quarta-feira, 20 de abril de 2011

Por que os homicídios caem no Sudeste e crescem no Nordeste e Sul ?

Os homicídios dolosos no Estado de São Paulo estão caindo de forma acelerada desde 2000 e em particular desde 2003, após o Estatuto do Desarmamento. Vemos também a partir de 2003 quedas significativas de homicídios no Rio de Janeiro e em parte das cidades mineiras. No Norte do país e no Centro-Oeste, ainda que os números absolutos sejam pequenos e os dados nem sempre de boa qualidade, vemos também alguma pequena redução ou ao menos estabilidade na última década. Por outro lado, chama–nos a atenção o crescimento generalizado e acentuado dos homicídios no Nordeste, com exceção de Pernambuco e no Sul.

O que intriga aos analistas é que, se o Estatuto do Desarmamento foi um dos maiores responsáveis pela redução dos homicídios no Sudeste – e há fortes evidências disso – e se a lei é de âmbito nacional, porque não observamos os mesmos efeitos no Nordeste ou no Sul ? As explicações de tipo “cultural” – em alguns lugares a lei “pega” e em outros não – são claramente insuficientes pois a geografia das tendências de queda e crescimento dos homicídios não se adéqua ‘a representação que normalmente fazemos sobre o grau de respeito a Lei nos Estados. Queda no Rio de Janeiro e aumento no Rio Grande do Sul ? Hum....parece ter pouco vínculo com cultura cívica É possível pensar contrafactualmente e argumentar que os crescimentos seriam ainda maiores sem a existência do Estatuto.

Todavia, uma análise de tendência mostra claramente que o NE não continuou simplesmente uma trajetória anterior, mas teve crescimento acima de qualquer projeção linear. Estamos falando em alguns Estados de aumentos superior a 100% na década, ou que chamaríamos na análise de série temporal de uma “quebra de nível”. Alguma coisa a mais aconteceu por lá (bem como no Sul), em contraste com o Sudeste. O que teria sido ? Uma explicação mais plausível é a que invoca a questão da implementação da lei, já que não basta sua existência no papel. Existe alguma evidência qualitativa que corrobora esta hipótese: São Paulo, que começou o endurecimento com relação ‘as armas ilegais antes do Estatuto e adotou uma política explícita de apreensão de armas teve quedas maiores do que qualquer outro Estado. Estados que adotaram políticas de segurança explicitas de redução dos homicídios, como Minas Gerais e Pernambuco, também tiveram desempenho superior aos demais. (Não inclui o RJ e UPPs aqui, pois a queda dos homicídios no RJ é anterior as UPPs e ocorre igualmente em outras áreas sem Upps, como qualquer analista criminal já sabe). Novamente aqui, faltam dados sobre o grau de implementação de políticas públicas com relação aos homicídios e armas em especial, para podermos testar o peso do fator implementação no desempenho dos Estados.

O fator demográfico pode ter jogado algum papel nesta história e não por acaso os Estados do Sudeste tiveram, em geral, um crescimento demográfico mais equilibrado do que os demais, pegando os dados do censo 2000 e 2010. Mas de modo geral, a correlação entre crescimento demográfico na década e crescimento dos homicídios, ao nível de municípios, é fraca e não significante e existem diversas exceções: cidades com pouco crescimento demográfico e elevado crescimento dos homicídios (em especial no Sul) e também o inverso. Assim, um crescimento demográfico equilibrado pode ser condição necessária mas não suficiente para garantir a queda dos homicídios. Já que estamos aqui lançando hipóteses exploratórias, gostaria de introduzir a questão do crescimento da renda e de seus efeitos diretos e indiretos. Um dos fenômenos sócio-econômicos que mais chama a atenção é o rápido crescimento da renda no Nordeste, seja pelo aparecimento de novos pólos de desenvolvimento, seja em função dos gastos sociais. Tomando como indicador resumo deste processo a posse de TV a cores nas famílias, vemos que a posse de TV em cores no Sudeste, que já era generalizada, cresceu apenas 10,7% no período 2001 a 2009. No Rio e São Paulo este crescimento beirou os 4%.. No Nordeste em compensação, onde os patamares de posse eram baixos em 2001, o crescimento médio foi de 36,7% no mesmo período.

A hipótese é que o desenvolvimento econômico rápido e acelerado do Nordeste implicou num aumento da renda e da posse de bens, que por sua vez fez crescer os crimes contra o patrimônio que, como se sabe, são crimes de oportunidade e fortemente associados a renda. No Sudeste, por outro lado, houve ou redução ou estabilidade dos crimes contra o patrimônio entre 1999 e 2009, se tomarmos como medida o roubo e o roubo de veículos. Assim, enquanto no Nordeste, (e no Sul) premidos pelo aumento dos crimes contra o patrimônio, a população não se desarmou – pois as armas são vistas como proteção contra o crime, no Sudeste, onde a pressão foi menor, as armas deixaram de circular. Isto basicamente ajuda a entender porque o Estatuto do Desarmamento teve efeitos significativos em algumas Regiões e quase nenhum em outras, apesar da Lei ter abrangência nacional. O contexto da implementação foi radicalmente diferente e o “custo” de andar armado aumentou no Sudeste mas no Nordeste parece ter sido ainda compensador, em função do crescimento dos roubos. Com menos armas em circulação os homicídios caem no Sudeste e com mais armas (ainda resta ser comprovado) os homicídios aumentam no Nordeste. Esquematicamente, teríamos o seguinte processo:

Imagens: NE - cresc rapido da renda - aumento do crime patrimonial - aumento das armas - aumento dos homicídios SE - cres. estavel da renda - estabilidade do crime patrominial - diminuição das armas em circulação - diminuição dos homicídios

As etapas deste processo precisam ser testadas pois, ainda que ele faça sentido do ponto de vista lógico, faltam todavia dados para testá-lo em todas as suas etapas. Estamos falando aqui de fenômenos regionais e influência macro-econômicas e sociais, caminho analítico bem mais produtivo para explicar a dinâmica nacional dos homicídios, aparentemente, do que recorrer a explicações, como as lidas nos jornais, sobre gangues, drogas, grupos organizados, etc. Explicações que falharam retumbantemente para explicar “o caso paulista” e falharão também, quero crer, para explicar a dinâmica nacional. Quem viver verá.

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