terça-feira, 18 de junho de 2019

É preciso aperfeiçoar o sistema nacional de estatística criminal



Fiquei bastante entusiasmado quando vi pelos jornais que o Ministério da Justiça estava divulgando dados atualizados de criminalidade no Brasil, relativos ao primeiro bimestre de 2019 – embora não tenham produzido grandes análises sobre as tendências. Houve queda em todos os indicadores em 2019 e a ilação é que isto se deveria a nova administração. Acompanhando os dados da série histórica de homicídios e outros crimes, contudo, é possível verificar que o processo de queda se inicia por volta do segundo semestre de 2017. Há diferenças entre as fontes, como veremos, mas ambas são congruentes do ponto de vista das tendências. O gráfico abaixo traz a variação mensal, com relação ao mesmo período do ano anterior.



A divulgação, em todo caso, foi bastante oportuna e acho que não era feita desde que deixei o MJ em 2002, quando lançamos o primeiro boletim de análise criminal, em cima de dados do que na época chamávamos SINEP (e que o PT mudou para Sinesp e afirma que criou, mas esta é outra história).

Fui conferir rapidamente alguns dados para alimentar meu sistema pessoal. A checagem foi rápida, limitada as ocorrências de homicídios dolosos, dos meses de janeiro e fevereiro de 2019. Comparei os dados disponibilizados pelo Sinesp com os dados divulgados nos sites das Secretarias estaduais de 
Segurança.

Não continuei a comparação para outros crimes por falta de tempo, mas a amostra já foi suficiente para alertar que é preciso algum cuidado ao utilizar e analisar os dados divulgados pelo MJ, já comemorando a queda dos índices de criminalidade no país. Os dados de outubro de 2018 do RJ simplesmente desapareceram no Sinesp. Os dados de março, abril e mail de 2017 no Acre estão provavelmente equivocadados e desconfio bastante dos dados de janeiro de 2019 de Goias.
Talvez algum jornal ou instituto de pesquisa consiga fazer um levantamento mais completo.

A tabela abaixo resume algumas das diferenças encontradas entre as fontes:


Homicídio doloso Sinesp Homicídio Doloso SSPs
UF Jan Fev 1º bim Jan Fev 1º bim dif
Alagoas 94 94 188 98 91 189           0,53
Distrito Federal 29 29 58 31 29 60           3,45
Espírito Santo 104 94 198 103 94 197 -        0,51
Minas Gerais 260 197 457 260 198 458           0,22


Rio Grande do Sul 194 134 328 203 139 342           4,27
São Paulo 270 212 482 270 212 482                -  


É bastante provável que a responsabilidade pelas diferenças caiba às SSPs estaduais, que preenchem por obrigação o sistema Sinesp com um dado e depois divulgam outro, já revisto, no site. Mas isto não diminui a responsabilidade do Ministério da Justiça pela checagem, correção e responsabilização do Estado pelo erro.

Divulgar qualquer dado, sem crítica exaustiva, é ruim para a credibilidade do Sinesp. Dá minha parte, vou continuar compilando os dados dos sites das SSPs estaduais. Estes dados são monitorados pelas comunidades e mídias locais, que fiscalizam e pressionam os governos Estaduais sobre o desempenho do crime. E onde há fiscalização, os dados parecem ser mais corretos.

Há um período de aprendizagem natural em qualquer novo processo. Esperemos que o MJ mantenha a iniciativa da disponibilização dos dados (até por conta da Lei do Sinesp). Mas que tome as devidas providências para que seja um instrumento confiável para a sociedade, mais do que instrumento de propaganda para o governo.

Nota: na primeira versão do artigo mostrava as divergencias de números no Paraná e do Rio de Janeiro. A Senasp me alertou, contudo, que a discrepância se devia a diferenças de critérios: os sites das duas SSPs utilizam número de vítimas enquanto o Sinesp nûmero de ocorrências. Agradeço pela correção.

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