Por um novo sistema federal de segurança pública
A criação da secretaria nacional de segurança
pública em 1997 e do Plano e Fundo Nacional nos anos seguintes foram marcos
importantes do envolvimento federal na esfera da segurança, marcos que
sinalizaram uma mudança significativa com relação ao paradigma anterior,
segundo o qual o problema da segurança dizia respeito somente aos estados,
detentores das polícias civil e militar.
É claro que através da polícia federal, rodoviária
federal, Abin, receita e outros órgãos o governo federal atuava já no âmbito da
segurança pública, até porque a constituição lhe atribuí um espaço de atuação
legítimo no que diz respeito ao combate dos crimes federais, interestaduais e
no controle de fronteiras.
Mas o recrudescimento da criminalidade em todo país
e o aumento da sensação de insegurança da população – que passou a
considerá-la, ao lado da inflação e do desemprego um dos mais sérios problemas
nacionais – fez com que mudasse de patamar o envolvimento federal na questão:
além das inovações já citadas foram criados, entre outros projetos, a
Secretaria Nacional anti-drogas e o fundo nacional anti-drogas, e departamento
penitenciário e o fundo penitenciário nacional, o sistema infoseg, as centrais
de penas alternativas e vários outros projetos relevantes.
Ocorre que este envolvimento federal foi se dando de modo um tanto errático, ao
sabor das crises e tragédias nacionais – um “gerenciamento de pânico” em
paralelo ao que no âmbito penal os
juristas denominaram de “legislação de pânico”, entendendo com isso um processo
improvisado ao qual falta uma visão de conjunto e o encaixe com as demais
elementos do sistema.
O Ministério da Justiça abraçou boa parte dos novos
órgãos e funções criados, sem que para isso tivesse redimensionado sua
estrutura física, orçamentária e funcional, tornando-se num superministério –
no sentido de suas atribuições – por onde circulam um sem número de demandas
relativas aos índios, estrangeiros, consumidores, presídios, policiais,
minorias, direitos humanos e toda sorte de questões envolvendo os problemas
legais do governo e seus administradores. Para lidar com todos estes problemas,
apesar da criação da Senasp e do Depen, o Ministério continua a contar com um
só titular, uma só Secretaria Executiva, um só chefe de gabinete, uma só
consultoria jurídica, um só prédio e os acréscimos de funcionários e recursos
não foram suficientes para compensar as novas atividades. Projetos relevantes
de todas as áreas ficam atolados no meio da precária estrutura administrativa
do Ministério da Justiça, não obstante o empenho de seus quadros. Por conta
desta precariedade estrutural o governo federal é obrigado a recorrer ao Pnud e
outros órgãos do sistema ONU para contratar pessoal qualificado e angariar
recursos para projetos cruciais, como o de treinamento de policiais e do
Infoseg, que até hoje não foram incorporados ao orçamento permanente do
Ministério.
Ao mesmo tempo – por conta das virtudes dos seus
ocupantes e das inúmeras funções já acumuladas pelo Ministério da Justiça – o
Gabinete de Segurança Institucional da presidência – que outrora desempenhava
apenas a função de uma casa militar para cuidar da segurança pessoal do
presidente e familiares - foi
concentrando sob sua coordenação diversos órgãos e recursos importantes, como a
Secretaria Nacional Anti-drogas e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
entre outros.
As seqüelas desta engenharia institucional de
improviso são muitas e de conseqüências funestas para a gestão da segurança
pública: a Agência de Inteligência (que por lei é impedida de fazer escutas !)
não se reporta diretamente ao presidente mas a um intermediário com status de
ministro; a política nacional com relação às drogas está dividida entre dois
órgãos, cuja disputa já causou a queda de um ministro e do secretário nacional
anti-drogas; o ministro da justiça, envolto em inúmeras e diferentes questões,
não controla efetivamente a polícia federal e rodoviária federal e não tem
tempo suficiente na agenda para se dedicar com o afinco necessário à gestão
cotidiana da segurança; não há um espaço nem quem articule ações preventivas em
conjunto com outros ministérios da área social do governo; a inteligência está
fracionada entre a Abin e a Polícia Federal; tanto a Senasp quanto a Academia
Nacional de Polícia da Polícia Federal e a Abin realizam cursos e treinamentos
sem que haja uma estrutura que procure coordenar as iniciativas entre elas; há
uma disputa interna velada sobre quem administrará o Infoseg, disputado também
pela Polícia Federal.
Independentemente de quem venha a ganhar as próximas
eleições, a criação de um eventual futuro Ministério da Segurança Pública
representaria a continuidade do avanço do envolvimento federal na esfera da
segurança, aglutinando secretarias e recursos hoje divididos pelo Ministério da
Justiça e Gabinete de Segurança Institucional.
A criação do novo ministério dedicado exclusivamente
ao tema da segurança daria também oportunidade para a escolha de um novo tipo
de titular, um gestor não necessariamente ligado aos escritórios privados de
direito criminal, como tem sido a praxe, já que o problema fundamental não é de
ordem legal mas de gestão eficiente de recursos do sistema federal de
segurança. A elevação de status da questão da segurança contribuiria também para
preservar os já escassos recursos destinados à área, sistematicamente
contingenciados pela fazenda nos últimos anos. Contribuiria também para buscar
novos recursos através de empréstimos internacionais, para estimular a vinda de
profissionais qualificados da administração pública federal que querem
trabalhar num órgão prestigiado, para coordenar a administração dos três fundos
nacionais. Dentro da estrutura deste ministério, à Senasp caberia o papel de
coordenar efetivamente as ações das Polícias Federal e Rodoviária Federal, e
uma nova Secretaria seria adicionada ao Ministério, para cuidar exclusivamente
de ações de prevenção e articulação com outros órgãos dentro de fora do
governo.
Um Ministério da Segurança Pública, se não é a
panacéia para todos os problemas de segurança do país, contribuiria para dar
maior organicidade a uma política nacional de segurança, com planejamento e
estrutura adequados à dimensão da tarefa, em substituição à colcha de retalhos
que é o atual sistema federal de segurança, que a rigor não pode ser chamado
sequer de sistema. É o crime, ao final, quem se beneficia com nossa falta de
recursos e organização.
Tulio Kahn, 40, é doutor em ciência política pela
USP e coordenador de análise e planejamento da SSP/SP. Foi diretor do Departamento
Nacional de Segurança Pública e um dos idealizadores do Plano Nacional de
Segurança Pública do governo FHC
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