Elites predatórias aumentam o risco de populismo
Recentemente a empresa de
pesquisas IPSOS Opinion divulgou a versão 2024 do seu IPSOS Populism Survey,
realizada com 20.630 adultos de 28 países. Segundo a definição da pesquisa,
populismo é uma estratégia política empregada por um empreendedor político e
que depende tanto do apoio popular a ações antissistema quanto de oportunidades
estruturais, como uma forte crise econômica ou mudanças demográficas. https://www.ipsos.com/en/populism-remains-strong
Para mensurar esta predisposição
da população em apoiar o populismo, a empresa criou um Índice que denominou de
“o sistema está quebrado” (“System is broken” index). O Índice é composto pela
porcentagem média de concordância com cinco questões: “a economia do país é
manipulada para favorecer os ricos e poderosos”, “partidos tradicionais e
políticos não se importam com pessoas como eu”, “para concertar o país, nós precisamos
de um líder forte, disposto a quebrar as regras”, “o país precisa de um líder
forte para tomar o país de volta dos ricos e poderosos” e, finalmente, “os
especialistas neste país não entendem a vida de pessoas como eu”.
Na tabela abaixo trazemos as
rodadas do Índice entre 2016 e 2023 e calculamos a média por país. Entre os
principais achados está o de que o sentimento antissistema é elevado em muitos
países, assim como a suspeita com relação às elites, sentimentos que podem
favorecer as estratégias populistas nas eleições futuras. O cenário é piorado
com a sensação majoritária (58%) de que o país está em declínio e a sociedade
quebrada (57%).
É possível que tanto o sentimento
antissistema quanto a suspeita com relação às elites e o pessimismo com relação
ao futuro do país tenham uma relação com o desempenho das elites nacionais.
Para testar esta conjectura, a última coluna da tabela traz o Índice da
Qualidade das Elites de 2022, criado pela Universidade de Saint Gallen e para o
qual contribui na edição de 2021, analisando a conjuntura brasileira.
O Índice de Qualidade das Elites
é composto por 120 indicadores ponderados e uma elite de elevada qualidade é
entendida, muito simplificadamente, como aquela que gera para a sociedade mais
valor do que ela toma, enquanto uma elite de baixa qualidade extrai valor da
sociedade. O EQx, neste sentido, é um índice
mede a “habilidade do modelo de
negócios criado pela elite nacional, no agregado, para criar valor, mais do que
extrair valor de uma economia”. (Casas & Cozzi, 2022)
Índice IPSOS System is Broken e
Índice de Qualidade das Elites (EQX)
Countries |
2023 |
2022 |
2021 |
2019 |
2016 |
avg IPSOS |
EQx |
India |
0,73 |
0,73 |
45,4 |
||||
Thailand |
0,76 |
0,69 |
0,73 |
56,6 |
|||
Peru |
0,7 |
0,63 |
0,71 |
0,68 |
0,7 |
0,68 |
48,9 |
South Africa |
0,73 |
0,65 |
0,71 |
0,67 |
0,58 |
0,67 |
45,1 |
Colombia |
0,63 |
0,6 |
0,74 |
0,66 |
47,1 |
||
Mexico |
0,62 |
0,6 |
0,64 |
0,7 |
0,71 |
0,65 |
48,8 |
France |
0,63 |
0,56 |
0,61 |
0,71 |
0,74 |
0,65 |
58,2 |
Brazil |
0,67 |
0,57 |
0,72 |
0,66 |
0,62 |
0,65 |
46,8 |
South Korea |
0,66 |
0,56 |
0,71 |
0,64 |
0,66 |
0,65 |
60,2 |
Hungary |
0,66 |
0,61 |
0,65 |
0,64 |
0,66 |
0,64 |
55,2 |
Türkiye |
0,65 |
0,69 |
0,64 |
0,63 |
0,61 |
0,64 |
48 |
Chile |
0,59 |
0,56 |
0,71 |
0,64 |
0,63 |
54,2 |
|
Italy |
0,57 |
0,54 |
0,68 |
0,64 |
0,69 |
0,62 |
54,2 |
Argentina |
0,64 |
0,58 |
0,63 |
0,67 |
0,59 |
0,62 |
45,9 |
Great Britain |
0,64 |
0,63 |
0,57 |
0,66 |
0,6 |
0,62 |
63,4 |
United States |
0,6 |
0,59 |
0,65 |
0,6 |
0,62 |
0,61 |
61,8 |
Malaysia |
0,62 |
0,59 |
0,67 |
0,56 |
0,61 |
56,2 |
|
Belgium |
0,56 |
0,6 |
0,6 |
0,64 |
0,63 |
0,61 |
58,5 |
Indonesia |
0,62 |
0,59 |
0,61 |
51,4 |
|||
Australia |
0,6 |
0,57 |
0,61 |
0,62 |
0,62 |
0,60 |
65,2 |
Poland |
0,52 |
0,57 |
0,63 |
0,64 |
0,63 |
0,60 |
56,9 |
Spain |
0,55 |
0,53 |
0,59 |
0,64 |
0,67 |
0,60 |
56 |
Canada |
0,58 |
0,51 |
0,54 |
0,59 |
0,56 |
0,56 |
63,7 |
Japan |
0,59 |
0,56 |
0,61 |
0,52 |
0,45 |
0,55 |
61,2 |
Singapore |
0,52 |
0,52 |
68,7 |
||||
Netherlands |
0,48 |
0,48 |
0,48 |
0,48 |
64,4 |
||
Germany |
0,48 |
0,44 |
0,47 |
0,49 |
0,44 |
0,46 |
62,7 |
Sweden |
0,49 |
0,39 |
0,42 |
0,45 |
0,35 |
0,42 |
64 |
Fontes: IPSOS Populism Survey e
Elite Quality Report 2022
Ao contrário do índice da IPSOS,
valores altos no EQx representam países com elites de alta qualidade e vice-versa. Assim, é esperado que o sinal da
correlação entre os dois índices seja negativo. O EQx é calculado para 151
países, mas infelizmente a pesquisa da IPSOS só permite a comparação com 28
deles. Singapura, Suíça, Austrália e Israel encabeçam o EQx de 2022, enquanto o
Brasil ocupa apenas a 81º posição entre os 151 países.
Como temos apenas 28 casos, não é
possível extrair conclusões seguras. De todo modo, o gráfico de dispersão
mostra uma correlação negativa e linear entre ambos os índices, sugerindo que,
quanto melhor a qualidade da elite de um país, menor o sentimento antissistema
e a propensão ao populismo e vice-versa. Suécia, Alemanha e Países Baixos são
exemplos de países com elites de alta qualidade e baixa propensão ao populismo,
enquanto Índia, Tailândia e África do Sul são exemplos do oposto. O Brasil faz
parte deste último grupo, classificando-se como país onde a elite é de
qualidade intermediária e o sentimento de que o sistema está fraturado é elevado.
A relação não é perfeita e países
como a Tailândia, França e Coreia do Sul se saem relativamente bem no
desempenho das elites, embora a sensação antissistema seja elevada. O inverso
parece ocorrer na Indonésia, onde a sensação de que a sociedade está quebrada
não é particularmente elevada, não obstante o fraco desempenho da elite
nacional. Particularidades históricas e sociais podem talvez explicar estas
discrepâncias, que merecem ser mais bem investigadas.
No geral, todavia, a correlação
entre os indicadores parece clara. O coeficiente R de Pearson de correlação
entre os índices é de -0.67, negativo como previsto e razoavelmente elevado.
Vendo de outro modo, nos 14 países com piores classificações no índice da
IPSOS, a qualidade média da elite gira em torno de 51 enquanto nos 14 países
melhor classificados, o EQX sobe para cerca de 61.
Para o aprimoramento da pesquisa
da Ipsos fica a sugestão de olhar, para além das percepções populares e das
oportunidades, observar também o desempenho objetivamente mensurado das elites
nacionais como variável relevante para entender o populismo como um de seus
intervenientes.
É possível que estas dimensões
também se correlacionem a outras não investigadas, como a criminalidade. Elites
“extrativas” como as do Brasil, África do Sul, Colômbia e México produzem
sociedades desiguais, que contribuem para elevada criminalidade e por sua vez
para o sentimento contra o ”establishment”
e discursos populistas no campo penal, como apoio à pena de morte,
armamento, redução da maioridade penal, proibição das “saidinhas”, letalidade
policial, etc. Trata-se de uma hipótese de pesquisa interessante de ser testada
empiricamente (embora exista um populismo político de esquerda que não comunga
com o populismo penal).
O mau desempenho das elites
nacionais em criar um modelo econômico onde a riqueza cresce (e é distribuída)
, assim, parece contribuir para o acirramento do sentimento antissistema nas
sociedades e de suspeição com relação às elites nacionais e deste modo aumentar
o risco de que lideranças políticas populistas sejam bem sucedidas. Se a
correlação entre os fenômenos for verdadeira, sugere-se que a superação da
alternância entre líderes populistas de direita e esquerda no Brasil pode ser
obtida com a melhoria da qualidade das elites nacionais. O problema é como
induzir esta melhoria num país onde a elite empresarial, cultural e o alto
funcionalismo parecem muito bem acomodados vivendo à custa da galinha de ovos
de ouro.
Referências:
Casas i Klett, T. & Cozzi, G.
(2022). Elite Quality Report
2022: Country Scores and Global Rankings.
Zurich: Seismo. doi: 10.33058/ seismo.30769.0001
Anexo: