Segurança é uma das maiores
preocupações da população e é natural que muitos candidatos a prefeito e
vereador sejam oriundos das ocupações ligadas à segurança pública e privada. O
banco de dados do TSE traz costumeiramente a ocupação dos candidatos às
eleições, tornando possível isolar parcialmente os candidatos que atuam
profissionalmente no setor.
Contribuem para estas
candidaturas o fato de que as instituições policiais liberam com vencimentos e sem
prejuízos os profissionais que quiserem disputar as eleições e a influência
crescente dos militares e policiais em geral no governo Federal. O chamado
“bolsonarismo” das polícias pode estar estimulando ainda mais esta tendência de
crescimento do envolvimento na política, que já vem de anos anteriores. O apoio
de parcela significativa dos eleitores a agenda bolsonarista acaba por atrair
candidatos identificados com esta agenda, confiantes na viabilidade eleitoral
das candidaturas neste contexto em que o presidente reconquista popularidade.
Numa definição abrangente de
operadores da segurança, por ordem de grandeza, encontramos na lista de
candidatos a prefeitos e vereadores deste ano 4467 “vigilantes”, 3575 Policiais
Militares, 1735 “militares reformados”, 919 Policiais Civis, 344 Bombeiros
Militares, 182 integrantes das Forças Armadas e 38 “Detetives Particulares”.
Somadas estas categorias, teríamos 11460 ocupações relacionadas com
“segurança”, no sentido amplo do termo. Isto equivale a 2,09% do total de candidatos.
Se considerarmos apenas as polícias estaduais, para as quais existem
estimativas seguras, são 4838 candidatos, ou quase 1% dos cerca de 540 mil
policiais estaduais existentes no Brasil (IBGE, 2015).
Como este grupo de candidatos se
compara com os demais, quando analisamos seu perfil demográfico e partidário?
É digno de nota que os candidatos
ligados à segurança são bem mais “masculinos” do que a média. São homens 66,8%
dos candidatos em geral, mas a proporção sobe para 93,2% entre os candidatos da
segurança, ocupações tradicionalmente masculinas. A porcentagem de casados
também é bem maior: enquanto no total de candidatos 51,3% declarou-se casado, a
porcentagem sobe para 64,5% entre os oriundos das ocupações de segurança. Esse
dado sugere que a média de idade é também maior entre estes candidatos.
A média de escolaridade é maior
entre eles, como ilustra a tabela abaixo. A porcentagem com ensino médio
completo e superior completo é maior do que a média dos candidatos, enquanto a
porcentagem apenas com ensino fundamental é menor.
Embora não consigamos detalhar o
nível hierárquico dos candidatos nas instituições, pelo grau de escolaridade
declarado é possível especular que não são as carreiras superiores das
policiais as que mais se candidatam, uma vez que o curso na Academia de
Oficiais equivaleria ao curso superior completo, assim como o cargo de Delegado
de Polícia, exclusivo de bacharel em direito.
Pardos e Pretos estão
super-representados entre os candidatos da segurança. Os Brancos formam 47,7%
dos candidatos em geral, mas constituem apenas 40,7% da “bancada” da segurança.
Em parte este é um reflexo da grande presença de pretos e pardos nos escalões
inferiores e médios das forças de segurança e forças armadas, historicamente
percebidas como veículos de ascensão social para os negros.
Para além das diferenças
demográficas, é interessante observar as diferenças entre os Estados e Partidos
Políticos. A última coluna da tabela abaixo traz a diferença entre os
percentuais dos candidatos ligados à segurança e os demais. Assim, por exemplo,
o Rio de Janeiro tem 4,6% dos candidatos às eleições de 2020. Mas concentra
8,2% dos candidatos da segurança do Brasil. As ocupações de segurança estão
claramente super-representadas nas candidaturas do RJ. Entre outros fatores, esta discrepância pode
refletir a politização das forças de segurança no Estado. Mas existem outras
hipóteses, como facilidades institucionais, tradição ou necessidade das
instituições de obterem representação própria, em busca de defesa ou prerrogativas.
Minas Gerais e os estados
sulistas (PR, RS e SC) estão no outro extremo. Minas lançará 14,6% dos
candidatos em 2020 em todo o país. Mas apenas 10,8% dos que tem origem em
ocupações de segurança se lançarão por Minas. As hipóteses aqui tem o sinal
oposto.
O cruzamento por organização
partidária obedece ao mesmo formato, com a última coluna trazendo a diferença
entre as ocupações da segurança e as demais. As colunas, portanto, somam 100%. É
evidente a sobre representação das ocupações de segurança entre os partidos de
centro-direita. Estes dados trazem evidências do fenômeno chamado de
“bolsonarismo das polícias”, que sugere a existência de uma “afinidade eletiva”
entre ideais políticos conservadores, partidos de centro-direita e ocupações de
segurança pública e privada.
Nos partidos de esquerda e
centro-esquerda, por outro lado, os candidatos de ocupações de segurança estão
sub-representados. Mas note-se que muitos candidatos de segurança concorrerão
por siglas de esquerda como PT, PDT, PSB ou PC do B, mesmo estando sub-representados
neste espectro ideológico. Não obstante a preferência pelos partidos de centro
direita, mais novos e de bancada menor, existem candidatos de segurança
distribuídos por todas as agremiações partidárias, que vislumbraram a
viabilidade eleitoral destas candidaturas e dão abrigo a elas.
Nos partidos maiores, mais
antigos e tradicionais, os candidatos da segurança têm que concorrer
internamente com os “políticos tradicionais” em busca de vagas para suas
candidaturas. É provável que o acesso às
vagas seja facilitado aos policiais nos partidos menores e mais novos, que em
geral estão alinhados ideologicamente mais à direita. Este fenômenos da
representação política expressa da direita é relativamente recente, pois poucos
políticos tinham a ousadia de se apresentar como de “direita” nas eleições. Esta
concorrência interna por vagas maior ou menor pode assim explicar em parte as
distorções observadas entre os partidos, quando desagregamos as ocupações. A
política municipal é pouco ideologizada. Assim, não se trata apenas de
“bolsonarismo”, mas também do fato de que policiais encontram talvez mais
abertura nos partidos novos e menores, que são de direita e centro-direita.
E quais são as implicações desta
crescente representação dos operadores da segurança nas políticas públicas de
segurança? Trata-se como discutimos de uma tendência de crescimento já de anos
e os estudos que analisaram a atuação desta bancada não são necessariamente
animadores. (https://soudapaz.org/o-que-fazemos/mobilizar/sistema-de-justica-criminal-e-seguranca-publica/advocacy/seguranca-publica/?show=documentos#3123)
O tema segurança tende a ganhar
maior visibilidade e recursos. Por outro lado, a atuação destes representantes
nos legislativos mostra uma preocupação excessiva com a proteção das carreiras
e das instituições, com benefícios e sinecuras, com temas corporativos e com
uma legislação punitiva e restritiva de direitos.
Diferente do que se imagina
trabalhar com segurança no dia a dia do combate à criminalidade não torna
necessariamente os operadores mais capacitados para formular macro políticas de
segurança, assim como ser professor não torna alguém especialista em políticas
de educação ou ser médico em políticas de saúde. Outros tipos de habilidades
são necessários para transformar um praticante envolvido na profissão num bom
avaliador e propositor de políticas públicas. A condução dos profissionais de
segurança aos legislativos e executivos não só não trouxe os resultados
esperados para a melhoria da segurança. Apegados às suas instituições e
práticas obsoletas, eles são frequentemente um obstáculos às reformas profundas
e urgentes que a área precisa. Como em
todas as ocupações, é preciso separar o joio do trigo. E eleger os que se
preocupam mais com o cidadão do que com suas instituições.