quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O que distingue os estados com aumento e queda nos homicídios?


Nacionalmente, os homicídios cresceram cerca de 25% de 2005 para cá. Se tomarmos os dados da saúde, cuja fonte é o Datasus, passamos de 47 para 59 mil mortes anuais e se optarmos pelos dados do Ministério da Justiça, cuja fonte é o Sinesp, a conta macabra vai de 40 para 51 mil assassinatos.
As tendências são congruentes nas duas fontes e é apenas por questões metodológicas que os dados sejam diferentes em termos absolutos: a área da segurança distingue as mortes em diferentes categorias jurídicas – homicídios dolosos, latrocínios, mortes em confronto – enquanto a saúde trata a todas como mortes violentas intencionais por causa externa. Além disso, como o registro é posterior, a saúde contabiliza também os casos de lesões corporais graves que se transformam em mortes, passadas algumas semanas. Em todo caso, a terceira coluna da tabela mostra que há uma regularidade entre as duas fontes – com os dados da saúde contabilizando de 20 a 25% mais casos do que a segurança. De todo modo, ambas as séries mostram este crescimento, em ritmos semelhantes.
Anos
Homicídios Datasus
Homicídios sinesp
Diferença
Armas
Despesa com segurança
Despesa per capta
Percentual analfabetos
Taxa de encarceramento
2005
47578
40975
1,20
30,06
8,87

13,90
289,77
2006
49140
41081
1,20
32,78
8,31
141,42
12,96
326,41
2007
47699
40716
1,22
31,43
8,61
158,23
12,49
321,00
2008
50096
43635
1,21
33,21
8,03
183,29
12,29
342,29
2009
51424
42023
1,24
34,96
8,68
213,11
11,84
365,21
2010
52257
43684
1,20
35,11
8,51
224,90
11,31
379,29
2011
52197
41465
1,22
35,95
8,71
246,10
10,78
389,86
2012
55191
43989
1,26
38,47
8,26
253,12
10,74
422,79
2013
56788
48735
1,24
31,65
7,99
263,81
10,71
348,60
2014
59830*
51035
1,22

8,13

10,25
370,49
Variação
25,75
24,55
1,89
5,28
-8,33
86,54
-26,24
27,86

Fontes: Datasus, Sinesp, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, IBGE e Depen
Diversas políticas públicas – preventivas e repressivas – foram colocadas em marcha no período para lidar com o crescimento dos homicídios e a tabela nos mostra, com dados nacionais, o que ocorreu com outros indicadores no mesmo período. Sem qualquer pretensão de sugerir causalidades, observamos apenas que neste período houve uma relativa estabilidade na disponibilidade de armas de fogo (mensurada aqui indiretamente pelos suicídios cometidos por arma de fogo) e no percentual de despesas com segurança no orçamento estadual total. Por outro lado, a despesa per capta com segurança cresceu acentuadamente (86,5%) e a taxa de encarceramento por 100 mil habitantes teve um crescimento significativo (28%). No âmbito “preventivo”, por assim dizer, observamos uma diminuição das taxas de analfabetismo, tomado aqui como um indicador resumo da melhoria da qualidade de vida nos últimos anos.
Uma análise ingênua diria que, se a disponibilidade de armas é estável, investimentos em segurança e prisões aumentam e a qualidade de vida da população melhora, deveríamos ter taxas de criminalidade descendentes e não ascendentes. Mas já discutimos várias vezes como este tipo de análise é simplista e deve ser evitado: contra factualmente, é possível argumentar que os homicídios teriam crescido ainda mais, caso estas outras tendências fossem diferentes; taxas de encarceramento e despesas com segurança são “endógenas”, isto é, aumentam quando a criminalidade aumenta e seus eventuais efeitos benéficos têm que ser isolados através de tratamentos econométricos adequados; diversas outras variáveis que afetam os homicídios –como drogas -  estão “omitidas” na tabela,  etc.[1]
Não é o caso de rodar um “modelo” estatístico preditivo no âmbito deste artigo mas antes de fazer algumas notas qualitativas, lançando mão dos dados desagregados por estado e focando naqueles Estados que tiveram as maiores reduções e os maiores aumentos nas taxas de homicídio. É possível aprender alguma coisa com estas exceções, lançando mão da boa e velha lógica de atentar para os “outliers”
No primeiro grupo temos São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco (sim, única exceção no NE), que juntos tiveram uma queda ao redor de 28% dos homicídios nos anos analisados. Em contraste, estados como Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Maranhão viram os um crescimento acima de 140% no número de mortes !! Como os demais indicadores se comportaram nestes grupos extremos de estados?
A redução do analfabetismo foi generalizada no país e se deu em ritmos similares nos dois grupos (queda de 30 e 25%, respectivamente). Note-se, contudo que o percentual de analfabetos em 2005 no primeiro grupo (em torno de 10%) já era menos da metade do percentual do segundo grupo (24,3%). Uma coisa é o ritmo de queda e outra a magnitude. É possível que níveis educacionais diferentes expliquem em parte as diferentes dinâmicas dos homicídios nestes grupos de estados, não obstante os ritmos parecidos de queda.
As despesas per capta com segurança aumentaram nos dois grupos, mas o ritmo do aumento foi bem maior no grupo de estados que teve crescimento dos homicídios. Enquanto as despesas cresceram 60% no primeiro grupo, o aumento foi de 135% no segundo. O aumento da criminalidade e da sensação de segurança deve ter pressionado os governos destes estados a aumentarem a fatia destinada a segurança pública. Note-se novamente que em termos absolutos, os gastos per capta no primeiro grupo são superiores aos do segundo grupo: o ritmo elevado do crescimento das despesas com segurança se explica em parte pelo ponto de partida inicial baixo de investimentos destes estados nordestinos que antes eram pacíficos e viram a criminalidade aumentar subitamente .


SP, RJ e PE
anos
homicídios datasus
homicídios sinesp
diferença
armas
despesa com segurança
despesa per capta
percentual analfabetos
taxa de encarceramento
2005
20132
16839
1,20
56,05
10,51

10,30
370,90
2006
19766
16070
1,21
55,44
9,70
178,33
9,29
398,34
2007
17107
14666
1,16
48,71
9,42
189,54
9,22
394,63
2008
15943
13898
1,15
43,22
9,25
220,19
9,06
403,99
2009
15354
13628
1,13
39,31
8,24
210,45
8,83
421,07
2010
14518
11982
1,20
35,71
7,62
201,17
8,26
456,17
2011
13660
11453
1,18
32,12
8,78
266,97
7,69
485,66
2012
13611
11761
1,14
32,41
7,97
257,67
8,11
532,74
2013
13866
11719
1,17
24,67
7,90
285,48
7,57
450,42
2014
14303
12127
1,17

7,50

7,24
462,81
variação
-28,95
-27,98
-2,04
-55,99
-28,65
60,08
-29,70
24,78
AL, CE, RN, PB e MA
anos
homicídios datasus
homicídios sinesp
diferença
armas
despesa com segurança
despesa per capta
percentual analfabetos
taxa de encarceramento
2005
4954
4635
1,04
29,31
8,54

24,28
196,77
2006
5604
5499
0,99
35,49
7,81
87,42
22,85
223,52
2007
6320
5936
1,09
39,17
8,72
103,79
21,73
202,01
2008
6901
6556
1,08
41,98
8,90
126,28
21,52
213,70
2009
7484
6704
1,14
45,64
9,72
153,58
20,36
218,01
2010
8541
8026
1,10
50,84
9,20
157,75
19,48
241,44
2011
9290
8723
1,09
56,78
8,87
159,72
18,60
248,21
2012
10283
8818
1,09
58,88
9,76
200,62
18,72
283,41
2013
11762
10578
1,12
53,32
9,40
205,19
18,72
225,59
2014
12042
11132
1,08

9,08

18,20
228,88
variação
143,08
140,17
4,51
81,89
6,35
134,71
-25,05
16,32

Fontes: Datasus, Sinesp, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, IBGE e Depen

Com relação às taxas de encarceramento, os estados que tiveram queda nos homicídios não apenas encarceraram num ritmo superior (25% X 16%) como já partiram de patamares mais elevados: as taxas de encarceramento do segundo grupo em 2014 (228:100 mil hab) são menores do que as taxas de encarceramento do primeiro grupo eram em 2005 (370:100 mil).
As diferenças mais acentuadas entre os dois grupos, contudo, está na disponibilidade de armas de fogo. Enquanto as armas em circulação caíram 56% nestes anos nos três estados que observaram fortes quedas nos homicídios, elas cresceram nada menos que 82% no grupo de estados com forte aumento nos homicídios. Falando em níveis, a taxa de armas por 100 mil hab. em 2013 neste segundo grupo (53:100 mil) equivale a taxa do primeiro grupo em 2005. Este aumento na disponibilidade de armas no NE precisa ser mais bem investigado, mas parece estar relacionado ao aumento dos roubos e da sensação de insegurança na região e possivelmente ao aumento do tráfico de drogas que costuma acompanhar o aumento da renda da população.
Os dados nacionais agregados camuflam características que se tornam mais nítidas quando contrastamos os grupos de estados que tiveram tendências de homicídio diametralmente opostas no período. No primeiro grupo, onde houve queda, observamos níveis menores de analfabetismo, taxas maiores e ritmos mais acelerados de encarceramento, níveis maiores de investimentos per capta em segurança e, principalmente, êxito na redução da quantidade de armas em circulação, quer em função de políticas de busca e apreensão, quer porque o contexto macro incentivou aos habitantes destes estados a deixarem suas armas em casa.
São características distintivas e não necessariamente explicações causais para as diferentes dinâmicas observadas. Os homicídios caíram em Pernambuco, apesar dos elevados níveis de analfabetismo e caíram no Rio de Janeiro apesar das baixas taxas de encarceramento. Estas talvez sejam condições facilitadoras mas não necessárias para diminuir o crime.
São pistas importantes tanto para os analistas, que devem aprofundar o estudo destes fenômenos, quanto para os gestores públicos que tem a responsabilidade de reduzir os níveis alarmantes de homicídios no pais.



[1] Um painel estadual  com variáveis instrumentais para lidar com a simultaneidade ou uma regressão tipo GMM tomando as primeiras diferenças das variáveis endógenas seriam as metodologias mais adequadas para responder a estas questões, algo que está fora do âmbito deste artigo.

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