Em 9 de julho comemoramos mais uma vez o aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932. O início do movimento deveria coincidir com a data da independência Americana, 4 de julho, mas como sempre no Brasil, houve um pequeno atraso na organização.
O MIS organizou uma exposição
sobre o tema e desenterrou um documentário que ajudei a produzir nos anos 90,
como responsável pela pesquisa histórica e argumento – uma série de
documentários sobre a história do Brasil começando pela Revolução de 30 e que
infelizmente foi interrompida na “Intentona Comunista” de 1935, uma vez que
documentários históricos não são exatamente o gênero preferido da população. https://www.youtube.com/watch?v=U2aFvcDVc1k&t=56s
Em linhas muitos gerais o
episódio resumido é o seguinte. Em 30 Getúlio Vargas toma o poder, prometendo a
realização de novas eleições presidenciais e a convocação de uma Assembleia
Nacional Constituinte em seguida. A eleição prometida, contudo, não vem, o que
gera descontentamento na elite política, principalmente em São Paulo, que
alternadamente com Minas Gerais, ocupava a presidência na República Velha.
Todo fenômeno histórico é
multifacetado e passível de diversas leituras. Além da insatisfação com a
postergação das eleições e o alijamento dos paulista do governo federal, podemos
agregar a insatisfação com o interventor “forasteiro” escolhido pelo governo
central para o Estado, o bombardeamento de São Paulo por tropas federais em
1924, alguma dose de regionalismo (a
velha tese de que SP é a locomotiva que arrasta 26 vagões como peso morto),
reflexos da crise econômica de 1929 e demandas de parte da elite liberal por
uma nova Constituição – o que explica porque em São Paulo o episódio ficou
conhecido como a Revolução Constitucionalista enquanto o governo federal vendia
a ideia de que se tratava de uma movimento separatista.
Não é o caso de aprofundar as
causas e consequências da Revolução, que como é sabido foi derrotada
militarmente, mas que forçou a promulgação da nova constituição em 1934.
Gostaria de ressaltar alguns aspectos sociológicos do evento para efeitos de
comparação com a conjuntura atual. Em 32, elite e povo se uniram num grande
movimento que mobilizou toda a sociedade paulista, algo que talvez só tenha
ocorrido novamente no movimento pelas Diretas Já, mas em escala regional:
imprensa, fazendeiros, industriais, estudantes, trabalhadores, donas de casa –
participaram dos esforços de guerra no front e na retaguarda, neste confronto
que matou mais de 2200 brasileiros, quase cinco vezes o número de soldados
brasileiros mortos na Segunda Guerra (a estimativa oficial é de 937 mortos em
32). Durante os 3 meses de combate, os estudantes da faculdade de direito aglutinaram-se
em batalhões, as famílias doavam ouro para o bem de São Paulo, as moças
alistavam-se como enfermeiras, trilhos de bonde foram arrancados das ruas para
a produção de armas, poetas compunham odes ao movimento, que se valeu também
das modernas técnicas de comunicação para a mobilização popular, como o rádio e
posteres publicitários.
Razões históricas e conjunturais
explicam em parte porquê a demanda por eleições democráticas e uma nova
constituição encontraram eco principalmente em São Paulo. Mas existem razões
“estruturais” que explicam o motivo de quase todos os movimentos democráticos e
antiautoritários nascerem ou contarem com a adesão generalizada no Estado. O
argumento aqui foi bastante e melhor desenvolvido no estudo sobre “Capitalismo
e Liberdade” de Friedman: a defesa da liberdade política e da liberdade
econômica estão entrelaçadas e ambas as bandeiras tem melhores condições de se
desenvolver em sociedades de mercado relativamente complexas. Recorrendo a
Gramsci por equidade, os intelectuais orgânicos da burguesia – jornalistas,
advogados, poetas – fornecem apenas o discurso ideológico que tem um substrato
econômico e social mais profundo.
É nas sociedades de mercado
complexos que surge uma burguesia relativamente independente do Estado, com
autonomia para lutar por seus próprios interesses. Um movimento sindical e
estudantil ativos, uma imprensa autônoma que não depende umbilicalmente dos
recursos públicos. É onde existe um mercado de trabalho na agricultura,
indústria e comércio muitas vezes superior em tamanho ao mercado dos empregos
públicos. É ali que passa a existir uma relativa independência do orçamento
público, dos impostos, das sinecuras, do protecionismo, das amizades com o
governo de plantão. A vida econômica não começa e termina com o Estado, mas se
desenvolve de maneira relativamente autônoma. As ideias circulam nas
universidades, jornais, livros pois há uma classe média desenvolvida, que já
forma um “povo” e não apenas uma “multidão”.
Não é só o tamanho da população
mas principalmente as características da economia e da sociedade paulistas que explicam porque os ideais
democráticos de 32 encontram campo fértil para crescer em São Paulo. E a razão
pela qual os intelectuais, as entidades e instituições paulistas são sempre as
primeiras a aderir às causas democráticas e libertárias: é que sem liberdade
política não existe liberdade econômica. Sem direito ao voto, a propriedade
privada é ameaçada. Sem eleições, o mercado não funciona de modo eficiente. Sem
capitalismo não há liberdade, mas sem liberdade tampouco há capitalismo.
É de São Paulo, principalmente,
que vem agora novamente o alerta do “perigo contra a normalidade democrática”,
como expresso no recente manifesto supra partidário pró-democracia gestado na
Faculdade de Direito da USP, repetindo a Carta aos Brasileiros de 1977. Não
somos mais idealistas do que os demais brasileiros nem defensores mais
ardorosos da democracia. Temos apenas uma economia de mercado mais complexa e uma
sociedade mais independente do governo central– o que nos dá, como em 32, o
dever moral de servir como um anteparo aos eventuais abusos do Estado.
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