Muito se tem discutido sobre a questão do Caixa
2 nas campanhas eleitorais e como seu uso desvirtua a democracia. Mas a
correlação entre recursos de campanha obtidos legalmente (Caixa 1) e votos é
tão elevada que levanta sérias questões filosóficas sobre a legitimidade de
qualquer eleição - e não apenas da
última. Dinheiro sempre foi o fator mais importante para explicar a diferença
entre as campanhas eleitorais vitoriosas ou fracassadas. Não é, claro, o único
fator, mas é de longe o mais relevante, pois campanhas eleitorais custam caro,
superando frequentemente a soma dos salários que o eleito receberá nos anos
vindouros, caso eleito. Estimou-se que os custos médios de uma campanha
competitiva a deputado federal em 2014 giraram em torno de 1,6 milhões de reais.
(http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1544557-congressistas-eleitos-neste-ano-gastaram-r-864-mi-em-capanhas.shtml)
Uma campanha vitoriosa envolve gastos vultuosos
com pessoal próprio e terceirizado (cerca de 35%), gastos com publicidade
(outros 35%), aluguel de veículos e escritórios, pagamento de militância,
combustível, correspondências, alimentação, etc., para ficar apenas nos itens
principais discriminados pelo TRE.
Analisamos os gastos das 3 últimas campanhas
proporcionais entre 2006 e 2014 em São Paulo, correlacionamos os gastos
declarados na justiça eleitoral com a quantidade de votos recebida pelos
candidatos. A tabela abaixo resume algumas das informações.
Em primeiro lugar, como destacado, existe uma
correlação linear forte entre gastos realizados e votos recebidos: os
coeficientes de correlação variaram de .43 a .61 nas seis campanhas, o que
significa que cerca de metade da variação encontrada na votação dos candidatos
pode ser explicada pelos recursos invertidos na campanha (obviamente, estamos
falando dos valores declarados, mas estamos supondo que a proporção caixa
1/caixa 2 seja relativamente proporcional entre os candidatos). Em outras
palavras, sabendo apenas quanto o candidato gastou nas eleições, nossas chances
de acertar se ele foi ou não eleito aumentam em 50%, mesmo sem olhar qualquer
outra característica.
A tabela sugere ainda que as campanhas para
deputado federal custam mais do que as estaduais e que as campanhas estão se
tornando cada vez mais caras com o passar do tempo. Assim, um deputado estadual
que investiu um milhão de reais em 2006 obteve cerca de 136 mil votos naquele
ano, mas apenas 50 mil votos em 2014. Do mesmo modo, um deputado federal
obtinha 108 mil votos por milhão de reais em 2006, mas apenas 46 mil votos em
2014. A última coluna mostra a evolução do custo por voto, nos anos eleitorais.
A existência desta forte correlação entre
recursos e votos nos faz pensar bastante sobre a qualidade da nossa democracia
e a legitimidades das eleições, de modo geral. Existem, todavia, outros fatores
explicativos para o sucesso ou fracasso eleitoral.
O gráfico de dispersão abaixo nos mostra a
relação gasto voto para a campanha a deputado federal em São Paulo em 2014.
Popularidade ou grau de conhecimento do candidato e partido político a que
pertence são variáveis importantes nesta equação. Assim, candidatos populares
como os deputados Marcos Feliciano, Bolsonaro, Paulo Pereira da Silva e todos
os que aparecem simultaneamente mais ao alto e a esquerda no gráfico, obtiveram
grande votação, relativamente aos recursos gastos na campanha. Ao contrário,
candidatos na parte inferior direta do gráfico receberam poucos votos,
relativamente aos gastos efetuados.
Um fenômeno interessante quando acompanhamos as eleições proporcionais
de 2006 a 2014 é que o custo relativo da campanha tem encarecido para o PT em
São Paulo e barateado para o PSDB e o DEM. Ou seja, o retorno em número de
votos, para cada milhão investido, é decrescente para o PT e crescente para o
PSDB, o que sugere que a filiação partidária também impacta na probabilidade de
eleição do candidato.
Mas são raros os casos de eleitos que gastaram pouco e se elegeram e a
influência da sigla, relevante em alguns contextos, é inferior a relevância dos
recursos financeiros. A regra é que sejam eleitos os que conseguiram angariar
mais recursos, tanto nas eleições proporcionais como nas majoritárias, embora
os custos destas sejam inferiores. Assim, numa campanha disputada como a
presidencial passada, onde a vencedora obteve 54.5 milhões de votos e o segundo
colocado 51 milhões, o uso de recursos adicionais pode realmente alterar o
resultado das eleições, como a análise estatística sugere. Os gastos (oficiais)
da candidata na campanha foram 36% superiores aos gastos da campanha do
adversário, o que por si só já explica a vitória da candidata. A tabela abaixo traz uma simulação
interessante: como apontamos, o custo do voto para o PT é superior ao do PSDB
(6,4 X 4,3) também na eleição majoritária.
Candidato
|
votos
|
Gasto
|
Gasto por
voto
|
Dilma
|
54.501.118
|
R$
350.836.301,00
|
R$ 6,44
|
Aecio
|
51.041.155
|
R$
222.925.853,00
|
R$ 4,37
|
diferença
|
3.459.963
|
|
R$ 5,40
|
|
|
|
|
custo médio
do voto
|
5,4
|
||
equivalente
a:
|
R$
18.683.800,20
|
Esta diferença de 3,4 milhões de votos em favor de Dilma teve um “custo”
de aproximadamente 18.6 milhões, se calcularmos o custo médio de cada voto.
Pois bem, apenas a empreiteira Andrade Gutierrez doou sozinha 21 milhões para a
campanha petista (oficialmente) e a construtora OAS cerca de 20 milhões. Assim,
independente do uso ou não de caixa 2 analisado no momento pelo TSE, nossa
democracia é tal que ganham as eleições aqueles que conseguem maior volume de
doações. Está dentro das regras do jogo, mas nos faz pensar bastante sobre a
legitimidade não apenas desta, mas de todas as campanhas eleitorais no pais.
Cientes do papel preponderante dos recursos financeiros no êxito eleitoral,
diante de custos crescentes e de escândalos envolvendo financiamento de empresas
privadas nas campanhas, o Congresso Nacional aprovou em 2015 uma minirreforma
eleitoral, cujas regras procuraram limitar bastante e regular estes gastos, de
modo a baratear, moralizar e democratizar as campanhas.
As regras valerão pela primeira vez nas próximas eleições e seus efeitos
ainda são uma incógnita. Entre as principais inovações estão a proibição do recebimento
de recursos de pessoas jurídicas, a diminuição do tempo de campanha para 45
dias, a criação de uma tabela com teto de gastos, em função do cargo e tamanho
da cidade, a permissão para realização de uma espécie de pré-campanha (desde
que não haja pedido explícito de votos), a proibição de publicidade nas ruas
nos bens públicos ou comuns (placas, faixas, cavaletes, etc.) Assim, por
exemplo, o gasto máximo de uma campanha para vereador numa cidade com menos de
10 mil habitantes foi fixado em 10 mil reais.
Não é caso de destrinchar pormenorizadamente as novas regras, cujo
objetivo maior parece ter sido precisamente o de limitar a influência decisiva
do dinheiro no sucesso eleitoral. Das duas uma: as próximas eleições serão ou
as mais democráticas de todos os tempos, equilibrando as disputas de
candidaturas ricas e pobres ou veremos um uso anda mais intenso do caixa 2, no
intuito de burlar as novas limitações. Quero crer que tenderemos mais para o
primeiro cenário, pois os escândalos de corrupção eleitoral recente e a punição
dos responsáveis podem inibir o uso do caixa 2 nas próximas eleições. O uso
crescente das redes sociais tem contribuído adicionalmente para a
democratização das eleições, ainda que seja possível impulsionar a participação
nas redes com fartura de recursos. Os críticos da minirreforma de 2015, por
outro lado, sustentam que ainda assim as novas regras permitem gastos
milionários e que dinheiro ainda será o fator decisivo para o êxito dos
candidatos.
O fato é que existe algo de profundamente errado no sistema atual,
quando uma equação linear permite prever quem sairá vitorioso da “disputa”, independente
do mérito, experiência ou da ficha criminal do candidato.