Os homicídios dolosos no Estado de São Paulo estão caindo de forma acelerada desde 2000 e em particular desde 2003, após o Estatuto do Desarmamento. Vemos também a partir de 2003 quedas significativas de homicídios no Rio de Janeiro e em parte das cidades mineiras. No Norte do país e no Centro-Oeste, ainda que os números absolutos sejam pequenos e os dados nem sempre de boa qualidade, vemos também alguma pequena redução ou ao menos estabilidade na última década. Por outro lado, chama–nos a atenção o crescimento generalizado e acentuado dos homicídios no Nordeste, com exceção de Pernambuco e no Sul.
O que intriga aos analistas é que, se o Estatuto do Desarmamento foi um dos maiores responsáveis pela redução dos homicídios no Sudeste – e há fortes evidências disso – e se a lei é de âmbito nacional, porque não observamos os mesmos efeitos no Nordeste ou no Sul ? As explicações de tipo “cultural” – em alguns lugares a lei “pega” e em outros não – são claramente insuficientes pois a geografia das tendências de queda e crescimento dos homicídios não se adéqua ‘a representação que normalmente fazemos sobre o grau de respeito a Lei nos Estados. Queda no Rio de Janeiro e aumento no Rio Grande do Sul ? Hum....parece ter pouco vínculo com cultura cívica É possível pensar contrafactualmente e argumentar que os crescimentos seriam ainda maiores sem a existência do Estatuto.
Todavia, uma análise de tendência mostra claramente que o NE não continuou simplesmente uma trajetória anterior, mas teve crescimento acima de qualquer projeção linear. Estamos falando em alguns Estados de aumentos superior a 100% na década, ou que chamaríamos na análise de série temporal de uma “quebra de nível”. Alguma coisa a mais aconteceu por lá (bem como no Sul), em contraste com o Sudeste. O que teria sido ? Uma explicação mais plausível é a que invoca a questão da implementação da lei, já que não basta sua existência no papel. Existe alguma evidência qualitativa que corrobora esta hipótese: São Paulo, que começou o endurecimento com relação ‘as armas ilegais antes do Estatuto e adotou uma política explícita de apreensão de armas teve quedas maiores do que qualquer outro Estado. Estados que adotaram políticas de segurança explicitas de redução dos homicídios, como Minas Gerais e Pernambuco, também tiveram desempenho superior aos demais. (Não inclui o RJ e UPPs aqui, pois a queda dos homicídios no RJ é anterior as UPPs e ocorre igualmente em outras áreas sem Upps, como qualquer analista criminal já sabe). Novamente aqui, faltam dados sobre o grau de implementação de políticas públicas com relação aos homicídios e armas em especial, para podermos testar o peso do fator implementação no desempenho dos Estados.
O fator demográfico pode ter jogado algum papel nesta história e não por acaso os Estados do Sudeste tiveram, em geral, um crescimento demográfico mais equilibrado do que os demais, pegando os dados do censo 2000 e 2010. Mas de modo geral, a correlação entre crescimento demográfico na década e crescimento dos homicídios, ao nível de municípios, é fraca e não significante e existem diversas exceções: cidades com pouco crescimento demográfico e elevado crescimento dos homicídios (em especial no Sul) e também o inverso. Assim, um crescimento demográfico equilibrado pode ser condição necessária mas não suficiente para garantir a queda dos homicídios. Já que estamos aqui lançando hipóteses exploratórias, gostaria de introduzir a questão do crescimento da renda e de seus efeitos diretos e indiretos. Um dos fenômenos sócio-econômicos que mais chama a atenção é o rápido crescimento da renda no Nordeste, seja pelo aparecimento de novos pólos de desenvolvimento, seja em função dos gastos sociais. Tomando como indicador resumo deste processo a posse de TV a cores nas famílias, vemos que a posse de TV em cores no Sudeste, que já era generalizada, cresceu apenas 10,7% no período 2001 a 2009. No Rio e São Paulo este crescimento beirou os 4%.. No Nordeste em compensação, onde os patamares de posse eram baixos em 2001, o crescimento médio foi de 36,7% no mesmo período.
A hipótese é que o desenvolvimento econômico rápido e acelerado do Nordeste implicou num aumento da renda e da posse de bens, que por sua vez fez crescer os crimes contra o patrimônio que, como se sabe, são crimes de oportunidade e fortemente associados a renda. No Sudeste, por outro lado, houve ou redução ou estabilidade dos crimes contra o patrimônio entre 1999 e 2009, se tomarmos como medida o roubo e o roubo de veículos. Assim, enquanto no Nordeste, (e no Sul) premidos pelo aumento dos crimes contra o patrimônio, a população não se desarmou – pois as armas são vistas como proteção contra o crime, no Sudeste, onde a pressão foi menor, as armas deixaram de circular. Isto basicamente ajuda a entender porque o Estatuto do Desarmamento teve efeitos significativos em algumas Regiões e quase nenhum em outras, apesar da Lei ter abrangência nacional. O contexto da implementação foi radicalmente diferente e o “custo” de andar armado aumentou no Sudeste mas no Nordeste parece ter sido ainda compensador, em função do crescimento dos roubos. Com menos armas em circulação os homicídios caem no Sudeste e com mais armas (ainda resta ser comprovado) os homicídios aumentam no Nordeste. Esquematicamente, teríamos o seguinte processo:
Imagens: NE - cresc rapido da renda - aumento do crime patrimonial - aumento das armas - aumento dos homicídios SE - cres. estavel da renda - estabilidade do crime patrominial - diminuição das armas em circulação - diminuição dos homicídios
As etapas deste processo precisam ser testadas pois, ainda que ele faça sentido do ponto de vista lógico, faltam todavia dados para testá-lo em todas as suas etapas. Estamos falando aqui de fenômenos regionais e influência macro-econômicas e sociais, caminho analítico bem mais produtivo para explicar a dinâmica nacional dos homicídios, aparentemente, do que recorrer a explicações, como as lidas nos jornais, sobre gangues, drogas, grupos organizados, etc. Explicações que falharam retumbantemente para explicar “o caso paulista” e falharão também, quero crer, para explicar a dinâmica nacional. Quem viver verá.
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quarta-feira, 20 de abril de 2011
terça-feira, 19 de abril de 2011
Percepção de Segurança varia com avaliação do governo
Nem sempre a sensação de segurança tem relação direta com os níveis de criminalidade, como já comentamos. Vejam por exemplo estes dados da pesquisa CNT/Sensus do ano passado. Conforme a avaliação do governo Lula ia crescendo, depencava a porcentagem de entrevistados que julgavam que "a violência aumentou nos últimos 6 meses". Isto, naturalmente, guarda pouca relação com qualquer queda de criminalidade no período e reflete antes uma sensação positiva com o governo de um modo geral.
Você tem medo de que ?
As polícias hoje sabem que tão importante quando reduzir a criminalidade é conseguir fazer com que as pessoas se sintam seguras, pois se o crime esta caindo mas as pessoas se sentem inseguras, estamos diante de um problema de segurança pública.
O ideal não é eliminar cabalmente o medo nas pessoas: mais realista é fazer ao menos com que haja uma congruência entre a criminalidade real e a percepção do fenômeno. Explico melhor. Algum grau de insegurança é saudável, tanto do vista pessoal como coletivo pois se me sinto demasiado seguro diante de uma situação real de risco, deixo de tomar as precauções necessárias – trancar o carro, deixar a luz de casa acesa ao sair, observar o entorno ao fazer saques, etc. Como resultado do excesso de segurança podemos ter um aumento da criminalidade pois boa parte da prevenção ao crime passa pelo comportamento preventivo das potenciais vítimas.
Por outro lado, o excesso de insegurança também é danoso, pois por conta disso empresas deixam de se instalar em certos locais, turistas são afugentados, pessoas deixam de sair à noite para estudar ou se divertir, o valor das casas se deprecia e as cidades se verticalizam, entre outras conseqüências indesejadas, sem falar na perda da qualidade de vida no cotidiano das pessoas. Assim, tanto a ausência quanto a presença exagerada do medo acarretam custos elevados para o indivíduo e para a sociedade.
Pesquisas divulgadas pelo Datafolha e pela Sensus dão conta que 31% dos brasileiros citam a segurança como principal problema nacional e que 90% dos brasileiros avaliam que a violência piorou nos últimos anos no país.
De todo modo, parece que a escalada da sensação de insegurança é generalizada.Uma interpretação possível para o descolamento entre crime e percepções é que, mesmo em queda, o patamar de criminalidade é ainda elevado.
Uma hipótese mais plausível, corroborada por pesquisas, é que a sensação de segurança tem menos relação com a experiência pessoal de vitimização, sendo antes a resultante de como as pessoas se informam sobre a criminalidade, em especial os casos de grande repercussão, como os homicídios na escola em Realengo. Assim, por exemplo, já foi constatado que quanto mais distante o local (no país, no Estado) maior a percepção de que a violência está crescendo, ocorrendo o inverso quando se trata do bairro ou arredores do entrevistado. A violência cresce, mas em algum outro lugar, raramente na redondeza. Além disso, embora os homens e jovens constem nas estatísticas como a maioria das vítimas em quase todos os crimes, são as mulheres e as pessoas idosas que revelam maior temor da criminalidade. A sensação de segurança é portanto afetada não apenas pela experiência pessoal com o crime mas por inúmeras outras variáveis como local de moradia, idade, gênero, exposição e grau de confiança nos meios de comunicação, entre outras.
O papel dos meios de comunicação para reduzir este hiato entre a criminalidade real e a percebida é fundamental – mostrando sim o caso de grande comoção, mas contextualizando-os num cenário mais amplo. Pois para além dos custos apontados, o pior prejuízo do descolamento entre criminalidade e percepção pode ser a adoção de políticas de segurança pública equivocadas e o abandono de outras que estão dando certo mas não são reconhecidas pela sociedade.
O ideal não é eliminar cabalmente o medo nas pessoas: mais realista é fazer ao menos com que haja uma congruência entre a criminalidade real e a percepção do fenômeno. Explico melhor. Algum grau de insegurança é saudável, tanto do vista pessoal como coletivo pois se me sinto demasiado seguro diante de uma situação real de risco, deixo de tomar as precauções necessárias – trancar o carro, deixar a luz de casa acesa ao sair, observar o entorno ao fazer saques, etc. Como resultado do excesso de segurança podemos ter um aumento da criminalidade pois boa parte da prevenção ao crime passa pelo comportamento preventivo das potenciais vítimas.
Por outro lado, o excesso de insegurança também é danoso, pois por conta disso empresas deixam de se instalar em certos locais, turistas são afugentados, pessoas deixam de sair à noite para estudar ou se divertir, o valor das casas se deprecia e as cidades se verticalizam, entre outras conseqüências indesejadas, sem falar na perda da qualidade de vida no cotidiano das pessoas. Assim, tanto a ausência quanto a presença exagerada do medo acarretam custos elevados para o indivíduo e para a sociedade.
Pesquisas divulgadas pelo Datafolha e pela Sensus dão conta que 31% dos brasileiros citam a segurança como principal problema nacional e que 90% dos brasileiros avaliam que a violência piorou nos últimos anos no país.
De todo modo, parece que a escalada da sensação de insegurança é generalizada.Uma interpretação possível para o descolamento entre crime e percepções é que, mesmo em queda, o patamar de criminalidade é ainda elevado.
Uma hipótese mais plausível, corroborada por pesquisas, é que a sensação de segurança tem menos relação com a experiência pessoal de vitimização, sendo antes a resultante de como as pessoas se informam sobre a criminalidade, em especial os casos de grande repercussão, como os homicídios na escola em Realengo. Assim, por exemplo, já foi constatado que quanto mais distante o local (no país, no Estado) maior a percepção de que a violência está crescendo, ocorrendo o inverso quando se trata do bairro ou arredores do entrevistado. A violência cresce, mas em algum outro lugar, raramente na redondeza. Além disso, embora os homens e jovens constem nas estatísticas como a maioria das vítimas em quase todos os crimes, são as mulheres e as pessoas idosas que revelam maior temor da criminalidade. A sensação de segurança é portanto afetada não apenas pela experiência pessoal com o crime mas por inúmeras outras variáveis como local de moradia, idade, gênero, exposição e grau de confiança nos meios de comunicação, entre outras.
O papel dos meios de comunicação para reduzir este hiato entre a criminalidade real e a percebida é fundamental – mostrando sim o caso de grande comoção, mas contextualizando-os num cenário mais amplo. Pois para além dos custos apontados, o pior prejuízo do descolamento entre criminalidade e percepção pode ser a adoção de políticas de segurança pública equivocadas e o abandono de outras que estão dando certo mas não são reconhecidas pela sociedade.
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Sobre "rankings" de locais mais violentos
Entre os especialistas em criminalidade sabe-se há muito que construir rankings de lugares ou cidades “mais” ou “menos” violentas é errôneo e pode levar a conclusões equivocadas, com péssimas conseqüências para os locais citados.
Conhecer a cidade onde uma pessoa vive diz pouca coisa sobre seu risco real pois este risco depende muito mais de outros fatores como vizinhança, gênero, idade e estilo de vida. Assim, por exemplo, em todas as cidades os crimes são desproporcionalmente concentrados em algumas vizinhanças de alto risco e diferenças em taxas de criminalidade são muito maiores dentro das cidades do que entre elas. Dentro de uma cidade como São Paulo as taxas de homicídios podem variar entre 3:100 mil em Perdizes a 134:100 mil num bairro periférico como Marsilac. Quem vive ou trabalha em Perdizes corre um risco tão baixo de morrer como nas cidades mais seguras do mundo.
Outros motivos, que nada tem a haver com o risco, fazem as cidades estarem melhor ou pior posicionadas no ranking, como por exemplo os limites entre áreas urbanas e rurais: algumas cidades são geograficamente pequenas e não incluem áreas vizinhas com baixos índices de criminalidade. Se estas áreas e suas populações fossem somadas, os índices criminais da cidade seriam mais baixos.
A proximidade de uma área metropolitana também afeta artificialmente a posição de uma cidade, pois um morador de uma cidade dormitório que trabalhe no município sede e por ventura venha a morrer ali, será contado pela polícia como um homicídio no município sede (o numerador da equação) embora não no denominador (população da cidade).
Alguns municípios, principalmente os turísticos, sofrem com o problema da elevada população flutuante, que faz com que durante certos períodos circulem pelo local uma quantidade de pessoas muito maior do que aquela que reside no local. No momento de calcular a taxa por 100 mil habitantes para estes locais , freqüentemente se esquece que o denominador de base é de fato muito maior, pois deve incluir a população flutuante. Por não atentar para este problema, freqüentemente os municípios do litoral aparecem nos primeiros lugares dos “rankings” de violência, pois suas taxas são artificialmente elevadas.
Alguns fatores que reconhecidamente afetam o volume e o tipo de criminalidade de local para local são: densidade populacional e grau de urbanização; variações na composição demográfica da população; mobilidade populacional; sistema de transporte; condições econômicas, incluindo renda mediana, nível de pobreza e disponibilidade de empregos; fatores culturais e educacionais, recreacionais e características religiosas; estrutura da família; clima; capacidade efetiva das agências de aplicação da lei; polícia e outros componentes do sistema de justiça criminal; atitudes dos cidadãos com relação ao crime; práticas de notificação de crime, etc.
O leitor de jornais que publicam rankings, por conseguinte, deve ser alertado contra comparar dados estatísticos apenas com base na população – e ainda mais contra comparar dados absolutos de crimes. Até que se examine todas as variáveis que afetam o crime num determinado local, o analista não poderá fazer comparações significativas entre eles.
Conhecer a cidade onde uma pessoa vive diz pouca coisa sobre seu risco real pois este risco depende muito mais de outros fatores como vizinhança, gênero, idade e estilo de vida. Assim, por exemplo, em todas as cidades os crimes são desproporcionalmente concentrados em algumas vizinhanças de alto risco e diferenças em taxas de criminalidade são muito maiores dentro das cidades do que entre elas. Dentro de uma cidade como São Paulo as taxas de homicídios podem variar entre 3:100 mil em Perdizes a 134:100 mil num bairro periférico como Marsilac. Quem vive ou trabalha em Perdizes corre um risco tão baixo de morrer como nas cidades mais seguras do mundo.
Outros motivos, que nada tem a haver com o risco, fazem as cidades estarem melhor ou pior posicionadas no ranking, como por exemplo os limites entre áreas urbanas e rurais: algumas cidades são geograficamente pequenas e não incluem áreas vizinhas com baixos índices de criminalidade. Se estas áreas e suas populações fossem somadas, os índices criminais da cidade seriam mais baixos.
A proximidade de uma área metropolitana também afeta artificialmente a posição de uma cidade, pois um morador de uma cidade dormitório que trabalhe no município sede e por ventura venha a morrer ali, será contado pela polícia como um homicídio no município sede (o numerador da equação) embora não no denominador (população da cidade).
Alguns municípios, principalmente os turísticos, sofrem com o problema da elevada população flutuante, que faz com que durante certos períodos circulem pelo local uma quantidade de pessoas muito maior do que aquela que reside no local. No momento de calcular a taxa por 100 mil habitantes para estes locais , freqüentemente se esquece que o denominador de base é de fato muito maior, pois deve incluir a população flutuante. Por não atentar para este problema, freqüentemente os municípios do litoral aparecem nos primeiros lugares dos “rankings” de violência, pois suas taxas são artificialmente elevadas.
Alguns fatores que reconhecidamente afetam o volume e o tipo de criminalidade de local para local são: densidade populacional e grau de urbanização; variações na composição demográfica da população; mobilidade populacional; sistema de transporte; condições econômicas, incluindo renda mediana, nível de pobreza e disponibilidade de empregos; fatores culturais e educacionais, recreacionais e características religiosas; estrutura da família; clima; capacidade efetiva das agências de aplicação da lei; polícia e outros componentes do sistema de justiça criminal; atitudes dos cidadãos com relação ao crime; práticas de notificação de crime, etc.
O leitor de jornais que publicam rankings, por conseguinte, deve ser alertado contra comparar dados estatísticos apenas com base na população – e ainda mais contra comparar dados absolutos de crimes. Até que se examine todas as variáveis que afetam o crime num determinado local, o analista não poderá fazer comparações significativas entre eles.
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