Nesta próxima quinta-feira 13 de
agosto o Supremo Tribunal Federal julgará um caso que decidirá se o uso de
maconha é ou não um crime no Brasil. Trata-se do caso de um presidiário de São
Paulo que assumiu a posse de 3 gramas de maconha encontradas durante uma revista
em sua cela. O procurador público designado para sua defesa pediu a não
condenação do cliente, argumentando que se trata de um direito individual que
não cabe ao Estado interferir. Perdeu em
duas instancias mas recorreu ao STF, que terá que se posicionar sobre o caso,
criando eventualmente nova jurisprudência sobre a questão.
Caso a tese seja aceita pelo Supremo,
em última instância o uso de maconha deixaria de ser crime no Brasil, lembrando
que a Lei de Drogas de 2006 adotou a política de proibicionismo parcial, que
vedou a prisão do usuário, mas manteve o uso como crime, punível de outras
maneiras. A defesa questiona assim a
constitucionalidade do artigo 18 desta Lei, que é o que estará em jogo na
decisão do STF.
O caso particular é irrelevante –
até porque o cliente já cumpria pena por outros crimes de maior gravidade - mas ele forçará a corte a se pronunciar sobre
a controvertida questão da descriminalização do uso da maconha, que não deve
ser confundida com a liberalização pura e simples. O uso deixa de ser crime mas
pode e deve ser regulamentado pelo Estado. Obrigará também em algum momento o
Estado a adotar uma definição objetiva que separe o usuário do pequeno
traficante, que hoje superlotam nossos já abarrotados presídios.
No Brasil, o uso da cannabis não
é permitido sequer para uso medicinal (remédios a base de canadibiol) , embora
o uso recreativo já tenha sido liberado nos últimos anos no Uruguai e em
diversos Estados norte-americanos. Trata-se de um uso regulado, com
fiscalização rigorosa do Estado sobre a produção, venda e consumo – do qual,
alias, alguns governos tem extraído
milhões em impostos.
O debate é extenso, com bons
argumentos contra e a favor da descriminalização do uso da maconha e sua
regulamentação: evita a estigmatização do usuário, diminui a população
prisional, reduz danos à saúde, evita o envolvimento com a marginalidade, diminui os recursos nas mãos dos traficantes,
mas pode eventualmente estimular o consumo, servir de porta de entrada para o
uso de drogas mais pesadas, aumentar a
criminalidade, exponenciar distúrbios psiquiátricos, etc. As experiências
recentes dos vários estados norte-americanos e do Uruguai e as já mais antigas
em países como Portugal, Espanha e Holanda sugerem que a liberalização
controlada trás mais benefícios do que os causados pelo proibicionismo puro e
simples.
Se dependesse do Congresso
brasileiro, qualquer mudança liberalizante seria difícil, pois o Congresso
raramente confronta a opinião popular: a última pesquisa Ibope sobre o tema, de
setembro de 2014, apontou que 79% dos brasileiros são contrários a legalização da maconha (o
que não é a mesma coisa que descriminalizar, mas dá uma ideia do posicionamento
ideológico da população sobre o tema).
Com efeito, tanto nos Estados
Unidos quanto no diversos países europeus, uma legislação liberalizante com
relação a maconha foi precedida de uma mudança cultural com relação ao hábito,
que facilitou a adoção de uma postura mais heterodoxa.
A tabela abaixo traz os
resultados da pesquisa Flash Eurobarometro de junho de 2014, realizada com 13
mil jovens de 15 a 24 anos de 28 países europeus. Por entrevistar apenas jovens, ela traz
resultados mais favoráveis às drogas do que uma pesquisa com toda a população traria
mas não obstante este viés, os resultados são bastante interessantes.
Q9.1 A venda de
drogas tais como maconha, cocaína, ecstasy e heroína é oficialmente proibida
em todos os Estados membros da União Europeia. A venda de substâncias legais
tais como álcool e tabaco não é proibida mas é regulada em todos os países da
União Europeia, o que significa, por exemplo, que ha um limite de idade
mínima para compra, limites na concentração de componentes ativos ou venda licenciada
através de lojas especializadas ou farmácias. Você acha que as seguintes
substâncias devem continuar a ser banidas ou devem ser banidas ou que elas
devem ser regulamentadas?
|
|
|||||
Droga:
|
Maconha
|
Tabaco
|
Ecstasy
|
Heroína
|
Álcool
|
Cocaína
|
Deve continuar a
ser banida ou ser banida
|
53
|
16
|
91
|
96
|
7
|
93
|
Deve ser regulada
|
45
|
81
|
8
|
4
|
92
|
7
|
Deve ser permitida
sem restrições
|
1
|
2
|
0
|
0
|
2
|
0
|
fonte:
|
||||||
Flash Eurobarometer
401
|
||||||
coleta : 03 -
23/06/2014
|
n= 13128
|
jovens de 15 a 24
anos
|
Como revela a tabela, mesmo entre
os jovens, são pouquíssimos os que sugerem que as drogas devem ser permitidas
sem restrições. A grande maioria é a favor do banimento da venda de heroína, cocaína
e ecstasy, com taxas superiores a 90% em todos os casos. A maconha está numa
posição intermediária entre as drogas lícitas e ilícitas: 53% defendem o
banimento e 45% a permissão da venda regulada. Álcool e tabaco, as drogas mais
comuns, devem ser vendidos de modo regulado, como atualmente são – embora 16%
dos jovens sugira o banimento do tabaco e 7% o do álcool.
A pesquisa não trata de descriminalização
mas ilustra o argumento: quando a maconha assume uma posição intermediária
entre as drogas lícitas e ilícitas – como vem ocorrendo a décadas nos estados
unidos e na europa – é possível que os
legislativos e executivos pensem em políticas alternativas ao proibicionismo. No Brasil, aparentemente, a opinião pública
ainda é bastante conservadora, como mostraram os dados do Ibope.
Neste sentido, o poder judiciário
pode ser o fator de mudança, pois esta mais imune à influência da opinião
pública do que os demais poderes. A decisão do STF desta quinta não significa
que o Brasil passará a produzir maconha estatal e criar clubes de maconha. Mas
pode ser um primeiro passo rumo à outra postura, que vê no usuário crônico um
doente a ser tratado e não mais um criminoso. Que separa o usuário do pequeno
traficante e este do grande. Regulando
na prática aquilo que a Lei de 2006 foi incapaz de fazer.