Estagflação e criminalidade
Já mencionamos diversas vezes em
outros artigos que a criminalidade patrimonial no Brasil responde cedo ou tarde
aos ciclos econômicos: os criminosos frequentemente alternam entre o mercado de
trabalho formal, informal e o mundo do crime, num processo decisório que leva
em conta a cada momento o cenário macro. Quase sempre eles são os primeiros a
sentir a crise e o desemprego, uma vez que ocupam lugares precários no mundo do
trabalho e no Brasil as garantias trabalhistas – como seguro desemprego – são
poucas e aplicáveis apenas aos que tem carteira assinada.
No gráfico abaixo vemos na linha
horizontal a variação trimestral do roubo de veículos em São Paulo, com relação
ao mesmo trimestre do ano anterior e nas linhas verticais o início dos ciclos
de retração econômica, conforme datação sugerida pelo CODACE da FGV. Observe-se
como o roubo de veículos acelera durantes os ciclos recessivos iniciados nos
quartos trimestres de 1997 e 2002, primeiro trimestre de 2001 e principalmente
terceiro de 2008, última retração econômica do país.
É curioso observar, portanto, que
o roubo de veículo em São Paulo continue em queda neste início de 2015, apesar
da desaceleração do PIB iniciada em 2014: já estamos no terceiro trimestre
consecutivo de queda do PIB, de modo que podemos falar de uma tendência, ainda
que o CODACE não tenha rotulado oficialmente esta fase como “recessão” mas os
crimes patrimoniais continuam caindo no Rio e em São Paulo.
Em parte esta queda se explica
pelo elevado patamar de roubo de veículos observado em 2014: como falamos de
uma variação com relação ao período anterior, falamos de um número relativo,
que é tanto maior quanto mais elevado o patamar anterior. Em outras palavras,
cai muito agora porque subiu muito antes.
Mas trata-se de uma exceção, como
mostram as séries históricas trimestrais de variação do PIB e variação
criminal, de 1996 a 2015. Nos dois próximos gráficos constatamos a regra: PIB
em baixa = crime em alta (gráfico de dispersão), associação que se mantem mesmo
quando fazemos a correlação cruzada das séries diferenciadas em t-1. Neste
último vemos que no Lag 0, ou seja, efeitos no próprio trimestre, a correlação
é de .58 e negativa. Novamente, quando o
Pib cai o crime cresce e versa e vice.
Max Weber dizia que os sociólogos
já têm bastante com o que se ocupar tratando do presente e que o futuro deveria
ser deixado aos astrólogos. Mas os sociólogos tirados a criminometristas ousam
desafiar a recomendação do mestre alemão, com base em suas equações e observação
do passado...Quando deixamos as séries trimestrais e olhamos para as mensais no
gráfico abaixo é possível ver a primeira desaceleração mais significativa na
queda do roubo de veículos, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Ainda
em queda, mas numa velocidade menor, comparando julho de 2015 com julho de
2014.
É cedo para falarmos em
tendência. A etiqueta estatística e o bom senso recomendam que se tenham dois
ou três pontos consecutivos numa mesma direção para que se possa vaticinar com segurança.
Mas sou capaz de apostar uma boa garrafa de vinho como a partir de agosto ou
setembro veremos a confirmação desta inversão de tendência na queda dos crimes
patrimoniais em São Paulo e Rio de Janeiro. É o que as quatro recessões
anteriores sugerem. É um padrão. E não há porque ser diferente desta vez. Alguém
aceita o desafio?