O Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos da
FGV identificou a entrada do país numa recessão, a partir do segundo trimestre
de 2014. De lá para cá, já temos, portanto, 9 trimestres consecutivos, o que
caracteriza um longo período recessivo, se considerarmos que a duração média
das cinco recessões anteriores a partir de 1995 foi de 2,8 trimestres.
Temos apontado diversas vezes que os ciclos
econômicos afetam os ciclos criminais: nos trimestres classificados como “recessivos”
a taxa de crescimento criminal é maior do que nos trimestres de expansão. Indicadores
econômicos como índice de Confiança do Consumidor (Fecomércio), taxa de cheque
devolvido pela 2º vez por mil compensados (Serasa), taxa de desemprego e taxa
de variação do PIB, entre outros, estão correlacionados com indicadores criminais
e ajudam a explicar a evolução das séries históricas. [i]
Como os crimes tem evoluído durante esta
recessão prolongada? No gráfico abaixo vemos a evolução mensal do roubo de
veículos, comparada ao mesmo trimestre do ano anterior, em cinco Estados: DF,
MT, PR, RJ e SP.
Algumas observações interessantes sobre o
gráfico: como nas recessões anteriores, os crimes começam a crescer antes do
início “oficial” da crise, datada pelo Codace no 2º trim. de 2014. Vimos isto
acontecer nas recessões anteriores: os criminosos são um dos primeiros grupos a
perceber e sentir a crise, pois frequentemente oscilam entre o mundo do crime e
o setor informal da economia. Como já apontamos em outra ocasião, o aumento do
crime é quase um indicador antecedente da crise econômica, ajudando a
antecipá-la.
Assim, justamente em meados de 2014, quando a
economia entra oficialmente em recessão, as taxas criminais já estão
praticamente em seu auge e já começam mesmo a declinar, de modo que vemos uma
queda generalizada na taxa de evolução do roubo de veículo em 2015, quando
comparada ao período de crescimento de 2014. Finalmente, na metade de 2015, os
crimes chegam no seu ponto mais baixo e começam a inverter de sentido,
apontando novamente para cima em 2016.
As outras recessões duraram pouco enquanto a
atual perdura a 9 trimestres. Isto significa que houve tempo suficiente para
que a evolução criminal passasse mais de uma vez pelas diversas fases classificadas
por Shumpeter (1939) como boom, recessão, depressão e recuperação. O mesmo
fenômeno ocorreu no período anterior, quando tivemos 21 trimestres consecutivos
de expansão econômica: trata-se de um longo período, longo o suficiente para
que a criminalidade oscile ciclicamente diversas vezes! Do ponto de vista estatístico, isto enfraquece
a associação entre os ciclos econômicos e os ciclos criminais, quando
analisamos apenas a dicotomia expansão/retração da economia e comparamos as
taxas criminais nas duas situações: a associação agora é menos visível do que
quando a analisamos na crise econômica de 2009.
Como podemos afirmar que o crescimento criminal
atual é em parte consequência do contexto econômico, se vemos ciclos econômicos
e criminais aparentemente variando de modo não coincidente? Bem, além da
existência de toda uma literatura confirmando a associação entre os fenômenos
econômicos e criminais, outros indicadores mais “sensíveis” às flutuações de
curto prazo do que a classificação de ciclos do Codace – como a taxa de
variação dos cheques sem fundo da Serasa – corroboram a existência desta correlação
entre estado da economia e crime no Brasil.
No gráfico abaixo vemos (em azul) as variações
mensais alisadas de crimes patrimoniais (roubo e roubo de veículos) de SP, MG,
RJ e RS e em vermelho as séries mensais alisadas da variação dos cheques sem
fundo no Sudeste, como indicador de ciclo econômico. (r2 = 0.43)
A evidência mais convincente, ao meu ver, é a
coincidência dos ciclos criminais entre os Estados. O que faz com que os ciclos
criminais sejam tão parecidos em Estados tão diferentes? Alguma causa comum
explica o movimento e esta causa não pode ser local. Como não temos uma
política nacional de segurança pública (nenhuma ao menos digna deste nome) o cenário
econômico nacional ainda é a melhor explicação para a variação
comum nos crimes.
Os últimos governos não apenas foram omissos na
criação de qualquer política criminal nacional importante, como evidenciam os
60 mil homicídios anuais. Mergulharam o pais na recessão mais prolongada das
últimas décadas. Talvez os resultados das últimas eleições estejam refletindo
esta série de fracassos em diversas áreas, que tem vasos comunicantes e se
influenciam mutuamente.
[i] Exploring the Relationship Between Crime and Economic Performance
in Brazil after 1994 Using Time Series Econometric Techniques Tulio Kahn. http://www.naurocampos.net/pnbr/papers/Kahn_paper.pdf)