Fiquei bastante entusiasmado quando vi pelos jornais que o
Ministério da Justiça estava divulgando dados atualizados de criminalidade no
Brasil, relativos ao primeiro bimestre de 2019 – embora não tenham produzido
grandes análises sobre as tendências. Houve queda em todos os indicadores em
2019 e a ilação é que isto se deveria a nova administração. Acompanhando os dados da série histórica de homicídios e outros crimes, contudo, é possível verificar que o processo de queda se inicia por volta do segundo semestre de 2017. Há diferenças entre as fontes, como veremos, mas ambas são congruentes do ponto de vista das tendências. O gráfico abaixo traz a variação mensal, com relação ao mesmo período do ano anterior.
A divulgação, em todo caso, foi bastante oportuna e acho que
não era feita desde que deixei o MJ em 2002, quando lançamos o primeiro boletim
de análise criminal, em cima de dados do que na época chamávamos SINEP (e que o
PT mudou para Sinesp e afirma que criou, mas esta é outra história).
Fui conferir rapidamente alguns dados para alimentar meu
sistema pessoal. A checagem foi rápida, limitada as ocorrências de homicídios
dolosos, dos meses de janeiro e fevereiro de 2019. Comparei os dados
disponibilizados pelo Sinesp com os dados divulgados nos sites das Secretarias
estaduais de
Segurança.
Não continuei a comparação para outros crimes por
falta de tempo, mas a amostra já foi suficiente para alertar que é preciso algum cuidado ao utilizar e analisar os dados divulgados pelo MJ, já
comemorando a queda dos índices de criminalidade no país. Os dados de outubro de 2018 do RJ simplesmente desapareceram no Sinesp. Os dados de março, abril e mail de 2017 no Acre estão provavelmente equivocadados e desconfio bastante dos dados de janeiro de 2019 de Goias.
Talvez algum jornal ou instituto de pesquisa consiga fazer um levantamento mais completo.
A tabela abaixo resume algumas das diferenças encontradas entre as fontes:
Talvez algum jornal ou instituto de pesquisa consiga fazer um levantamento mais completo.
A tabela abaixo resume algumas das diferenças encontradas entre as fontes:
Homicídio doloso Sinesp | Homicídio Doloso SSPs | |||||||
UF | Jan | Fev | 1º bim | Jan | Fev | 1º bim | dif | |
Alagoas | 94 | 94 | 188 | 98 | 91 | 189 | 0,53 | |
Distrito Federal | 29 | 29 | 58 | 31 | 29 | 60 | 3,45 | |
Espírito Santo | 104 | 94 | 198 | 103 | 94 | 197 | - 0,51 | |
Minas Gerais | 260 | 197 | 457 | 260 | 198 | 458 | 0,22 | |
Rio Grande do Sul | 194 | 134 | 328 | 203 | 139 | 342 | 4,27 | |
São Paulo | 270 | 212 | 482 | 270 | 212 | 482 | - | |
É bastante provável que a responsabilidade pelas diferenças
caiba às SSPs estaduais, que preenchem por obrigação o sistema Sinesp com um
dado e depois divulgam outro, já revisto, no site. Mas isto não diminui a
responsabilidade do Ministério da Justiça pela checagem, correção e
responsabilização do Estado pelo erro.
Divulgar qualquer dado, sem crítica exaustiva, é ruim para a
credibilidade do Sinesp. Dá minha parte, vou continuar compilando os dados dos
sites das SSPs estaduais. Estes dados são monitorados pelas comunidades e mídias
locais, que fiscalizam e pressionam os governos Estaduais sobre o desempenho do
crime. E onde há fiscalização, os dados parecem ser mais corretos.
Há um período de aprendizagem natural em qualquer novo
processo. Esperemos que o MJ mantenha a iniciativa da disponibilização dos
dados (até por conta da Lei do Sinesp). Mas que tome as devidas providências
para que seja um instrumento confiável para a sociedade, mais do que
instrumento de propaganda para o governo.
Nota: na primeira versão do artigo mostrava as divergencias de números no Paraná e do Rio de Janeiro. A Senasp me alertou, contudo, que a discrepância se devia a diferenças de critérios: os sites das duas SSPs utilizam número de vítimas enquanto o Sinesp nûmero de ocorrências. Agradeço pela correção.