O tal coeficiente RO - número
básico de reprodução - é um indicador importante para ajudar a decidir quando
se deve iniciar a flexibilização do isolamento social. Como publicado em
diversos meios, se RO > 1 a epidemia está em expansão, RO = 1 em equilíbrio e
R0 < 1 em diminuição.
Há diversas formas de calculá-lo,
mas a mais adotada é a versão SIR de 1927, publicado em "Uma contribuição
para a teoria matemática das epidemias". O problema é que para calcular RO
é preciso conhecer as variações na quantidade de (S)uscetíveis, (I)nfectados e
(R)etirados, ou seja, os que morreram ou ficaram imunes. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Modelo_epid%C3%AAmico).
No caso da COVID19 ainda não se
sabe ao certo se os imunes voltam posteriormente para a categoria dos
Suscetíveis, o que implicaria que um modelo SIRS seria mais correto. Como no
COVID todos são em tese Suscetíveis, este parâmetro é relativamente fácil de
encontrar. O problema é que não sabemos ao certo a quantidade de Infectados,
pois até agora o Brasil não conseguiu fazer uma pesquisa amostral sorológica
para estimar este parâmetro.
A estimativa de (R)ecuperados também
é temerária pois como sabemos as mortes por COVID estão subestimadas (20% ?) , baseando-se no crescimento das SRAGs.
Além disso, a maioria dos infectados e
que já se recuperaram não foi sequer identificada, uma vez que a doença é
assintomática em parte dos casos (18% ?) e fraca na maioria dos casos (80%). De
modo que tenho muita curiosidade em saber em que dados estão baseados os
cálculos de RO que circulam por ai, numa velocidade mais rápida do que a
epidemia.... O pior é que alguns governos querem se basear nestes cálculos para
definir o melhor momento da flexibilização do isolamento.
Diante destas deficiências empíricas-
que não são apenas do Brasil e desta epidemia- os pesquisadores procuram
versões mais simples para o cálculo para RO. Uma delas é a divisão entre o
coeficiente (exponencial) da curva de mortes, do início ao pico, pelo coeficiente
(exponencial) da curva de mortes, do "pico" em diante. O problema
desta versão é que ela serve apenas a posteriori, quando sabemos onde ocorreu o
pico. Mas precisamos de algo para nos guiar durante a epidemia. (Cálculo de
tasa de reproductividad (R0) simplificando modelo SIR aplicado a epidemia de
gripe A (H1N1) de 2009 en Brasil. Kelser de Souza Kock,¹ Estevan Grosch
Tavares,² Jefferson Luiz Traebert,¹ Rosemeri Maurici²)
Em última instância o que o modelo
SIR quer saber é se a velocidade de expansão da epidemia está involuindo e a
partir de que momento passa a ser negativa. Na falta de dados confiáveis, uma
equipe de engenheiros da Catalunha tem utilizado um modelo muito simples, mas
engenhoso, “baseando-se apenas no número de casos novos conhecidos de um dia,
dividido pelo número de casos novos conhecidos de cinco dias atrás.” https://www.ccma.cat/324/esta-baixant-la-velocitat-de-propagacio-del-coronavirus/noticia/3001295/
A título de curiosidade apliquei
este cálculo simples aos dados brasileiros de novas mortes. Ele sugere que a
taxa de reprodução básica começa elevada em março (cerca de 7) e vai caindo
progressivamente, até uma média de 1,2, considerando os últimos 3 dias. É mais
uma evidência de que a estratégia do isolamento social está conseguindo “achatar
a curva”.
Para dar uma ideia do que
significam estes valores, o estudo do Imperial College que construiu os
cenários de mortes da COVID para todo o mundo utilizou como parâmetro RO = 3 e
a outros estudos estimam que no início da epidemia RO = 2,6.
É preciso tomar cuidado com este
cálculo, pois como vimos está longe de ser tão completo quanto o SIR
tradicional. E os dados brasileiros oscilam demasiado dia após dia, pois até
hoje os governos não conseguiram manter um fluxo regular de testagem e contagem
das mortes. Tanto é assim que nos dias em que as mortes ficam represadas, RO
chega a ser < do que 1. Uma média móvel, nestas oscilações, é sempre mais
informativa.
O novo ministro da saúde tem razão
neste ponto. Nossos dados e conhecimentos sobre a epidemia são precários. A
conclusão que eu tiro é diferente: na dúvida, melhor estender o isolamento
social o máximo possível, até que melhores informações estejam disponíveis.