Há no momento uma grande
discussão entre os especialistas sobre qual a taxa de mortalidade do Covid19.
Só nesta semana dois artigos na Lancet fornecem estimativas tão díspares quanto
1,38% e 15,4%. O que normalmente se publica nos órgãos de saúde em todo mundo e
na OMS é a taxa crua de mortalidade, que é dada pelo número de mortes no
período dividido pelo número de casos no mesmo período.
O cálculo da taxa real, contudo,
é bem mais complexo, pois é necessário fazer uma série de ajustes, levando em
conta estrutura etária da população, período de incubação do vírus (alguns
estudos usam no denominador o número de infectados 14 dias atrás), quantidade
de testagem realizadas, entre outros fatores. Já discutimos no artigo anterior
a precariedade das estimativas cruas e como a mortalidade no Brasil pode estar
superestimada em razão na diminuição do ritmo da testagem.
Se tomarmos a taxa crua de
letalidade, a média mundial hoje é de 4,91% mas ela é inflada por países como
Itália ou Iran, que jogam a média para cima. A mediana para hoje (1/4/2020),
tomando apenas os países com mais de 50 óbitos, é de 3,77%. A taxa tem crescido
no tempo e a explicação mais provável para isso é a diminuição do ritmo das
testagens em muitos países, que passaram a priorizar a testagem apenas nas
pessoas mais expostas ao riso. O fato é que há uma ampla variabilidade na
medida, que varia de 11,75% na Itália a 1,09% na Alemanha.
O gráfico de box-plot abaixo
ilustra esta variabilidade na taxa crua de mortalidade entre os países.
A situação no Brasil não é
diferente. A taxa crua de mortalidade é estimada em 3,51% (31 de março), ela é
crescente e há uma ampla variabilidade entre os Estados. Como mostra a tabela
abaixo, apenas com os Estados que tiveram pelo menos três mortes, a CFR vai de
22% no Piauí a 0,73% em Minas Gerais. Para os Estados analisados a média ontem
era de 4,07% mas faltaram os dados do RJ.
Vale aqui o
mesmo alerta: não é que a letalidade do vírus seja muito maior em um Estado do
que em outro ou que o vírus esteja se tornando mais letal com o tempo. É provável
que as diferenças se devam principalmente em razão das mudanças no denominador,
qual seja, o número de casos testados e diagnosticados como positivos naquele
lugar e período.
Para efeitos
de simulação para calcular a subnotificação, podemos assumir que a taxa de
mortalidade mais próxima do real do Covid19 seja de 1,38%, segundo a estimativa
mais recente e completa da Lancet. ( Estimates of the severity of coronavirus disease 2019: a model-based
analysis. Robert Verity, Lucy C Okell, Ilaria Dorigatti, Peter Winskill,
Charles Whittaker, Natsuko Imai, and others. The Lancet Infectious
Diseases, Published: March 30, 2020).
Se aceitarmos
como válida esta estimativa, podemos obter uma estimativa da subnotificação de
casos nos dados oficiais e obter um número mais fidedigno do número real de
casos. Para isso precisaríamos assumir que o número de mortes por Covid19 é
confiável, embora saibamos que é provável que também a quantidade de mortes
deva estar subnotificada. Mas a subnotificação das mortes deve ser menor do que
a subnotificação dos casos positivos.
Aceita esta
premissa, podemos estimar a taxa de subnotificação de casos para o Brasil. A
tabela abaixo traz o número de casos de notificação positiva acumulados dia a
dia, a partir da primeira morte oficial (16/3). A taxa de mortalidade “crua”
(número de mortes/número de casos) vai aumentando no período de 0,43% para
3,52%, como vimos. Mas se assumirmos como válida a estimativa de 1,38%, é possível
especular que a subnotificação de casos positivos aumentou no tempo – o que é
condizente com a hipótese da diminuição na testagem.
Fonte:
elaborado pelo autor, a partir dos dados do MS
Assim, se o
número atual de mortes é de 201 e a taxa de mortalidade 1,38%, então o número
de casos positivos não deve ser 5717
como apontam os dados oficiais, mas algo mais próximo de 14.565, o que dá uma
taxa de subnotificação ao redor de 2,55. É possível e recomendável fazer o
mesmo cálculo para cada Estado e cidade. Para o Estado de São Paulo a taxa de
subnotificação pode estar ao redor de 4, o que significa que ao invés de 2339
temos talvez algo próximo a 9.800 casos positivos.
Trata-se
apenas de um exercício a partir de algumas suposições razoáveis, mas é preciso
fazê-lo, pois uma série de estimativas, como número de leitos, ventiladores,
etc. depende de uma estimativa confiável do número real de casos positivos. Se o modelo estiver correto (mortalidade de
1,38% e subnotificação de 2,55) , o número de casos hoje deve ficar em torno de
247 e 299 amanhã. Pode ser um bom teste para validar os parâmetros. Um estudo
aleatório com testagem da população está sendo organizado pela Universidade de
Pelotas e deve trazer dados mais confiáveis em algumas semanas.
É muito difícil
prever a taxa de mortalidade real no meio de uma pandemia e é comum que
estimativas mais confiáveis apareçam apenas muito tempo depois. Mas o tempo da
academia é outro. Precisamos de uma boa aproximação da realidade agora, para
tomar medidas agora. Para diminuir a subnotificação seria preciso começar o
quanto antes a testagem em massa da população, seguida de tracking dos
positivos e seus contatos. Junto com o isolamento horizontal, parece ser um dos
motivos de sucesso dos países que estão controlando a pandemia. Que o artigo
estimule outros pesquisadores a fazerem outras e melhores estimativas, pois não
podemos esperar até que todos os dados sejam conhecidos.
Vale a