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quinta-feira, 8 de junho de 2017
A Síria é aqui
A Síria é aqui
O IPEA e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgaram dados de homicídios de 2015 no último Atlas da Violência 2017, cobrindo um período de 10 anos de estatísticas de mortalidade. A fonte é o Datasus do Ministério da Saúde e o relatório mostra basicamente a continuidade de tendências anteriores: homicídios vitimam mais os homens e os não brancos. Escolarização, como sugere o relatório, é fator protetivo contra a violência, que atinge principalmente os jovens de baixa escolaridade.
Do ponto de vista espacial as manchas se espalham pelas cidades menores do interior, Norte e Nordeste apresentam as maiores taxas e uma pequena quantidade de cidades é responsável por um grande número de mortes. Temporalmente observamos um crescimento nacional de 17% na década, depois de alguns anos de estabilidade após a aprovação do Estatuto do Desarmamento.
Não é de estranhar esta continuidade de tendências, já que pouco de concreto foi feito pelo poder público na década para atacar de frente o problema. E as mesmas ações (no caso inações) geram sempre os mesmos resultados. São quase 60 mil mortes anuais, 10% dos assassinatos no mundo e.…nada.
O relatório traz ainda uma lista de municípios que tiveram sucesso na redução dos homicídios no período e outros que fracassaram. Há alguma explicação plausível para estes resultados discrepantes? Os autores não exploram este tópico, de modo que gostaria de acrescentar alguns comentários ao relatório.
No gráfico abaixo mostramos na coluna da esquerda a variação percentual dos homicídios para um grupo selecionado de capitais e grandes cidades, entre 2005 e 2015. Do lado direito, mostramos a variação na proporção de mortes por arma de fogo para o mesmo período. Note-se que, com algumas exceções, os municípios que tiveram aumento nos homicídios tiveram também aumento na proporção de homicídios cometidos por armas de fogo. O inverso também é verdadeiro: com algumas exceções, onde há queda de homicídios há concomitantemente queda na proporção de uso de armas para praticar as mortes.
Mas o que mede afinal este indicador “proporção de homicídios cometidos por arma de fogo”?
Nossa hipótese é de que ele mede basicamente a quantidade de armas de fogo em circulação na cidade: quando existem poucas armas em circulação, a proporção de mortes cometidas por arma é pequena e quando existem muitas armas em circulação, aumenta, supostamente, esta proporção. É possível que ela reflita outras coisas: por exemplo, aumento da presença do crime organizado, mudanças “culturais” na forma de matar, mudança na natureza dos crimes, etc. Em termos técnicos, dizemos que ela tem problema de endogeneidade, ou seja, que pode estar relacionada ao fenômeno que queremos explicar, no caso a evolução dos homicídios nas cidades. Alguém poderia argumentar que tanto o aumento dos homicídios quanto na proporção de uso de armas se devem ao crescimento do crime organizado e que, portanto, a relação é espúria. Só que é justamente nas pequenas e médias cidades, onde é menor a presença do crime organizado, que os homicídios mais crescem, de modo que o argumento não se sustenta.
Existe toda uma discussão sobre como medir a quantidade de armas em circulação, uma vez que é muito difícil conseguir uma cifra exata: os arquivos oficiais são desatualizados, não levam em consideração as armas ilegais, as fora de uso, extraviadas, etc. Os pesquisadores procuram então medidas alternativas: número de armas apreendidas pelas polícias, número de armas perdidas, proporção de suicídios cometidos por arma de fogo, etc. Em geral todos estes indicadores estão correlacionados, o que reforça a interpretação de que conseguem capturar razoavelmente a quantidade de armas em circulação.
Aceita a premissa de que a proporção de uso de armas nos homicídios mede razoavelmente a quantidade de armas em circulação, o que se pode inferir sobre a relação entre a evolução de armas nos municípios e a evolução dos homicídios em geral, entre 2005 e 2015? Em primeiro lugar, para capturar esta relação, precisamos nos precaver quanto aos municípios muito pequenos, com poucos ou nenhum homicídio, e que terminam por perturbar a análise, pois produzem variações muito bruscas nas estatísticas.
No quadro abaixo mostramos 12 simulações: na primeira linha selecionamos apenas 8 municípios muito grandes (que tiveram mais de 700 homicídios em 2015). Para este pequeno grupo de cidades, há uma relação positiva e muito forte entre mais armas e mais homicídios (R2 = .91). Nas demais linhas, fomos progressivamente modificando o critério de tamanho da cidade e com isso aumentando o número de cidades na amostra.
Como podemos observar pela força do R2, conforme vamos incluindo mais cidades e cidades de menor porte na amostra, a força da correlação entre crescimento das armas e crescimento dos homicídios vai diminuindo linearmente. Isto pode ser consequência de artifício estatístico ou enfraquecimento da variável “arma de fogo” para explicar o crescimento dos homicídios nas cidades menores. Com efeito, existem inúmeras variáveis que afetam a criminalidade: fatores demográficos, taxa de encarceramento, tráfico de drogas, qualidade da atuação policial, etc. (quem quiser fazer suas próprias simulações, disponibilizo o link para acesso aos dados: https://public.tableau.com/profile/deolhonocrime#!/vizhome/relaoarmahd/boxplot)
Observe-se, contudo, que em todas as simulações, as correlações são estatisticamente significativas (última coluna, probabilidade de que a correlação seja não significativa), ainda que a quantidade de armas seja menos relevante para explicar a variação dos homicídios nas cidades menores. Em resumo, mesmo que existam outros fatores explicativos, a quantidade de armas em circulação é uma variável relevante.
Assim, uma das explicações para o aumento de 17% dos homicídios na década, apesar do Estatuto do Desarmamento de 2013, está no fracasso para impedir o aumento de armas em circulação em muitas cidades. O crescimento do tráfico e dos roubos faz aumentar a sensação de insegurança e com isso a demanda por armas. Neste contexto, onde não houve uma política específica de controle de armas e a preocupação com a implementação do Estatuto, a quantidade de armas simplesmente cresceu.
Estamos agora diante do pior dos mundos: o fracasso da política econômica gerou a maior recessão dos últimos tempos, o que tende a agravar os crimes patrimoniais, a sensação de insegurança e a demanda por armas. Como solução para o problema da segurança, o que propõe a bancada da bala no Congresso, eleita com recursos da indústria de armas? Quem adivinhar ganha um doce. E que não seja, espero, uma bala...
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