O brasileiro parece estar
relativamente menos preocupado com a situação da segurança pública, a julgar
por dois indicadores da pesquisa CNT/DMA. A pesquisa é realizada desde 2011, o
que permite alguma comparação temporal do tema.
Uma das perguntas do questionário
é sobre a expectativa para a situação da segurança pública no país para os
próximos seis meses. A maioria dos entrevistados na última edição de fevereiro
de 2022 (48,6%) acha que a situação vai ficar igual, enquanto 29,2% avaliam que
a situação vai melhorar. O que chama a atenção na última edição é a baixa
porcentagem (20,3%) dos que acham que a situação vai piorar ainda mais. Há oito
anos, os pessimistas chegaram a ser 45,7% dos entrevistados.
A série histórica mostra que o
otimismo com relação à segurança do início da gestão Bolsonaro (38,9% de vai
melhorar) caiu posteriormente no segundo ano do governo, mas foi aos poucos
crescendo progressivamente, de 18,5% em maio de 2020 até os 29,2% atuais. Se
não podemos dizer que o brasileiro está otimista com a situação de segurança,
os dados da pesquisa CNT sugerem que talvez estejam menos pessimistas.
Essa interpretação é corroborada
quando analisamos a questão sobre “quais setores precisam de melhorias no
Brasil”, onde o entrevistado pode escolher dois temas entre os sugeridos. A
questão da saúde aparece sempre em primeiro lugar, entre 71 e 88% das menções.
A educação é mencionada por metade dos entrevistados, com exceção da rodada de
janeiro de 2020, quando sobe para 66,5% das escolhas. O tema da segurança
pública costumava superar a preocupação com o emprego, principalmente no ano de
2014, pré crise econômica, onde apenas uma minoria mencionava o emprego como
uma preocupação, enquanto segurança preocupava mais de um terço dos
entrevistados. Porém, na última rodada, em fevereiro de 2022, a ordem dos temas
se inverte: enquanto o emprego continua como preocupação de um terço dos
entrevistados, a menção à segurança cai abruptamente para o menor patamar da
série, sendo mencionada por apenas 15,5% dos entrevistados. [1]
Trata-se de uma queda de 28% com relação à edição de 2020, um fenômeno digno de
estudo, se descartarmos as hipóteses de erro ou grandes mudanças metodológicas.
A série histórica é curta e intermitente e não permitem grandes ilações. Mas
analisadas em conjunto sugerem uma melhora na percepção de segurança da
população nos últimos anos.
Mas o que significa realmente a
melhora na percepção da segurança?
Sabe-se que percepção de
segurança nem sempre guarda relação com a evolução da criminalidade medida
pelas estatísticas de criminalidade e que é possível que eventualmente caminhem
em direções opostas. As pesquisas de vitimização já mostraram exaustivamente
que as pessoas que se sentem mais inseguras não são necessariamente as pessoas
mais vitimadas.
É possível que a expectativa da
situação de segurança e a avaliação dos setores que mais precisam de melhorias
sejam em parte somente um reflexo da aprovação geral do governo e que guardem
pouca relação com a evolução da criminalidade. Estudos mostram que a aprovação
da segurança depende em grande parte da avaliação geral do governo, embora em
alguns períodos elas se comportem de modo independente. Não é simples
interpretar o significado destes indicadores de “percepção de segurança”, pois
eles podem refletir em parte apenas uma avaliação genérica do governo de
plantão. São poucos os cidadãos que acompanham de fato as medidas tomadas pelos
governos ou as estatísticas criminais.
De todo modo, sabendo desta
relação entre aprovação genérica do governo e aprovação da segurança, chama ainda
mais a atenção que os indicadores de segurança da pesquisa CNT/MDA apresentem
esta melhora recente, quando a avaliação do governo atual é em geral negativa:
apenas 35% da população aprovam a atual gestão, segundo os dados na PoderData
de 17 de março de 2022. A pesquisa Exame/Ideia de 24/3 levantou que apenas 28%
do eleitorado avalia o governo como “ótimo ou bom”. Em 2019 e 2020 esta
porcentagem beirava os 50%, segundo os dados da CNI/Ibope.
Se a melhora dos indicadores
subjetivos de segurança não parecem refletir a aprovação geral do governo
(apesar do ligeiro aumento recente), será que estão relacionadas ao desempenho
da criminalidade?
Se não há uma correlação exata, espera-se
que as percepções sobre segurança sejam em longo prazo pelo menos congruentes
com a situação criminal tal qual mensurada pelos dados oficiais. A se basear
nas estatísticas criminais coletadas pelo Sinesp a partir dos dados enviados
pelas secretarias estaduais de segurança, a queda na sensação de insegurança é
congruente com a queda de alguns indicadores criminais nos últimos anos.
O pico da criminalidade no Brasil
parece ocorrer entre 2016 e 2017, depois de dois anos de aguda contração na
economia – com exceção dos estupros, que continuam a crescer até 2019.
Analisando por modalidade
criminal, vemos que Roubo a instituição financeira e tentativa de homicídio
caem desde 2015, Furto de veículos e roubo seguido de morte caem a partir de
2016, homicídios, lesão corporal seguida de morte, roubo de carga e roubo de
veículos a partir de 2017. Com relação a
2015, vemos que apenas estupros apresentam crescimento de 17,3% no período e
mesmo este delito apresentou queda nos últimos dois anos. Em média os crimes
caíram 31,3% no período e no caso de roubo de veículos, que já foi objeto de
análise em outro artigo, as quedas superam 40%.
Tratam-se, portanto, de quedas
abruptas e intensas, e que precedem quase sempre as atuais gestões federal e
estaduais. Diversas hipóteses têm sido aventadas para explicar o fenômeno –
mudanças demográficas, profissionalização do tráfico, melhorias na gestão das
polícias estaduais, melhorias nos sistemas de prevenção dos carros e casas,
migração das modalidades presenciais para virtuais de crimes (que não aparecem
nestas estatísticas), maiores investimentos, etc. Não é caso de aprofundá-las
aqui, mas em particular interpreto o fenômeno como uma regressão à média depois
do pico de 2017, quando o ciclo econômico recessivo de 2014-2016 provocou o
aumento intenso da criminalidade.
O objetivo aqui, contudo, é
apenas mostrar que parece existir uma congruência neste momento entre queda nos
indicadores criminais e queda na percepção de insegurança da população, pois a
percepção de segurança melhora, não obstante a relativamente baixa aprovação do
governo federal. O presidente é bastante identificado com o tema da segurança e
certamente procurará explorar esta conjuntura favorável em sua campanha
eleitoral.
[1] Na
última edição a pesquisa alterou ligeiramente as opções, incluindo “direito das
minorias”, que recebeu 6,8% dos votos. Parece improvável que pessoas que
apontavam antes segurança como preocupação tenham migrado para esta nova
categoria. Por que esta nova categoria roubaria especificamente votos das
pessoas antes preocupadas com segurança? O mais provável é que tenha ocorrido
uma diminuição real na preocupação com a segurança. Mas parte desta queda
abrupta pode ter ocorrido em função da inclusão desta nova categoria.