Não obstante a percepção generalizada de piora da segurança pública na última década, existem diversos indicadores criminais que apresentam melhoria, principalmente a partir de 2017, como homicídios, roubos de veículos, roubos de carga e a instituições financeiras, entre outros.
É difícil estimar qual o papel direto da
melhoria das condições carcerárias sobre a queda da criminalidade, mas em si mesmas
estas melhorias são positivas, contribuindo por exemplo para a melhora no clima
dentro das prisões, diminuindo a motivação para rebeliões, aumentando a
probabilidade de ressocialização , diminuindo o poder das facções criminais, entre
outros objetivos relevantes. A criação do Depen e do Fundo Nacional
Penitenciário no final dos anos 90 foram marcos importantes neste processo de
melhora das condições de cumprimento da pena. Com o Depen vimos a retomada dos “censos”
penitenciários nacionais, - que respondi pelo primeira vez em 1997 como assessor
da SAP e posteriormente contribui para o aperfeiçoamento do questionário e
aplicação da pesquisa.
Os indicadores abaixo foram extraídos do
SISDEPEN e permitem analisar a evolução de alguns indicadores entre 2016 e
2024, no que tange a melhorias físicas e aos serviços prestados pelas cerca de
1500 unidades prisionais do pais.
Ao observar os dados de “Existe” ao longo de 2016/2 a 2024/2, percebe-se um fortalecimento consistente de serviços de saúde nas unidades prisionais. A presença de consultório médico saltou de 51,1 % para 66,5 %, enquanto o consultório odontológico subiu de 46,3 % para 54,5 %. A farmácia, que em 2016/2 existia em apenas 45,6 % dos estabelecimentos, em 2024/2 já alcançava 58,1 %, e o atendimento clínico multiprofissional mais que acompanhou essa curva, de 31,4 % para 47,5 %. Esses avanços refletem maior investimento em saúde do preso, sobretudo após 2019, quando as taxas de existência desses serviços cresceram de forma mais acentuada.
Na esfera educacional e de reforço social, o progresso também é
nítido. A sala de aula aumentou de 58,6 % para 70,8 %, e a biblioteca, que
iniciava em 43,8 %, alcançou impressionantes 71,7 %, elevando
significativamente as oportunidades de leitura e estudos formais. As salas de
professores também cresceram, de 30,6 % para 38,4 %, no período. A introdução e
ampliação de laboratórios de informática — de meros 15,1 % para 28,3 % — e de
oficinas de trabalho — de 36,7 % para 44,7 % — apontam para uma estratégia de
ressocialização cada vez mais orientada a habilidades práticas e digitais,
preparatória para o pós-prisão.
Quanto às condições regimentais, os números já partiam elevados,
com 79,3 % de unidades possuindo regimento interno em 2016/2 e estabilizando em
torno de 90 % a partir de 2020. Os espaços destinados a visitação íntima e
coletiva passaram de 31,9 % e 44,0 % para 36,7 % e 60,5 %, respectivamente.
Esse incremento em infraestrutura de convivência e disciplina evidencia um
esforço para equilibrar segurança, disciplina e dignidade, ainda que o ritmo de
expansão de áreas de visita íntima tenha sido mais lento do que o das demais
melhorias.
Ao longo de oito anos, houve um avanço generalizado na oferta de infraestrutura e serviços nas unidades prisionais. Em 2016/2, cerca de 28,6 % das unidades não dispunham de sala de atendimento para serviço social, percentual que caiu para 19,2 % em 2024/2, revelando maior atenção ao suporte psicossocial. De modo semelhante, a ausência de salas para psicólogo diminuiu de 33,6 % para 24,6 %, e a falta de espaço para atendimento jurídico reduziu-se de 19,4 % para 14,0 %, o que evidencia progressos constantes na assistência ao preso.
O avanço mais expressivo deu-se, porém, na sala de
videoconferência: o índice de unidades sem esse recurso, que beirava 91 % em
2016, despencou para apenas 19,2 % em 2024/2, demonstrando forte investimento
em tecnologia e na comunicação remota entre detentos, tribunal e familiares.
Paralelamente, a acessibilidade para pessoas com deficiência, antes ausente em
cerca de 84,6 % das unidades, melhorou para 71,7 %, embora ainda indique a
necessidade de aceleração das adaptações físicas. Já a assistência jurídica
gratuita permanece raríssima, sem redução significativa desde os 80,6 % de
2016, o que revela uma lacuna crônica no acesso à defesa técnica.
Por fim, observam-se ganhos importantes nas atividades laborais e
educacionais. A proporção de unidades sem laborterapia recuou de 33,0 % para
14,8 %, e a ausência de atividades educacionais diminuiu de 41,8 % para 17,3 %,
apontando para expansão de oficinas e cursos de ensino. Em suma, o sistema
prisional avançou de forma notável na infraestrutura tecnológica e nos programas
de reabilitação e ensino.
O sistema prisional vem caminhando numa direção de maior
humanização e enfoque na ressocialização. O crescimento consistente da
disponibilidade de consultórios médico e odontológico, farmácia e atendimento
clínico multiprofissional indica um reconhecimento crescente de que a atenção à
saúde mental e física do preso não é apenas uma questão de direitos humanos,
mas também uma estratégia de redução de comportamentos violentos e surtos
epidêmicos dentro das unidades. Consequentemente, investimentos em equipes de
saúde e em medicamentos, embora onerosos, devem gerar economia a médio prazo,
ao reduzir internações de emergência, surtos de doenças transmissíveis e
litigiosidade interna.
No âmbito educacional e ocupacional, o avanço na oferta de salas
de aula, laboratórios de informática, oficinas e bibliotecas reflete um
compromisso maior com a formação profissional dos reeducandos. Isso tende a
ampliar as oportunidades de trabalho formal após o cumprimento da pena,
contribuindo para a diminuição da reincidência. A construção dessas estruturas
requer planejamento orçamentário contínuo e parcerias com órgãos de ensino e
empresas, mas os benefícios sociais — como a quebra do ciclo de pobreza e crime
nas comunidades de origem — podem superar largamente o custo inicial.
A consolidação de regimentos internos e a expansão de espaços de
convivência e visita íntima demonstram que a segurança e a disciplina podem
conviver com a dignidade e o vínculo familiar. Unidades mais regimentadas e, ao
mesmo tempo, mais acolhedoras têm menor potencial para tumultos e rebeliões,
gerando ambiente mais estável tanto para agentes quanto para presos. As consequências
práticas são a redução de gastos com contingentes extras de segurança e a
melhoria do clima de trabalho dos servidores, o que, em última análise, torna o
sistema penitenciário melhor para todos.
Embora investir em presídio não seja uma política popular, a
melhora das condições de cumprimento da pena traz uma série de benefícios
intrínsecos e pode ser uma das muitas explicações para a queda da criminalidade violenta
de rua no país a partir de 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário