A estimativa de custos financeiros
de uma política ou estratégia de segurança é apenas um dos muitos aspectos que
envolvem a avaliação de qualquer política pública. Trata-se de um aspecto
relevante e muitas vezes omitido nas avaliações de políticas públicas. Somente
com um levantamento de custos, todavia, podemos avaliar se os mesmos objetivos
não poderiam ser atingidos com custos menores, tanto para o poder público
quando para a sociedade. E mesmo que uma política seja “eficaz”, é possível que
existam outras políticas mais “eficientes”, quando avaliamos o desempenho
relativo de políticas alternativas.
Não é acidental, todavia, que o
levantamento dos custos seja frequentemente omitido das avaliações de políticas
públicas no Brasil, em especial na área de segurança. Mesmo quando há a
intenção de levantá-los, gestores e pesquisadores enfrentam grandes
dificuldades para encontrar as medidas adequadas ou para transformá-las numa
escala monetária comum. Este problema é tanto maior quando se trata de avaliar
uma atividade ilícita, como por exemplo, o tráfico de drogas. Qual o
faturamento da atividade? Quantas pessoas ele envolve? Quanto o Estado deixa de
arrecadar com a criminalização? Quantas pessoas deixam de visitar uma cidade
por causa da violência associada ao tráfico? Qual o impacto da violência da
guerra às drogas nas gerações futuras? Qual o impacto presente no rendimento do
trabalho e rendimento escolar das comunidades atingidas, como as favelas
cariocas? Quantas mortes de policiais, criminosos e moradores poderiam ser
evitadas?
Na maior parte das vezes contamos
apenas com estimativas mais ou menos precárias para estas incógnitas. Não obstante
as dificuldades, a literatura acadêmica especializada já identificou algumas
maneiras de estimar os custos da violência e das políticas públicas para
combatê-la numa sociedade.
Na esfera da segurança pública,
existem algumas iniciativas que procuraram mensurar os custos da violência. Os métodos utilizados nestas iniciativas podem
servir de inspiração para o problema da mensuração do custo da guerra às
drogas. Na tabela abaixo elencamos resumidamente alguns dos principais métodos
identificados para estimar custos da violência.
Tabela – principais métodos para estimar custos na
esfera da segurança
Método
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Observações
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Método contábil
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Trata-se da maneira mais direta de estimar
custos. A ideia básica é levantar os custos operacionais dos diversos órgãos
responsáveis pela implementação das políticas, utilizando, por exemplo, os
orçamentos anuais oficiais. Inclui-se aqui, por exemplo, os gastos com o
sistema de justiça criminal ou com o sistema de saúde, no tratamento das
vítimas da violência.
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Método da comparação do valor imobiliário
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Nesta metodologia, procuram-se informações sobre
valores do metro quadrado de imóveis comparáveis, em diferentes áreas da
cidade. Por exemplo, tomando como base um apartamento padrão, com dois
dormitórios e uma garagem, com aproximadamente 100 metros quadrados.
Seleciona-se um conjunto de áreas que sejam similares com relação a uma série
de variáveis e comparam-se áreas com guerra ao tráfico e sem guerra ao
tráfico. O suposto é que eventuais diferenças nos valores dos imóveis
devem-se à presença da guerra às drogas.
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Método da disposição marginal a pagar
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Trata-se de uma pesquisa de opinião com amostra
representativa da população. Pergunta-se ao entrevistado o quanto ele estaria
disposto a gastar ou pagar para viver num ambiente sem criminalidade. (Ou que
porcentagem da sua renda, para controlar pela renda do entrevistado).
Bastante subjetivo pois envolve a propensão ao risco de cada indivíduo. De
todo modo, o suposto é que nos bairros mais violentos estes gastos médios
seriam maiores do que nos bairros menos violentos e as diferenças indicariam
um custo da violência em cada bairro.
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Método dos juízes
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No método dos juízes, uma pequena “amostra” de
especialistas num tema é entrevistada para obter estimativas um pouco mais
precisas sobre aspectos de difícil mensuração. Bastante utilizada, por
exemplo, para estimar “pesos” de diversos fatores, quando o pesquisador não
tem como obter medidas objetivas para ponderação.
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Pesquisas de Vitimização
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Focadas no levantamento da incidência de alguns
tipos de crimes e das taxas de notificação, muitas pesquisas de vitimização
incluem questões sobre o valor dos bens subtraídos ou danificados e
estimativas sobre o valor necessário para repor os prejuízos.
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Pesquisas com prisioneiros condenados por tráfico
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Os presos por tráfico podem ser informantes
valiosos para estimar os efeitos da guerra às drogas, embora sejam de difícil
acesso. Nos países desenvolvidos, pesquisas levantam questões sobre acesso a
armas de fogo, cúmplices nos crimes, carreiras criminais, etc.
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Estas são em linhas gerais as
principais metodologias utilizadas para estimar os custos da violência e que
poderiam ser utilizadas para calcular o custo da guerra as drogas no Brasil,
que se supõe seja elevado. Para dar uma ideia, cerca de 25% dos presos no país
respondem por crimes ligados a entorpecentes.
Como ressaltava Weber, nenhuma
metodologia é melhor do que outra a priori e elas só podem ser julgadas do
ponto de vista de sua eficácia explicativa. Não é preciso optar por uma ou
outra metodologia, uma vez que mais de uma pode ser usada simultaneamente.
Qualquer que seja a(s)
metodologia(s) empregada(s), é preciso de início tomar algumas decisões sobre o
que incluir ou excluir destes custos. Isto envolve desde posturas filosóficas
diante do fenômeno até questões práticas sobre a existência e confiabilidade
dos indicadores existentes. A intenção é incluir apenas os custos tangíveis ou
também os intangíveis, que embora não contabilizáveis tem valor, mesmo que não
possa ser traduzido em moeda? Pretende-se calcular o custo apenas para esta
geração ou para as gerações futuras? Incluímos apenas o que estamos perdendo ou
também o que deixamos de ganhar? A legalização da maconha em alguns estados
norte-americanos criou um mercado legal em torno do cultivo e venda da maconha,
que é taxada pelo poder público. Pensando neste aspecto, devemos incluir nos
custos da guerra às drogas também o quanto se deixa de arrecadar em impostos?
Estamos diante, frequentemente,
de decisões extra científicas, quando se lista o que incluir ou excluir no
cômputo final dos custos da repressão às drogas. É preciso lembrar que cálculos
de custo-benefício de políticas públicas envolvem quase sempre, implicitamente,
a comparação com outras políticas alternativas. O risco de ser demasiado
conservador nos cálculos dos custos é o de dar suporte à continuidade ou a
adoção de políticas públicas equivocadas. No caso de políticas alternativas
para lidar com as drogas – digamos, esquematicamente, repressão ou prevenção –
os resultados podem depender do que incluímos ou excluímos como “custos” de
cada uma. Neste sentido, a escolha sobre o que incluir ou excluir dos custos
está longe de ser técnica.
Mesmo sem cálculos refinados,
sabemos por avaliações de custo feitas em outros países que existem políticas
alternativas – como a legalização, prevenção, tratamento – no caso de maconha
ou outras drogas menos danosas, cujos custos sociais e econômicos de
implementação são menores do que as políticas repressivas, do tipo “sobe-mata-desce”,
como alguém definiu as operações nas comunidades onde existe o tráfico.
Mas o que fazer com o crack,
heroína, LSD, mescalina, peyote e outras drogas mais deletérias? Mesmo supondo
que a prevenção, tratamento ou redução de danos sejam a melhor opção para o uso
de drogas leves, é possível abandonar de todo a política de guerra as drogas –
entendida basicamente como erradicação do plantio, laboratórios, precursores
químicos e repressão aos traficantes? Algumas
drogas mais pesadas sempre serão ilegais, o que criará mercados negros
rentáveis para serem explorados. A repressão a estes mercados e mercadores não
pode simplesmente ser abandonada pelo sistema de justiça criminal.
Podemos fazer um paralelo aqui
com as penas alternativas: são excelentes para crimes leves e criminosos
primários e pouco perigosos. Mas ela nunca substituirá a pena de prisão em
regime fechado, uma vez que penas alternativas não são aplicáveis a latrocidas,
chefes de organizações criminosas, sequestradores e diversos tipos de
criminosos violentos e reincidentes. Prisões
fechadas e guerra às drogas continuarão a existir indefinitivamente, independentemente
de seus custos. A questão é pensar em que casos se justificam a prevenção e a
repressão e que montante de recursos direcionar a cada estratégia, levando em
consideração tanto a inevitabilidade de continuar reprimindo o tráfico de
drogas pesadas quanto o custo elevado da repressão às drogas leves como a
maconha.
Trata-se de uma decisão política
e extra científica. Estudos sobre os custos implicados em cada política podem
subsidiar a sociedade para tomar as melhores decisões. No momento, como é comum
no Brasil, são as ideologias que orientam as decisões sobre as políticas de
drogas. E ideologias são más conselheiras, como estamos vendo nas políticas de
saúde com relação ao Covid.