Nos últimos quatro anos a
Fundação Espaço Democrático realizou diversos seminários sobre segurança
pública e sistema criminal no Brasil, com a presença de importantes
especialistas do setor, além de dedicar alguns Cadernos Democráticos e dezenas de artigos no site ao tema.
Segurança Pública é objeto de análise e reflexão constante e permanente na
Fundação e não tema de opiniões em momento de crise.
Neste artigo fazemos um breve
resumo das discussões sobre o sistema penitenciário nos últimos anos, contendo
um rápido diagnóstico e algumas proposições que saíram das discussões
realizadas no Espaço Democrático. O diagnóstico sugere em linhas gerais que
temos um problema longínquo de escala e crescimento acelerado da população
prisional, que acirrou a deterioração dos serviços prestados pelo sistema
penitenciário e alimentou o crescimento das facções criminosas. Assim, reduzir
o ritmo de encarceramento e melhorar as condições de cumprimento da pena são
iniciativas que podem enfraquecer o domínio das facções no sistema prisional.
Crescimento acelerado
O país ultrapassou em 2016 a
cifra dos 600 mil presos, o que equivale à população de Capitais como Aracaju
ou Cuiabá. A população prisional aumenta 79 pessoas por dia, o que equivale a
três novos presídios por mês, considerando um presídio com capacidade para 800
pessoas. Entre 1990 e 2014, o crescimento da população prisional foi de 575%,
10 vezes superior ao crescimento da população. Enquanto a população em geral
cresce 1% ao ano, a população prisional aumenta 5% a 7% ao ano. O principal
responsável por este crescimento são os chamados presos provisórios (41%),
categoria que cresceu 55,2% entre 2008 e 2013, bem como os condenados por
tráfico e por roubo.
Tráfico não apenas representa a
maior fatia dos crimes cometidos pelos condenados– cerca de um quarto – como
cresceu num ritmo bem superior ao da população prisional em geral: 93,2% entre
2008 e 2013. Por conta do tráfico, participação das mulheres no sistema
prisional é crescente. Os roubos também impactam significativamente o sistema
por seu grande volume e nas duas modalidades (qualificado e simples) cresceram
a taxas superiores à da população prisional em geral.
Superlotação e Deterioração dos serviços
Faltam cerca de 230 mil vagas no
sistema prisional, especialmente no regime aberto e semiaberto, cuja ausência
implica no envio ao regime fechado de pessoas que poderiam cumprir penas em
regimes mais brandos. Seriam necessários 295 novos estabelecimentos apenas para
zerar o déficit atual de vagas no país. Por conta da ausência de vagas, a
relação preso/ vaga no país é da ordem de 1,8, em média, ou seja, quase duas
pessoas por vaga.[1]
Incidentes prisionais como os
vistos no início de 2017 são a regra e não exceção. Embora não tenham a
magnitude e a brutalidade destes últimos, os distúrbios prisionais são
cotidianos. Segundo o Censo penitenciário de 2014, ocorrem cerca de 2,6
distúrbios prisionais e 44 fugas por dia no país. Tivemos em 2014 mais de 300
presos mortos em “óbitos criminais”, sem contar as mortes que foram
classificadas como “causa desconhecida”, “suicídios”, “acidentes” e outras.
Os condenados entram e saem
constantemente dos estabelecimentos penais e quando saem, levam para a
sociedade aquilo que adquiriram no sistema, em todos os sentidos. Infelizmente,
no tempo que passaram cumprindo pena, poucos aprenderam uma profissão ou se
escolarizaram. A maioria dos condenados tem escolaridade elementar, mas apenas
11% dos presos no Brasil estudam. Apenas 19,8% trabalham, dos quais 74,7% em
atividades internas ao estabelecimento. 38% dos presos trabalham sem receber,
violando a legislação.
Se poucos saem com novas
habilidade adquiridas, muitos saem doentes: o sistema prisional tem elevada
incidência de HIV, sífilis, hepatite e tuberculose, com taxas superiores as
taxas nacionais. O sistema prisional é hoje um vetor de transmissão destas
doenças para familiares e comunidades de origem. O vírus das facções criminais,
contudo, é hoje a principal doença levada das prisões para as comunidades de
origem. Dada a quantidade de presos, a velocidade do crescimento e a ausência
de profissionais qualificados, é rara a separação dos presos por periculosidade,
quase não existem laudos criminológicos de entrada ou para progressão e
indultos. Criminosos de diferentes graus de periculosidade cumprem penas junto
e progressões e indultos são concedidos a indivíduos que não teriam condições
de voltar ao convívio com a sociedade.
Carência de recursos
O orçamento Federal para o FUNPEN
é baixo, de aproximadamente 300 milhões por ano, e mesmo baixo, cerca de metade
do valor foi contingenciada na última década para aumentar o caixa do governo
federal. Enquanto isso, a infraestrutura física e os serviços nos
estabelecimentos penais definham: existem cerca de 1500 estabelecimentos
prisionais no país (apenas 4 federais) e 36% foram adaptados e não concebidos
originalmente como presídios. De forma generalizada, faltam módulos de saúde,
educação, oficinas de trabalho, espaço de visitação, local para visita íntima,
sala de videoconferência, equipamentos para revista, celas de isolamento nos
estabelecimentos prisionais. Cada funcionário cuida em média de cinco presos,
considerando o total de funcionários do sistema penitenciário ou 7,6 presos,
considerando apenas os agentes de custódia. Na prática o número de presos por
funcionário é bem maior, se considerarmos os turnos, escalas, etc. O Ministério
da Justiça estima que o número de presos por funcionário seja pelo menos 4
vezes maior. A corrupção sistemática e a falta de controle facilitam a entrada
de armas, drogas e celulares nas prisões.
Tudo isso ajuda a entender a emergência e expansão das facções criminais, estimadas em 27, e que na prática controlam boa parte dos estabelecimentos penais no país. Como solucionar esse problema? Nos eventos realizados pelo Espaço Democrático nos últimos anos tem sido frequentemente destacada a necessidade de um novo plano de segurança para o país, e sugeridas diversas medidas.
Listei-as a seguir neste artigo, como forma de colaboração, já que o Governo Federal acaba de propor a elaboração de um Plano Nacional de Segurança, que incluiu acertadamente o sistema prisional entre seus eixos principais
Metas para o Sistema Prisional
- · Triplicar os recursos do Funpen e vedar seu contingenciamento;
- · Aumentar a porcentagem de presos trabalhando, especialmente em atividades não relacionadas ao apoio interno ao estabelecimento;
- · Aumentar a porcentagem de presos estudando;
- · Diminuir a quantidade de presos cumprindo pena ou aguardando sentença em cadeias da Polícia Civil;
- · Advogar pela mudança na lei de entorpecentes, de modo a evitar que pequenos traficantes sem periculosidade nem papel relevante no mundo do crime sejam condenados a penas longas;
- · Estimular as formas alternativas de controle social ao encarceramento, como as penas alternativas e o controle através de monitoramento eletrônico;
- · Advogar por mudanças legislativas / práticas judiciais para diminuir a porcentagem de presos provisórios nos estabelecimentos penais;
- · Gerar vagas no regime aberto e semiaberto, para possibilitar a progressão de regime
- · Criação de secretaria específica para gerenciar o sistema prisional estadual, separada das Secretarias de Segurança;
- · Uso de PPP (Parceria Público Privada) para construção de presídios, uma vez que o poder público carece de recursos e também na gestão de presídios, especialmente no que diz respeito à hotelaria, educação, saúde, etc. O poder público deve manter o monopólio exclusivamente sobre a parte disciplinar;
- · Uso de tornozeleiras eletrônicas em condenados provisórios ou em condenados ao regime semiaberto e aberto;
- · Uso do RDD (regime disciplinar diferenciado) para condenados que cometem faltas graves durante o cumprimento da pena;
- · Construção de mais presídios federais para abrigar liderança do crime organizado;
- · Obrigatoriedade de laudo psicológico para concessão de benefícios (progressão, indulto, etc.);
- · Diminuição do uso da polícia militar para escolta de presos;
- · Ampliação do recurso a Videoaudiência para reduzir o impacto das escoltas de presos nos quadros policiais e dar celeridade aos processos judiciais;
- · Incentivo à criação dos Conselhos de Comunidades nos Estados, para supervisionar o funcionamento das prisões, nos termos da Lei de Execuções Penais.
- · Disseminar as experiências de gestão compartilhada entre Estado e Sociedade Civil na administração dos estabelecimentos penitenciários, tais como as APACs.
- · Realizar o monitoramento epidemiológico da população carcerária pelo Sistema Único de Saúde;
- · Instalar identificadores de frequência e bloqueio de sinais de radiocomunicação nas unidades prisionais;
- · Instalar equipamentos de segurança que possibilitem a revista pessoal não vexatória de familiares, como Raio X, Scanner corporal, espectrômetros, etc.;
- · Criminalização do uso de celular nas prisões;
- · Criar a função de “oficial de condicional” no serviço social penitenciário: profissional pago para acompanhar periodicamente os egressos e condenados em condicional, liberdade provisória, etc.
O diagnóstico é sucinto e as
sugestões apenas uma relação inicial de inúmeras outras que devem ser adotadas
para minimizar os complexos problemas do sistema carcerário. Alguém já disse
que as prisões são as formas mais caras já inventadas para piorar alguém.
Assim, prisão em regime fechado deve ser reservada para criminosos perigosos e
reincidentes, indivíduos que cometeram crimes graves, lideranças criminais
pertencentes às facções e outros que ofereçam riscos à sociedade. Presos
primários, que cometeram crimes de menor gravidade, podem ser condenados a
formas alternativas de punição. Os custos são elevados pois não se faz política
prisional apenas mudando a legislação. Mais altos contudo, como os episódios
recentes evidenciam, são os custos da inação.
[1]
Em contrapartida, uma tendência positiva tem sido a redução do número de presos
cumprindo pena em Delegacias de Polícia, que caiu pela metade entre 2008 e
2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário