terça-feira, 19 de junho de 2018

“A culpa é das estrelas”: zodíaco e criminalidade – post 2



Examinamos em outro artigo sobre o mesmo tema as listas de signos mais perigosos e os perigos de uma disciplina que se intitula “astrologia forense”, que se pretende ciência, na visão de seus adeptos.


Independente da crença de cada um sobre a influência dos astros no comportamento humano, o fato é que a partir dos anos 70, centenas de estudos acadêmicos procuraram investigar seriamente a relação entre astrologia e criminalidade, principalmente na área da psicologia, uma vez que a influência dos astros se manifestaria através de certos traços de personalidade. (Burke, 2012; Sachs, 1999; Silverman, 1971). Embora a maioria dos estudos desconfirmem as predições astrológicas, alguns reportam associações significativas (a maioria fracas) entre os signos zodiacais e traços de personalidade ou comportamento. Sachs, por exemplo, é um deles, baseados em estatísticas matrimoniais e criminais da Suíça (Sachs, 1999). Com base em 325 mil sentenças criminais da justiça proferidas entre 1984 e 1996 para 25 diferentes crimes, o autor identificou que 18% das associações entre signos e crimes testadas na análise não se deviam ao acaso: encontrou, por exemplo, uma associação entre tráfico de drogas X capricórnio e peixes, uso ilegal de veículo a motor X sagitário, dirigir sem licença X gêmeos e assim por diante. Outros autores, contudo, reexaminando os mesmos dados e usando critérios estatísticos mais rigorosos, como a correção de Bonferrone, sugerem que a análise de Sachs é equivocada (Von Eye e outros, 2003).

É possível replicar a pesquisa de Sachs com dados brasileiros e fazer um teste empírico da conjectura de que existe uma correlação entre signos e propensões a certos tipos de crimes? Se a econometria pode se dedicar a estes temas curiosos, como em Freakconomics, (Levitt e Dubner, 2005), porque não a criminologia? Para testar a conjectura da associação entre signos e crimes, criei uma rotina no SPSS para extrair o signo de 95 mil averiguados por diversos crimes e cruzei signo com a natureza criminal do averiguado.

Como temos 12 signos, o esperado é que tenhamos 8,33% de suspeitos em cada signo, para cada um dos crimes analisados. Como a tabela mostra, para a maioria dos crimes a distribuição percentual é bastante próxima disso, variando ora pouco acima, ora pouco abaixo. Estas diferenças provavelmente se devem ao acaso e não é possível afirmar que haja uma associação especial entre signos e crimes.




Como sempre ocorre em pesquisas quantitativas, quando o número de linhas e colunas na tabela é grande e quando o volume de casos na amostra diminui, aumenta-se a variabilidade e neste caso encontramos algumas associações estatisticamente significativas entre signos e determinadas modalidades criminosas, como reportado na literatura (Hannigssen, Sachs).

Assim, por exemplo, a tabela sugere uma porcentagem maior do que a esperada de arianos investigados por “receptação dolosa” ou uma porcentagem menor que esperada de capricornianos entre os averiguados por sonegação fiscal. Note-se que quase todas estas associações significativas se manifestam na parte de baixo da tabela, onde a amostra de casos é menor, sugerindo que o número menor de casos faz as porcentagens variarem mais amplamente, produzindo por vezes associações espúrias. Ainda que simplório, o levantamento, corroborando a maior parte da literatura, não traz evidências sólidas de que exista uma associação entre signos solares e comportamento criminoso, mesmo tendo encontrado algumas associações significativas, que costumam aparecer aleatoriamente em estudos quantitativos com tabelas grandes e N pequeno. Numa tabela com 420 células, encontramos associações significativas ( Z > 1.96) em 24 delas, ou 5,7% dos casos. E mesmo quando significativa, não é possível saber se o sinal esperado deveria ser positivo ou negativo, uma vez que não existem predições zodiacais para todos os crimes.

Mesmo supondo que exista uma associação real, fico aqui imaginando quais seriam as implicações lógicas em termos de políticas públicas. Se Áries é o signo da guerra e os arianos tem propensão inata ao crime, devemos considerar que se trata de um atenuante e atribuir penas menores a eles? Se o destino está escrito nos astros e não temos livre-arbítrio podemos também abolir os programas de reinserção social dos criminosos, pois serão gastos inúteis do dinheiro público. Podemos propor talvez a abstenção sexual em certos meses do ano, para que nasçam menos leoninos e assim por ventura reduzir 10% dos furtos? Assim como Gênero ou raça, signo é uma característica impossível de ser modificada e é difícil extrair daí qualquer política pública socialmente útil.

Embora pareça um exercício fútil, estes tipos de estudos, além de curiosos, podem ser bastante úteis para o ensino de metodologia de pesquisa e para apontar para os riscos de se tirar conclusões apressadas com base em evidências estatísticas. Há inúmeros casos de correlações estatísticas significativas e espúrias relatadas no site spurious correlations, como por exemplo, a correlação entre gastos americanos em exploração espacial e suicídios por enforcamento (cientistas se matando pelo corte de despesas?), ou afogamentos em piscinas e número de filmes em que Nicolas Page aparece. Tomando o período de 2000 a 2009, a correlação entre a taxa de divórcio no Maine e o consumo per capta de margarina é de .99 ( casais se divorciam porque homens preferem manteiga?) http://www.tylervigen.com/spurious-correlations.

A diferença é que ninguém acredita nestas correlações enquanto no caso da astrologia uma parcela grande da população mundial não apenas acredita como se deixa influenciar por ela no dia a dia para assuntos amorosos e financeiros. Mais interessante seria a realização de estudos que tentassem compreender as razões destas e outras crenças populares tão arraigadas. Elas levantam sérias dúvidas sobre o pressuposto de racionalidade nas decisões humanas, presentes nas teorias econômicas e outras disciplinas...Esta compreensão sobre os elementos irracionais nas decisões seria muita mais informativa do que a influência dos astros para o nosso conhecimento da personalidade humana.

Bibliografia
• BURKE, Keith. BIG FIVE PERSONALITY TRAITS AND ASTROLOGY: THE RELATIONSHIP BETWEEN THE MOON VARIABLE AND THE NEO PI-R. Tese de doutorado, 2012.
• Campbell, Dave and Brandt Riske, Kris. Forensic Astrology, Nov 24, 2014 e Campbell, Garret. True Crime and Astrology, Jul 9, 2012.
• Crystal, Linda. Jaycee Dugard: How Forensic Astrology Can Help In Abductions May 18, 2015 e Crystal, Linda. The Mystery: Amelia Earhart, The Answers: Forensic Astrology Feb 22, 2015.
• Henningsen, David Dryden and Henningsen, Mary Lynn Miller. It’s not you, it’s Capricorn: Testing Astrological Compatibility as a Predictor of Marital Satisfaction. Northern Illinois University. Human Communication. A Publication of the Pacific and Asian Communication Association. Vol. 16, No. 4, pp.171 - 183.
• Koich Miguel, Fabiano; de Francisco Carvalho, Lucas. Relações entre traços de personalidade mensurados por testes psicológicos e signos astrológicos. Psico-USF, vol. 19, núm. 3*, septiembre-diciembre, 2014, pp. 533-545, Universidade São Francisco, São Paulo, Brasil.
• Levi-Strauss, Claude. O feiticeiro e sua magia.
• Luley, Caroline J Celebrity Mysteries and Cold Cases (Forensic Astrology in Action Book 1) Apr 14, 2016 e Luley, Caroline J. Forensic Astrology For Everyone Workbook 1: Beginners Edition (Volume 1)Aug 10, 2014.
• McIntosh, Kirsty L. Criminal Astrology: Volume I Understanding Crime Charts, Apr 1, 2018.
• Sachs, G. (1999). The astrology file. London: Orion.
• Salerno, B.D. Exploring Forensic Astrology: The Secrets Behind Famous Family Murders, Jun 23, 2016 e Salerno, B.D. Forensics by the Stars: Astrology Investigates, Oct 25, 2012.
• VON EYE, Alexander (VIRGO), LÖSEL, FRIEDRICH (LEO) e MAYZER, Roni (CAPRICORN). Is it all written in the stars? A methodological commentary on Sachs’ astrology monograph and re-analyses of his data on crime statistics. Psychology Science, Volume 45, 2003 (1), p. 78-91

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