Diversas cidades do mundo
enfrentam o problema da concentração de usuários de drogas em locais que
aglutinam uma mistura de usuários com diferentes graus de dependência,
moradores de ruas, traficantes, catadores de papel, dependentes de álcool e
pessoas com deficiências mentais variadas. Trata-se de uma população heterogênea
e cada situação envolve uma política específica.
Algumas como Zurique e Frankfurt tiveram
sucesso na redução do problema, adotando estratégias variadas como intervenções
urbanas, limpeza, oferta de trabalho e moradia, atendimento social e tratamento
psiquiátrico, prevenção, policiamento, políticas de redução de danos e em casos
mais graves a internação involuntária ou compulsória.
Em São Paulo, a transformação da
área conhecida como cracolândia em tópico de preocupação pública começa em
meados dos anos 90 e de lá para cá tem por diversas vezes chamado à atenção da
sociedade e das autoridades. Para dar uma ideia da discussão, o gráfico abaixo
traz o número de artigos que apareceram apenas nos jornais O Estado de S. Paulo
e Folha de S. Paulo contendo o termo “cracolândia”, de 1995, quando aparece pela
primeira vez, até junho de 2017. São 3333 menções, o que dá uma dimensão do
interesse pelo assunto, que atingiu o pico em 2012 durante a Operação Centro
Legal.
Em São Paulo, tanto as gestões municipais
passadas ( CAPS, SAID, “braços abertos”) quanto a atual (“redenção”) formularam
ou vinham formulando políticas abrangentes baseadas nas boas práticas internacionais,
em colaboração com o Ministério Público, OAB, entidades assistenciais e
profissionais de saúde.
O cronograma de implementação,
porém, foi atropelado pelos fatos em maio último. O crescimento acelerado de frequentadores
da cracolândia no último ano, o sequestro, tortura e assassinato de um
funcionário de uma clínica particular e as imagens nos telejornais de traficantes
do PCC portando armas e vendendo drogas à luz do dia, impuseram uma ação de natureza
policial e emergencial por parte do governo estadual. Todas as outras políticas
assistências tem como pressuposto a retirada dos traficantes da área e mesmo as
gestões anteriores alternavam ações de caráter preventivo para os usuários com
ações de repressão ao tráfico.
Não obstante alguma imperícia e
excesso na condução da ação, a polícia tinha alvos específicos, fruto de meses
de investigação e identificação dos criminosos que atuavam na região. Foram
detidos na operação 130 suspeitos, infiltrados numa população estimada de 1800
dependentes. A ação policial implica em consequências indesejadas, como a
dispersão dos usuários por outras áreas da cidade e a quebra de vínculos e
confiança com o poder público e profissionais de assistência social e saúde. Independente
das avaliações sobre a condução da ação, não é admissível a presença de
traficantes portando armas e vendendo drogas ostensivamente no centro da cidade,
explorando a prostituição, sequestrando e matando. Esta depuração inicial, ainda
que destrambelhada, é uma pré-condição para as outras políticas de reintegração
de longo prazo.
O intuito deste artigo, contudo,
não e o de discutir a ação policial na cracolândia em maio, que custou a
demissão da secretária municipal de direitos humanos, mas antes os resultados
de pesquisas de opinião que vem abordando a percepção da população sobre temas
relacionados às drogas e seus usuários. A população não tem como opinar com
conhecimento de causa sobre as políticas públicas para o setor, que é matéria
para especialistas. Mas é importante saber como ela avalia estas políticas,
pois os gestores públicos frequentemente levam estas opiniões em consideração
para justificar suas ações.
O Ibope tem feito regularmente
levantamentos sobre o tema e a tabela abaixo traz os resultados de algumas
questões selecionadas de uma pesquisa nacional com 2002 entrevistados em
dezembro de 2016. Os resultados estão desagregados por faixas de renda e
sugerem que as visões do problema apresentam nuanças dependendo da categoria.
Antes de aprofundarmos estas
diferenças, parece existir um amplo consenso sobre duas questões: o governo
deve ofertar trabalho, abrigo e assistências diversas aos usuários (76%) e a
pedido da família ou da justiça, a população apoia a internação involuntária do
usuário (68%). Embora não tão expressivo, existe um razoável apoio à afirmação
de que o governo deve priorizar o tratamento dos dependentes, mais do que o
combate ao tráfico (46%).
Observe-se que nestas três questões,
o apoio é maior entre a população de renda mais baixa. A última coluna mostra a
diferença percentual de opiniões entre a renda mais alta e a mais baixa (a margem
de erro da pesquisa é de 2%). Uma explicação provável é que a população de
baixa renda depende mais do auxílio do poder público, no caso de ter familiar
ou pessoa próxima na condição de dependente químico. O perfil dos
frequentadores das áreas de consumo confirma a predominância de jovens de
famílias de baixa renda, já que as famílias mais abastadas contam com outras
opções de tratamento.
As duas outras questões são menos
consensuais. 39% concordam que o uso de drogas é uma questão de saúde pública,
mais que policial e apenas 22% concorda totalmente que a legalização da venda
da maconha reduzirá a criminalidade. As diferenças entre as categorias de renda
estão dentro da margem de erro, mas não deixa de ser curiosa a inversão do
sinal, com os mais abastados ligeiramente mais favoráveis a esta posturas.
A pesquisa mostra que existe
espaço tanto para políticas preventivas soft – assistências, tratamentos –
quanto hard – internação involuntária, que não se confunde com a compulsória,
que só pode ser autorizada judicialmente. Que não se trata apenas de uma
questão policial e que novos caminhos devem ser buscados para lidar com o
problema. A repressão isoladamente não funcionou, embora necessária para
afastar o tráfico. Iniciada nos anos 90, a epidemia do crack se alastra. Estima-se
que o Brasil tenha 1 milhão de usuários de crack, o que o torna no segundo
maior consumidor do mundo, em números absolutos.
Nosso problema de miséria é muito
mais grave que o de Zurique ou Frankfurt e é provável que tenhamos mais
dificuldades para lidar com o problema, que em boa parte se deve a ela. Mas a
abordagem integrada, de longo prazo, com participação estadual e federal, particularizada
para os diferentes públicos que frequentam o “fluxo”, colocada em prática
nestas cidades, sugere que é possível atenuar o problema. Ou ao menos evitar
seu agravamento.