A nova
administração municipal de São Paulo deu início ao projeto Cidade Linda, que,
entre outras iniciativas, está repintando muros da cidade, onde antes existiam
pichações e grafites. Desde o início da gestão, 42 pichadores foram detidos e a
pedido do executivo, a câmara municipal prepara uma nova lei com multa de 5 mil
reais e ressarcimentos aos cofres públicos para aqueles condenados por
vandalismo e crime ambiental.
A iniciativa
tem causado bastante polêmica na imprensa e nas redes sociais pois a nova
gestão limpou não apenas “pichações” como também diversas obras de grafiteiros
renomados, que receberam incentivos da gestão anterior para realização de seus
trabalhos. A maior crítica é de que a prefeitura não fez a distinção entre
pichação, grafite e arte urbana: o consenso aparentemente é de que a primeira
deveria ser banida enquanto as demais, de caráter artístico, deveriam ser
incentivadas. Seguindo esta lógica, “Picasso não pichava”, por exemplo, era o
nome de um projeto da secretaria de segurança do Distrito Federal que buscava
transformar jovens pichadores em grafiteiros e artistas de rua, com o auxílio
do poder público.
“Consenso”
aparente, como dito, pois muita gente acha grafite lindo, desde que seja no
muro dos outros; acha lindo, mas que não deve ser incentivado e pago com
recurso público (Haddad gastou 1 milhão com os grafites da 23 de maio em 2014);
tem também quem não acha lindo e pensa que quem quiser ver arte que vá a um
museu, etc. etc. Além disso, quanto à suposta superioridade da pichação sobre o
grafite, há os que avaliam que boas frases e reflexões nos muros podem ser
tanto ou mais conscientizadoras e divertidas do que desenhos. Seria
interessante uma pesquisa para saber se a população diferencia as diferentes
formas de manifestações e seu apoio ou rejeição a elas.
Sem entrar no
mérito do que é ou não arte ou manifestação cultural dos jovens das periferias,
algo que é bastante subjetivo, o fato é que a teoria que embasa a relação entre
o ambiente e a criminalidade tem evidências bastante sólidas. A conhecida
teoria das Janelas Quebradas já corroborou através de inúmeras pesquisas o
efeito deletério da degradação física e social sobre a sensação de insegurança
da população, bem como sobre a atração sobre outros crimes e contravenções. Um
espaço degradado, visto como terra de ninguém, sujo, mal iluminado, pichado,
atrai a mendicância, prostituição, venda de drogas, furtadores e uma miríade de
pequenos contraventores e eventualmente aumenta a oportunidade para o
cometimento de crimes mais graves. Foi uma das estratégias inovadoras de
combate à criminalidade em Nova Iorque nos anos 90, retomando a cidade dos
contraventores, bloco a bloco, começando pelas deterioradas estações de metrô.
O Cidade
Linda, ao menos no que diz respeito à segurança pública, está baseado em teoria
convincente, lastreado em dados que o corroboram. Trata-se, aliás, de uma
versão do programa Belezura da administração Marta Suplicy e principalmente do
Cidade Limpa da gestão Kassab, que também focou na recuperação dos ambientes
urbanos e no combate às pequenas contravenções para melhorar a segurança da
cidade, através da Operação Delegada contra o comércio ambulante ilegal e da
proibição dos outdoors, regulamentando a propaganda na cidade. Trata-se de um
rol amplo de iniciativas de zeladoria, como iluminação, jardinagem, pintura,
consertos, poda de árvores, remoção de veículos abandonados, limpeza, combate
ao comércio ambulante ilegal, recuperação asfáltica, etc. – iniciativas que
foram relaxadas na gestão Haddad, percebida como leniente com relação à
degradação física da cidade, que culminou com uma praga de pernilongos na zona
Oeste. A intenção destas iniciativas contra a degradação é mostrar que o espaço
tem dono e é fiscalizado pelo poder público. É mais do que uma questão
estética, apenas de embelezamento da cidade, pois tem consequências sobre
segurança e outras esferas.
De modo geral,
faltou esclarecimento da prefeitura e diálogo com a sociedade a respeito do
tema e sobrou ideologia na avaliação da iniciativa da prefeitura. Sob fogo
pesado, até de seus eleitores, Dória já pensa em abrir novamente a Av. 23 de
maio para novos grafites e criar um Museu de Arte de Rua em São Paulo. É
preciso conciliar aqui diversos valores e o aspecto da segurança é apenas um
entre muitos outros a serem considerados. Encontrar uma solução equilibrada
entre o “qualquer coisa” em “qualquer lugar” de hoje e o grafitódromo, apenas
com projetos pré-aprovados. Particularmente sou fã dos grafites e prefiro uma
cidade um tanto mais rebelde, mesmo que tenhamos que pagar um preço por isso.
Trata-se como sempre de um equilíbrio delicado entre liberdade, libertinagem e
repressão. Se a prefeitura errar na dose, #a lata se vinga.