Estratégias de segurança precisam
conhecer e levar em consideração o grau de concentração ou dispersão dos
fenômenos. Este grau de concentração maior ou menor pode ser vantajoso ou
desvantajoso e oferecer riscos ou oportunidades maiores ou menores.
Explicando o raciocínio abstrato.
Há muito se sabe que vários fenômenos criminais se manifestam de maneira
concentrada: uma pequena quantidade de locais apresenta uma concentração enorme
de crimes (hot spots), alguns dias e horários apresentam uma concentração
desproporcional de crimes (hot times), alguns poucos criminosos bastante
produtivos são responsáveis por uma quantidade grande de crimes e assim por
diante.
Estas concentrações seguem a
distribuição de Pareto e do ponto de vista da estratégia de policiamento
oferecem vantagens e oportunidades. Não preciso alocar meus recursos policiais
limitados em todos os locais e horários e posso otimizar o seu uso alocando
para as ruas e horários de maior incidência. Posso focar a investigação num
grupo menor de criminosos muito produtivos, na impossibilidade de investigar a
todos. Sim, é verdade que nem todos os locais serão policiados igualmente e nem
todos os crimes investigados igualmente. Num contexto de escassez de recursos,
contudo, esta é a estratégia maximizadora ou a que mais reduz a criminalidade.
Ao contrário do ditado popular, nestas situações vale a pena apostar uma grande
quantidade de fichas num único cavalo.
Por outro lado, os fenômenos do
aumento dos preços dos combustíveis e da consequente greve dos caminhoneiros
ilustram que “concentrações” podem também ser perigosas para a segurança
nacional. Nestas situações “monopolistas”, a estratégia recomendada é reduzir o
risco através da dispersão. Este raciocínio é válido para diversos contextos:
uma empresa que depende de um único ou poucos clientes é muito mais exposta ao
risco do que outra que conta com clientes pulverizados. Investir num único
ativo financeiro é muito mais arriscado do que investir numa carteira
diversificada. A Arpanet, antecessora da internet, foi uma rede de origem
militar concebida de forma espalhada por diversos hubs e por pacotes de dados,
para evitar a interrupção da comunicação em caso de ataque. Um pais com uma
pauta limitada de exportações é muito mais afetado por uma crise setorial.
A crise de maio (ou caminhonaço)
não teria sido tão aguda se nossa matriz energética não dependesse tanto dos
combustíveis fósseis ou se o transporte de mercadorias não dependesse tanto de
caminhões e rodovias. Esta dependência ou concentração tem impactos muito mais
acentuados na economia e na sociedade no caso de choques como a alta
internacional do dólar ou do barril de petróleo ou de uma greve nos transportes.
Os governos e órgãos de segurança perceberam como é fácil parar o país com a
paralização de apenas um setor central da economia. E o grande impacto do preço
dos combustíveis fósseis e do transporte rodoviário na inflação, no humor da
população e na política.
Estas lições da greve dos
caminhoneiros têm implicações (ou deveriam ter) nas estratégias de segurança de
curto e de longo prazo. No curto prazo, seria importante identificar e monitorar
todas estas “concentrações” e “dependências” que podem parar o país inteiro,
imobilizando apenas algumas categorias profissionais, instalações ou
equipamentos.
A pirâmide de Maslow é utilizada
na psicologia para sugerir que necessidades de nível mais baixo devem ser
satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto. Seria possível,
inspirado na hierarquia, construir uma pirâmide de necessidades sociais,
identificando setores e necessidades mais ou menos cruciais para o organismo
social, numa analogia ao organismo biológico?
O exemplo abaixo é apenas
ilustrativo e outros autores escolheriam talvez outros serviços ou hierarquias.
Trata-se apenas de uma ferramenta para ajudar a pensar o que não pode faltar,
pelo menos durante um prazo relativamente prolongado, para evitar o caos
social.
Esboço de Pirâmide de “necessidades
sociais”
A paralização de algumas
categorias profissionais – caminhoneiros, petroleiros, policiais - traz riscos
muito maiores do que outras. Uma greve de professores pode durar meses e uma de
sociólogos poderia durar anos sem grandes impactos para a sociedade. E qual seria
o impacto para o país da paralização da Usina de Itaipu? Ou dos portuários? Dos
controladores de voo?
Já vimos metade do país ficar às
escuras pela avaria de algumas torres de distribuição de energia elétrica. Uma
epidemia nos rebanhos ou doenças na soja podem afetar fortemente as
exportações. Somos, portanto, tanto mais expostos a riscos quanto mais certos
setores e recursos estão concentrados e quanto mais próximos da base da
pirâmide. É possível construir, por exemplo, uma matriz tripla que avalie
concentração, grau de necessidade social e probabilidade de ocorrência de
eventos potencialmente desestabilizadores.
Alguém já observou que o Plano
Piloto, onde ficam os três poderes, concentra quase toda a estrutura
governamental federal brasileira. Esta concentração é uma vantagem logística
para o funcionamento cotidiano da administração pública. Mas no caso de um
ataque externo ou convulsão popular, o foco em alguns quilômetros quadrados poderia
paralisar quase completamente o funcionamento do executivo, legislativo e
judiciário.
Em longo prazo, a diminuição de
riscos para a economia e para a segurança passaria pela desconcentração e
redução de dependências críticas, o que envolve planejamento, outro nome para
pensamento estratégico. Se hoje 60% do transporte de carga é feito através das
rodovias (CNT), é preciso investir em ferrovias, aerovias e hidrovias. Na
eventualidade de uma modalidade ser afetada, outra dá continuidade ao fluxo. Se
Itaipu é responsável por 20% do abastecimento de energia elétrica do país, que
por sua vez compõe 67,5% da nossa matriz energética, um evento catastrófico
prejudicaria boa parte do fornecimento de energia do país. Pela baixa qualidade
do petróleo produzido no Brasil, precisamos importar ainda 20% do petróleo leve
para as refinarias, o que nos torna dependentes dos preços internacionais. Tornar
o país autossuficiente de petróleo leve e diversificar a matriz energética são
formas de reduzir a exposição aos riscos de uma nova crise do petróleo, que
jogou o mundo numa forte recessão nos anos 70.
Se transporte urbano é
estratégico, precisamos diversificar a matriz investindo em ônibus, metro,
taxis, motoristas autônomos, bicicletas, veículos particulares e modais
integrando estes diversos meios de transporte. Nestes dias de greve em São
Paulo, vimos ruas vazias e ciclovias engarrafadas pela cidade, mostrando a
importância dos transportes alternativos como opção de mobilidade. Se polícia é
uma categoria profissional estratégica, em caso de greve é importante saber que
existem as guardas municipais, a Força Nacional de Segurança Pública, os
vigilantes privados, Forças Armadas com alguma expertise para atuar em
situações de crise e substituir aos grevistas. Em todas estas situações, a
estratégia maximizadora é diversificar as apostas.
O problema é que a estratégia de
diversificação tem custos: uma termoelétrica movida a carvão é mais cara que
uma hidroelétrica. Transporte aeroviário é mais caro do que rodoviário. Uma
política de diminuição da exposição ao risco precisaria levar em conta este
cálculo de custo benefício. Alternativas menos eficientes podem ser benéficas
em longo prazo se pensamos em redução da exposição aos riscos.
De todo modo, a lição do
caminhonaço de 2018 e dos movimentos sociais de 2013 provocado pelo aumento de
tarifas de ônibus é de que é importante para os setores de segurança pública
conhecer e monitorar estas “concentrações relevantes” e “necessidades sociais
básicas”. No final, sobra para a polícia, como sempre, conter manifestantes
indignados e caminhoneiros insatisfeitos. Num cenário onde se conjugam
insatisfação generalizada, governos e instituições impopulares, crise econômica
e uso generalizado das mídias sociais, é possível que estas situações sejam
cada vez mais frequentes.