Os municípios gastam 25% do que
arrecadam com impostos com educação infantil e ensino fundamental, segundo as
regras da Constituição de 1988. Apesar dos investimentos expressivos, existem
aproximadamente 174 mil crianças fora da escola no município de São Paulo, o
que equivale a 8% da população de 4 a 17 anos. O percentual aumenta com a
diminuição da renda média familiar e aumenta com a idade: na faixa de 15 a 17
anos, são 14,6% dos jovens fora da escola. Além da renda familiar baixa – que explica
em parte a necessidade do trabalho infantil - morar na zona rural, gravides na adolescência,
violência escolar e baixa escolaridade dos pais estão entre os principais
fatores explicativos do abandono escolar. (Iniciativa Global pelas Crianças
Fora da Escola, UNICEF, 2012)
Outros fatores, segundo pesquisa
do economista Marcelo Neri (Motivos da Evasão Escolar, FGV, 2009), são escolas
vistas como “desinteressantes”, dificuldade de acesso à escola, repetência, dificuldades
de locomoção e falta de documentação, entre outros fatores.
Trata-se, portanto, de um
fenômeno multicausal que precisa ser abordado por diferentes políticas públicas:
programas de transferência de renda, reforço escolar, oferta de educação integral,
de prevenção da gravides e do bulling, de esclarecimento dos pais, de
transporte escolar, inscrição por zoneamento, terapias com alunos, devem ser combinados para
reduzir o problema da evasão e o abandono.
Diversos estudos sugerem que evasão
escolar e baixa escolaridade estão altamente correlacionadas com propensão à
criminalidade. Ela diminui a empregabilidade, a renda futura, as barreiras
culturais e sociais que funcionam como fatores protetivos ao crime. As
estatísticas dos censos penitenciários e o perfil dos jovens cumprindo medidas
sócio educativas mostram invariavelmente que a maioria dos envolvidos tem baixo
nível de escolaridade e que uma escolaridade mais elevada é um elemento de
proteção contra problemas futuros com o sistema de justiça criminal. (Rolim,
Marcos. A Formação de Jovens Violentos - Estudo sobre a Etiologia da Violência
Extrema, editora Appris). Ressalte-se que a escolarização reduz também o risco
de vitimização violenta, uma vez que o perfil das vítimas de homicídio também é
desproporcional com relação à renda e educação, atingindo em especial pessoas
de baixa renda e escolaridade.
Segundo o sociólogo Marcos Rolim,
a prevenção da criminalidade deve levar em conta a redução da evasão escolar,
aspecto que costuma ser negligenciado no Brasil quando o assunto é segurança
pública. Considerados os índices de evasão escolar, o cenário no Brasil seria,
de fato, favorável à violência extrema. Em 2013, uma pesquisa do Pnud (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento) mostrou que um a cada quatro alunos que inicia o
ensino fundamental no país abandona a escola antes de completar a última série.
O Brasil figurava no estudo com a terceira maior taxa de abandono escolar entre
os 100 países de maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), atrás apenas da
Bósnia e Herzegovina e do arquipélago de São Cristóvão e Névis.
Estudo de 2016 desenvolvido por
Daniel Cerqueira, do IPEA, estimou que para cada 1% a mais de jovens entre 15 e
17 anos nas escolas, há uma diminuição de 2% na taxa de assassinatos nos
municípios. Essa foi a principal conclusão da Nota Técnica Indicadores
Multidimensionais de Educação e Homicídios nos Territórios Focalizados pelo
Pacto Nacional pela Redução de Homicídios, escrito pelo economista.
Neste sentido, o problema da evasão
escolar é de interesse fundamental para as secretarias estaduais e municipais
de segurança, que podem atuar preventivamente para diminuir a evasão e com isso
reduzir o problema da criminalidade nos anos futuros.
Um dos instrumentos para isso é a
fiscalização da frequência escolar. A Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente
(Ficai) foi desenvolvida em 1997 pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul
por meio de um Termo de Compromisso de Ajustamento estabelecido entre a
Coordenadoria das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, as
secretarias Estadual e Municipal de Educação e os Conselhos Tutelares gaúchos.
A Ficai é usada para monitorar a
frequência dos alunos da rede pública de ensino. Quando um estudante abandona a
escola ou falta constantemente, o Conselho Escolar, com o apoio das
instituições parceiras, entra em contato com os pais ou responsáveis para
trazer o aluno de volta. Após um determinado número de dias consecutivos ou
alternados de faltas em um mesmo mês, tem início a busca pelo estudante. Além
de visitas domiciliares, são realizadas reuniões, palestras e outras atividades
com os alunos, pais ou responsáveis que não atenderem ao chamado de frequência
à escola.
Vários Estados adotaram o monitoramento,
que adicionalmente permite identificar casos de abuso sexual e violência
doméstica. As escolas públicas municipais e estaduais de São Paulo podem adotar
um sistema similar, hoje factível em formato digital, comunicando as Secretarias
de Educação sobre os alunos faltosos. Um primeiro contato com a família pode
ser feito no âmbito da escola ou da Secretaria de Educação, através de contato
por telefone ou e-mail.
Na impossibilidade de contato, a
Guarda Municipal ou Polícia Militar será acionada e uma viatura se deslocará
para a residência da família, deixando no endereço uma notificação para o
comparecimento imediato do aluno à escola. Policiais devidamente treinados
alertariam para as consequências sociais e jurídicas da evasão. Os pais podem
ser responsabilizados caso o aluno não compareça à escola. A obrigação de
atendimento de 4 a 17 anos foi determinada por meio da Emenda Constitucional nº
59 em 2009 e, depois, reforçada pelo PNE (Plano Nacional de Educação) e por uma
alteração de 2013 na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O
descumprimento dos deveres do poder familiar, previsto no ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente), pode gerar pena de multa enquanto o crime de
abandono intelectual está no Código Penal e prevê pena de detenção.
Além da identificação de casos
através das secretarias de educação, é possível implementar o programa Busca
Ativa, como apoio da comunidade, para identificar outros casos de quem já
abandonou a escola a mais tempo. O programa Busca Ativa Escolar foi desenvolvido
pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e é uma plataforma
gratuita para ajudar os municípios a combater a evasão escolar. A intenção é
apoiar os governos na identificação, registro, controle e acompanhamento de
crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão, através
de políticas públicas que contribuam para a inclusão escolar.
As pessoas que conhecem alguma
criança ou adolescente fora da escola podem informar nas escolas, nos postos de
saúde, nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e no Centro de
Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), na Guarda Civil
Municipal, nos Conselhos Tutelares e na Vara da Infância, da Juventude e do
Idoso. O Programa foi desenvolvido em parceria com a União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Colegiado Nacional de Gestores
Municipais de Assistência Social (Congemas) e o Conselho Nacional de
Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS).
Na esfera da transferência de
renda, Rolim cita como boa prática de prevenção terciária o POD (Programa de Oportunidades e Direitos) RS
Socioeducativo, criado em 2009 no Rio Grande do Sul, e que atende jovens infratores de 12 a 21 anos
que deixam o sistema de internação. No POD, cada jovem passa a receber, por um
ano, uma bolsa de meio salário mínimo (R$ 468,50), vale-transporte e
alimentação, desde que frequente cursos de formação em áreas como informática,
mecânica e manutenção predial. Segundo o sociólogo, a cada dez jovens atendidos
pelo programa, apenas três reincidem no crime. Outro bom exemplo é o programa
Cada Jovem Conta, desenvolvido pela prefeitura de Canoas, que identifica nas
escolas públicas jovens com comportamentos de risco e oferece uma série de
tratamentos para os jovens e familiares.
Existem diversos programas
preventivos desenvolvidos com o apoio dos órgãos de segurança para reduzir a
evasão escolar, apontado como um dos principais fatores explicativos dos
elevados índices de criminalidade. O problema pode ser prevenido de inúmeras
maneiras e as guardas municipais e polícias estaduais podem colaborar na
prevenção da evasão. Segurança Pública, afinal, é muito mais do que correr atrás
de criminosos. Melhor correr agora atrás de alunos relapsos do que correr atrás
de assaltantes de bancos daqui a vinte anos. O assaltante de hoje, é preciso
lembrar, passou em algum momento pelos nossos bancos escolares e o poder
público falhou ao permitir que largasse os estudos.