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sexta-feira, 17 de janeiro de 2020
Resultados da pesquisa O que Pensam os Especialistas, edição 2019
Caros colegas, conforme prometido aos participantes da pesquisa O que Pensam os Especialistas, seguem os resultados preliminares da última edição: Segunda edição da pesquisa O que Pensam os Especialistas. Nesta edição de 2019, acrescentamos 17 questões ao formulário, que foi respondido por 61 especialistas. Os resultados foram bastante parecidos aos obtidos em 2017. Assim, optamos por contrastar as respostas dos especialistas oriúndos das forças policiais com as respostas dos especialistas oriundos das universidades. Existem diferenças relevantes entre eles, dependendo do tópico. Testes de Qui-quadrado foram utilizados para verificar as diferenças estatisticamente significantes.
link para o arquivo no researchgate:
https://www.researchgate.net/publication/338655662_Pesquisa_O_que_Pensam_os_Especialistas_2019
quinta-feira, 16 de janeiro de 2020
Física Social – o renascimento de um conceito antigo na criminologia
Na última edição da prestigiosa
revista Nature há um artigo assinado por policiais federais brasileiros
mostrando como desbarataram uma rede de pornografia na deep web utilizando
recursos da física e da matemática. Pelo que se depreende da matéria nos
jornais, a investigação utilizou em particular a análise de redes, que é um ramo
da física e da matemática conhecido por topologia, inaugurado segundo a lenda
por Euler, ao propor o conhecido problema das pontes de Konisberg.
A análise de rede permite
visualizar relacionamentos complexos usando gráficos de símbolos conectando nós
(agentes) e arestas (interações) e calcular medidas precisas de tamanho, forma
e densidade destas redes como um todo, bem como a posição de cada elemento
dentro dela. Além dos gráficos e sociogramas, existem diversos indicadores
numéricos para analisar as redes e os indivíduos dentro dela.
São várias métricas para identificar
a posição que um indivíduo ocupa dentro de uma rede. Entre as principais estão
as medidas de “centralidade”, que descrevem como um nó em particular
(agente) está posicionado com relação à rede.
Alguns agentes podem ser mais centrais porque servem de ponte com outras
partes da rede ou porque estão conectadas com pessoas mais influentes. Além da
posição dos membros dentro de uma rede, existem métricas para avaliar dimensões
agregadas da rede como um todo. Densidade, por exemplo, é uma medida agregada
de rede usada para descrever o nível de interconexão dos agentes. É a contagem
do número de relacionamentos observados na rede, dividido pelo total de
possíveis relacionamentos. A medida procura capturar de forma quantitativa a
ideia sociológica de coesão entre um grupo.
Esta técnica de análise é
bastante utilizada pelas policiais para identificar transações entre contas
bancárias, ligações telefônicas entre centenas de números, lideranças dentro do
crime organizado e agora, mais intensamente, redes formadas nas mídias sociais
e na internet para cometer ilegalidades.
É interessante notar que o termo
física social utilizado nesta investigação foi retomado nos últimos anos, para
descrever a análise do comportamento humano usando big data e a matemática.
Analisando, como fizeram nossos policiais, milhares de interações nas redes
sociais entre criadores e consumidores de pornografia infantil. Mas a ideia de
física social é bem anterior e era bem mais ampla do que o conceito atual.
Esta tentativa de aproximar as ciências
humanas da física não vem de hoje. Com efeito, Auguste Comte chamava primeiramente
a sociologia de física social, na medida em que os fenômenos sociais podiam ser
tratados como “coisas” e estavam sujeitos a leis. Tratava-se de dar uma capa de
cientificidade ao novo ramo de estudos e para isso nada melhor do que pegar
emprestado os termos das ciências naturais. Inspirado em Saint-Simon, Comte usou
o termo “física social” em 1822 no ensaio onde expôs o programa positivista,
definindo-a como “a ciência que se ocupa com o estudo dos fenômenos sociais
considerados à mesma luz dos elementos astronômicos, físicos, químicos e
fisiológicos, ou seja, como estando sujeitos a leis naturais e invariáveis,
cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas.”
A criminologia, que é um ramo da
sociologia, desde cedo incorporou a linguagem das matemáticas e das ciências,
até mesmo por conta de sua proximidade com as ciências forenses, onde a química,
biologia, física e matemática foram percebidas desde cedo como ferramentas essenciais
no caso da investigação de crimes individuais. Mas a criminologia raramente trata
de casos individuais e dedica-se antes ao estudo do crime como fenômeno
coletivo, de massa. Há uma diferença entre a criminalística forense e a
criminologia.
Como estudo de fenômenos sociais
de massa, a estatística desde cedo foi utilizada na criminologia - começando com
Quetelet, para a análise dos fenômenos criminais. Em seu Recherches sur le
Penchant au Crime aux Différents Âges (Pesquisa sobre a Propensão de Cometer
Crimes em Diferentes Idades), foi um dos pioneiros no uso da estatística para
entender o comportamento criminal, mostrando como fatores como o clima, sexo e
idade ajudam a entender os padrões criminais. Foi estudando a influência do
clima que Quetelet cunhou o conceito de “leis térmicas da criminalidade”,
novamente numa alusão às ciências naturais.
O uso da estatística, matemática
e física é hoje corriqueiro na criminologia. Há inclusive uma conhecida série
norte americana chamada NUMB3RS em que o personagem principal é um professor de
matemática que ajuda seu irmão policial do FBI a solucionar crimes. Todos os capítulos
foram elaborados com base em técnicas e casos realmente existentes. No episódio
piloto, Dan e Charles querem encontrar um criminoso serial e para isso colocam
num mapa os endereços de onde os ataques foram cometidos. Olhando para um sprinkler
(um regador de plantas automático) através da janela, Dan tem uma epifania: não
é possível determinar onde os pingos disparados pelo sprinkler giratório vão
cair pois existem centenas de variáveis em jogo. Mas, se olharmos onde os
pingos caíram, podemos prever com grande grau de acerto qual é a origem dos
pingos – ou o centroide dos ataques.
A técnica consiste em construir
uma superfície de probabilidade, a partir do local dos crimes atribuídos ao
mesmo autor. A ideia é que o criminoso não comete crimes em frente de casa, mas
também não se desloca a centenas de quilômetros para cometer um crime. Seu
padrão de deslocamentos pode ser determinado e a distância da origem calculada usando
a conhecida fórmula newtoniana do inverso do quadrado da distância! Mais
especificamente, usamos uma curva chamada exponencial negativa truncada. Utilizamos
esta técnica muitos anos atrás na SSP-SP para prender um estuprador serial
chamado Ferrugem, que atuava na Vila Mariana. O case bem-sucedido virou
uma matéria divertida na Superinteressante cujo título era como Sir Isaac
Newton ajudou a prender Ferrugem.
Álgebra e geometria são também
bastante comuns em outras técnicas espaciais de investigação criminológica. Para
identificar padrões em mapas, uma rotina elementar é construir uma matriz de
contiguidade ou de distância (que áreas são vizinhas ou próximas) e depois
multiplicar esta matriz pela matriz do atributo de interesse, como taxas
criminais, renda, pobreza, etc. O resultado desta multiplicação de matrizes é
colorido no mapa, mostrando o quanto o fenômeno é concentrado ou disperso
espacialmente. O conceito de hot spot, utilizado diariamente pelas polícias,
nada mais é também do que uma construção matemática, um algoritmo de
agrupamento que colore num mapa de calor as áreas de maior densidade criminal,
durante certo período de tempo.
É da área de geoestatística
criminal, aliás, que veio a conhecida “lei da concentração espacial dos crimes”,
concebida por Weisburd e colegas. Assim como uma pequena porcentagem dos criminosos
é responsável por uma quantidade desproporcional de crimes, uma porcentagem
pequena de ruas e quadras são responsáveis por quantidades desproporcionais de
crimes. Trata-se de um fenômeno universal, uma vez que nem todos os espaços da
cidade são igualmente atrativos para os criminosos. Ou seja, a distribuição de
crimes no espaço nunca será homogênea. São leis no sentido probabilístico, mas a
próprio física concebe há muitos anos suas “leis” como de natureza
probabilística, principalmente após o nascimento da física quântica e a
formulação do Princípio da Incerteza.
Em suma, seria possível escrever
páginas e páginas sobre os usos atuais da matemática e da física na análise
criminológica atual. Da mecânica tomamos de empréstimo a fórmula da gravidade para analisar
o comportamento dos criminosos no espaço, da termodinâmica a influência do
clima e da temperatura nos padrões criminais, do movimento ondulatório pegamos
ferramentas e conceitos para analisar os ciclos criminais em sua frequência,
amplitude e periodicidade, da topologia o estudo das redes, etc. Usamos frequentemente
por analogia termos como “inércia”, “indução”, “entropia” ou “contágio” para
descrever os fenômenos sociais. Mais importante, herdamos o uso da matemática como
ferramenta de análise, a uso de dados empíricos, o conceito de experimento e várias
outras práticas que fizeram da criminologia um ramo das ciências.
Parabéns aos policiais federais
brasileiros, que deram uma lição mostrando que crime se combate com leis. Mas desta
vez, leis da física e não apenas com aquelas contidas nos códigos penais.
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