domingo, 26 de janeiro de 2014

Carreiras criminais Juvenis: fatores de risco e de proteção para a entrada dos jovens no mundo do crime

Os criminólogos se dedicam já há algumas décadas a investigação das trajetórias criminais juvenis, procurando entender em que idade e circunstâncias pessoais e contextuais os jovens enveredam para o mundo do crime, como a frequência e modalidade criminal variam com o tempo, bem como os fatores que fazem com que alguns continuem esta carreira até a idade adulta enquanto outros a abandonem. Alguns autores denominam esta linha de pesquisa como criminologia desenvolvimental ou de curso de vida (DLC, na sigla inglesa), que parte do pressuposto de que as mudanças na atividade criminal conforme a faixa etária ocorrem de um modo relativamente ordenado no tempo.(Piquero, Farrington e Blumstein, 2007). Entre os principais temas desta linha de pesquisa estão a questão dos delinquentes crônicos, da variação da frequência criminal com o avanço da idade, da especialização ou versatilidade criminal, da influência dos colegas, da duração das carreiras criminais, entre outras. Neste percurso analítico, baseado frequentemente em pesquisas longitudinais, alguns achados parecem consolidados e consistentes e são resumidos abaixo, seguindo o elenco proposto por Piquero, Farrington e Blumstein: • a cada geração, apenas uma pequena parcela dos jovens envereda pelo crime e esta pequena parcela responde por uma quantidade desproporcional de crimes e sentenças juvenis; os delinquentes crônicos tendem a começar cedo no crime e a ter longas carreiras criminais; • a idade da entrada na criminalidade ocorre tipicamente entre os 8 e 14 anos de idade e a idade da desistência ocorre entre os 20 e 29 anos. • a prevalência da delinquência tem seu pico no final da adolescência, entre os 15 e 19 anos; • uma entrada precoce na delinquência prediz uma carreira criminal de longa duração e o cometimento de relativamente mais crimes; • existe uma continuidade clara na delinquência e no comportamento anti social desde a infância para a adolescência e o mundo adulto. O comportamento é estável no tempo e pessoas que cometem muitos crimes durante uma fase da vida tem uma grande probabilidade de também cometer muitos atos criminais posteriormente; • a delinquência é mais versátil do que especializada: delinquentes violentos, particularmente, parecem delinquir frequentemente em outras modalidades de delinquência; • os tipos de atos definidos como delinquência são elementos de uma ampla síndrome de comportamento anti-social que incluem consumo pesado de bebidas, direção perigosa, sexo promiscuo, entre outros; esta personalidade antissocial surge na infância e persiste até a idade adulta (Farrington, 1996) • a exposição a amigos delinquentes tipicamente precede o início do próprio comportamento delinquente. Independente da ordem cronológica, o comportamento delinquente de um indivíduo está positivamente relacionado com o comportamento delinquente – real ou percebido – dos amigos (Elliot e Menard, 1996); • com o avanço da idade, a delinquência grupal muda progressivamente para a individual. Até o final da adolescência o crime tende a ser cometido em grupo mas ao redor dos 20 anos a maioria das ofensas são cometidas individualmente; a co-delinquência parece mais comum em alguns tipos de crimes (arrombamentos, roubos) do que em outros; • os motivos da delinquência até o final da adolescência são variáveis, incluindo excitação e diversão, tédio e ou razões emocionais e utilitárias. A partir dos 20 anos os motivos utilitários transformam-se progressivamente em motivo predominante; • diferentes tipos de delinquência tendem a ser iniciadas em diferentes idades. Este tipo de progressão é tal que furtos tendem a ser cometidos antes do que arrombamentos, estes antes dos roubos e assim por diante. Em geral, a diversificação da delinquência cresce até cerca de 20 anos e depois diminui, aumentando a especialização; • nos criminosos crônicos, o patamar de 4 condenações é um bom previsor de reincidência criminal pois a partir de 4 condenações a taxa de reincidência permanece relativamente estável e elevada. Os delinquentes crônicos diferem dos demais delinquentes em diversas dimensões, incluindo precocidade da atividade criminal e violência; • a probabilidade de desistência na trajetória criminal diminui em função do aumento no número de sintomas antissociais. Em outras palavras, uma grande variedade de comportamentos desruptivos prediz a persistência do comportamento desviantes (Loeber) Embora estes achados sejam partilhados de forma comum entre diferentes grupos de criminólogos, pesquisas sugerem que talvez não exista um caminho único para o crime mas caminhos distintos, que explicam, por exemplo, porque alguns jovens enveredam para crimes que envolvem agressão física e social e outros enveredam para o caminho dos crimes patrimoniais. (Loeber) Além destas características levantadas pela linha de pesquisa de trajetórias criminais, outros estudos criminológicos levantaram inúmeros fatores de risco e proteção para o envolvimento no crime. Os fatores de risco são condições ou variáveis que estão associadas à alta probabilidade de ocorrência de resultados negativos ou indesejáveis ao desenvolvimento humano, sendo que dentre tais fatores encontram-se os comportamentos que podem comprometer a saúde, o bem-estar ou o desempenho social do indivíduo (WEBSTER-STRATTON, 1998). São fatores de ordem pessoal, familiar, escolar, de vizinhança, etc. que estão correlacionados com maior ou menor envolvimento criminal. Estão baseados em teorias que entendem o crime como fruto do reduzido auto-controle, cuidados ineficazes dos pais com as crianças durante o processo de crescimento, diferenças de oportunidades, contextos ecológicos de vizinhança (que implicam em diferenças econômicas, sociais e culturais), influência dos pares, tendências anti-sociais gerais subjacentes e teorias fundadas na adaptação genética e biológica, entre outras. (Hawkins, 1996). Farrington afirma que, tomando estas diferentes teorias, existem literalmente milhares de variáveis que diferenciam significativamente os delinquentes dos não delinquentes e que é difícil diferenciar entre os fatores de risco os que são sintomas e os que são causas. Entre estes fatores podemos mencionar: nível de inteligência, assiduidade escolar, personalidade e temperamento, impulsividade psicomotora, hiperatividade, irritabilidade, renda familiar, tamanho da família, histórico de emprego familiar, histórico de tratamento psiquiátrico, práticas de supervisão e disciplinamento, separações temporárias ou permanentes dos pais, agressividade na escola, baixa concentração, rendimento escolar, faltas e repetências, idade da mãe no nascimento do primeiro filho, problemas comportamentais dos irmãos, registro criminal dos pais e irmãos, desarmonia familiar, baixa estatura, baixo QI não verbal, baixo peso ao nascer, níveis de testosterona, grau de desonestidade, grau de popularidade, trauma crânio encefálico, nível de renda da vizinhança, uso de substâncias pelo indivíduo, uso de substâncias pela mãe durante a gravidez, reduzidas habilidades sociais, entre dezenas de outros fatores investigados. Em contrapartida, existem também alguns conhecidos fatores de proteção, tais como a presença do pai biológico na infância, QI elevado, mães atenciosas, o abandono de grupos e amigos delinquentes, a obtenção de um emprego estável, o casamento, mudança de contexto, maturidade etária, etc. – que aumentam a probabilidade de desistência da carreira criminal. São fatores que, mesmo em situações adversas, podem afastar o indivíduo do envolvimento criminal. Com efeito, boa parte dos fatores de risco, com sinal inverso, pode atuar como fatores protetivos. Levantar as informações e responder a estas questões tem como foco a possibilidade de auxiliar a construir novas estratégias para lidar com a questão. Assim, é também objetivo discutir as possíveis formas de prevenção que podem ser postas em prática no contexto estudado, à luz dos achados levantados nesta pesquisa. Entre os poucos trabalhos sistemáticos já realizados sobre a prevenção criminal voltada a jovens no país Assis e Constantino (2005), em artigo voltado a discutir as conexões entre os principais fatores de risco e as estratégias de prevenção primária, secundária e terciária, apontam algumas iniciativas existentes que têm demonstrado impacto significativo na redução das infrações. Pautando-se tanto em estudos realizados no contexto internacional quanto nacional sobre os projetos preventivos, as autoras encontraram que entre os principais aspectos eficazes nas práticas de prevenção de jovens estão: intervenções na gravidez e infância precoce para famílias em situação de risco, treinamento para pais de jovens e adolescentes envolvidos com o crime, intervenções precoces para jovens infratores, programas realizados em escolas que buscam a prevenção primária dos crimes e da violência e programas realizados em comunidades. No Brasil, entretanto, a maioria dos projetos são recentes, realizados em poucas localidades e pouco avaliados para que se possa dizer com clareza o real impacto de suas medidas. Como sempre na criminologia, o objetivo é não apenas conhecer o fenômeno mas também propor políticas públicas eficientes para atenuá-lo. Os estudos das trajetórias criminais podem ter impacto direto não apenas para a tomada de decisão do sistema de justiça criminal, mas também de diversos outros setores de políticas públicas (de saúde, urbanísticas, de assistência social, de educação) que lidam com a evolução de aspectos cruciais da vida que estão também relacionados a possível deflagração de ocorrências criminais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

keepinhouse

Arquivo do blog

Seguidores