terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Política pública eficiente exige monitoramento ágil das informações



Já fiz este paralelo mais de uma vez: não dá pra fazer política pública de combate à inflação ou desemprego em 2019 utilizando dados de 2016. Na economia e outros setores estratégicos, isto seria impensável e há uma verdadeira profusão de bancos de dados e indicadores, prevendo antecipadamente o comportamento do mundo econômico.

Infelizmente, não há tanta pressa quando se trata de desenvolver bases de dados e indicadores na área da segurança pública. A vítima, afinal, está morta, perdeu a pressa que tinha, como o leiteiro de Drumond. E assim, o decreto presidencial que flexibilizou a posse de armas, utiliza como fonte o Atlas da Violência de 2018, com taxas de homicídio de 2016, as mais recentes disponíveis! Isto não é política baseada em evidências. É política baseada em memórias históricas...

Mas existem novidades na área. Antes, porém, um pouco de memória histórica. O SIM, Sistema de Informações sobre Mortalidade, foi criado pelo Ministério da Saúde em 1975, trazendo dados de mortalidade por agressões e outras causas mortis, por município e mês. Em 1979 o sistema já era informatizado. Demorou apenas 40 anos para que pudéssemos ter acesso aos dados, de uma forma minimamente desagregada e atualizada.
Todo o mês as Declarações de óbito são preenchidas e enviadas às Secretarias Municipais de Saúde, onde as informações são digitadas, processadas e consolidadas. De lá as informações municipais são consolidadas em nível estadual e finalmente enviadas à base federal. O dado é analisado, checado e distribuído em diversos níveis. Trata-se de um processo relativamente complexo e não se pode esperar que saibamos hoje os incidentes ocorridos ontem, sem perda de qualidade. Mas esperar três anos era demasiado.

Recentemente, o Ministério da Saúde disponibilizou na internet painéis de monitoramento de mortalidade do SIM e outras bases, que permitem recuperar informações sobre qualquer causa de mortalidade, por município e mês. É possível também desagregar os dados por sexo, faixa etária e raça da vítima, por local da ocorrência ou da residência, por tipo de local e diversas outras variáveis.
(http://svs.aids.gov.br/dantps/centrais-de-conteudos/paineis-de-monitoramento/mortalidade/cid10/)

O painel traz dados de 1996 até dezembro de 2018, o que é um enorme avanço, se pensarmos que os outros sistemas disponibilizam dados consolidados apenas até 2016. É preciso, todavia ter alguns cuidados. Os dados de 2017 e 2018 são considerados como provisórios, há um asterisco assinalando esta diferença e são passíveis de modificação posterior. De fato, se pegarmos os dados do último semestre de 2018, é fácil verificar que estão bem abaixo da média. Os municípios ainda estão digitando e consolidando estas informações. Por outro lado, os dados do primeiro semestre parecem bem consistentes, de tal modo que se houverem modificações, deverão ser de pequena monta. As tendências gerais e os surtos locais – como as mortes geradas em confrontos com o crime organizado – podem ser razoavelmente identificados.

Na imagem abaixo, vemos, por exemplo, a variação mensal das mortes por agressão no Ceará, de janeiro de 2001 a junho de 2018, a tendência de queda entre 2015 e 2016 e os picos durante os incidentes de 2017, na guerra de facções.

Para quem tiver interesse, montei no Tableau um série de visualizações a partir desta base de dados, usando o período 2001 à 2018, agregado por Estado e mês. (https://tuliokahn.blogspot.com/p/mortes-por-agressao-mensal-datasus.html)

O processo de coleta e checagem esta sendo aperfeiçoado e acredito que em breve, se houver esforço das agências envolvidas, seremos capazes de monitorar as tendências de mortalidade no país com apenas alguns meses de atraso. Um sistema de monitoramento epidemiológico é importante para identificar o impacto de políticas públicas, como por exemplo, o decreto de flexibilização do Estatuto e impedir – ainda que com atraso e custo de centenas de vidas - o agravamento do problema. Não chega a ser informação em tempo real, numa sala de situação. Mas é um avanço, se pensarmos que os dados existem em formato digital desde 1979!

O detalhe é que só temos hoje estas informações disponíveis porque o sistema de saúde se preocupou em organizar esta base de dados nacional nos anos 70. O sistema de justiça criminal, gerido pelos juristas de plantão, só começou a organizar suas bases décadas depois, culminando com o SINESP. De modo que para roubos, furtos, homicídios dolosos, estupros e outros crimes, só é possível baixar dados desagregados por município e mês para o ano de 2017, até junho. E isto desde o ano passado, pois anteriormente os dados apresentados, alguns poucos indicadores, além de ultrapassados em anos, eram agregados por ano e Estado.

A atual gestão federal da segurança parece mais preocupada em fazer política de segurança baseada em ideologia e princípios do que em evidências empíricas. Esperamos que tenham o bom senso de dar continuidade ao Sinesp, tornando-o cada vez mais atualizado, confiável e completo. Na ausência destes dados, continuaremos a ver as soluções mágicas para a segurança pública baseadas na reforma da legislação penal. E a ver o país bater recordes sucessivos de homicídios.




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