra contra as drogas no Brasil?
Para saber se a prevalência está
diminuindo e a idade do primeiro uso são necessárias pesquisas amostrais
domiciliares, que são feitas apenas esporadicamente, como as pesquisas do CEBRID
e da UNIFESP ou o Global Drug Survey. A redução do tabaco parece ser a única
política bem sucedida nos últimos anos. O consumo de drogas não diminuiu e o
preço da droga ainda é relativamente baixo no Brasil, apesar do encarceramento
em massa de pequenos traficantes e dos milhões injetados na guerra as drogas,
sem falar nos milhares de mortos nas operações contra o tráfico. Não temos séries
históricas de dados consistentes para avaliar o sucesso dos demais indicadores,
mas as evidências qualitativas e anedóticas não parecem sugerir que o
faturamento e o poder dos traficantes de drogas tenham diminuído no país.
Para avaliar os resultados, é
preciso investir na construção de indicadores, banco de dados e análises das
evidências, o que como vimos é raramente feito no Brasil para qualquer
política. Como sempre, a discussão aqui é de caráter doutrinário e ideológico e
muito pouco “evidence base”.Outros países já avaliaram, contudo, a política de
guerras às drogas e as evidências são pouco favoráveis. Gera desperdício de
recursos, infla o sistema carcerário, fortalece os cartei, aumenta a violência
e afasta os usuários do tratamento. No Brasil será diferente?
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