O Fórum Brasileiro de Segurança Pública acaba de divulgar a última
edição de seu anuário, com dezenas de tabelas trazendo números sobre os mais
diversos aspectos da segurança no país. A imprensa cobriu parte do material
relatando as grandes e principais tendências, mas muita coisa interessante
ficou de fora das análises. Gostaria de dar destaque a alguns dados que não
foram percebidos ou foram pouco explorados, mas que são dignos de nota, no
contexto em que se prepara um plano nacional de segurança. Como o material é
extenso, atenho me ao principal:
- As mortes decorrentes de intervenção policial representam em média 6%
do total de homicídios dolosos do país. Não admira, num pais onde apenas um
terço dos entrevistados na pesquisa do FBSP/ Datafolha discorda da frase “bandido
bom é bandido morto”. Em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso
do Sul a porcentagem de mortos em confronto mais do que dobra e em São Paulo
triplica. Isto se deve em parte à queda absoluta dos homicídios dolosos em São
Paulo e Rio. Mas é algo que os governos podem controlar através de políticas
públicas. Reduzir mortes em alguns estados significa hoje controlar a própria
polícia. Conseguindo isso, atacamos 6% do problema.
- Quem acompanha as séries históricas de criminalidade em São Paulo pode
observar que existe uma relação inversa entre os registros de roubo de veículos
e os registros de tráfico de drogas, que são um indicador de atividade policial,
mais do que de consumo. Assim, quando as ocorrências de tráfico crescem, as de roubo de veículo caem e vice-versa. Os
dados do anuário sugerem que esta relação inversa entre roubo de veículos e
tráfico ocorre também ao nível espacial: os estados com maiores registros de
tráfico (atividade policial) são em geral os com menores registros de roubo de
veículo (R= -.27). Sugestão? Polícia presente na rua diminui o crime...
- Foi-se o tempo em que briga no Nordeste acabava com um cabra puxando a
peixeira. As armas de fogo substituíram as armas brancas e isto explica em
parte o aumento dos homicídios em toda região. Em São Paulo 55% das mortes por
agressão tem a arma de fogo como instrumento e a média nacional é de 71,6%. Todo
o Nordeste está bem acima destes patamares. Em Alagoas, a porcentagem é de 87%,
79% na Bahia, 82% no Ceará, 81% na Paraíba, 75% em Pernambuco, 82% no Rio
Grande do Norte e em Sergipe. O Nordeste enriqueceu e com isso aumentaram:
roubos, insegurança, armas em circulação e homicídios, nesta sequência. Diminuir
a quantidade de armas em circulação no Nordeste deve ser prioridade de qualquer
plano de combate aos homicídios que se preze. Em longo prazo, o ideal é
diminuir o roubo, a insegurança e a demanda por arma...no curto prazo, focar na
arma é o método mais rápido e eficaz.
- Os Fundos Nacionais de Segurança Pública, Penitenciário e Antidrogas
tem objetivos importantes como construir ou reformar os presídios, equipar as policiais
estaduais e guardas municipais, patrocinar as ações preventivas contra drogas e
assim por diante. No período 2011 a 2015, somando os três fundos federais, chegamos
a algo em torno de 870 milhões por ano. A Polícia Rodoviária Federal, somente
com gastos em pessoal e encargos, gasta algo em torno de 3 bilhões por ano. Em
outras palavras, os 3 fundos somados representam um terço dos gastos com
pessoal da Polícia Rodoviária Federal...que aliás faz um relevante trabalho na
prevenção a roubo de carga, roubo de veículos, acidentes, etc. O ponto é: os
valores dos fundos são irrisórios, frente a outros gastos e frente a enormidade
do problema de segurança do país.
- Circula por aí há tempos um daqueles números misteriosos, comuns na
área de segurança, que afirma que no Brasil apenas 3% dos homicídios são
esclarecidos. O anuário traz para alguns Estados o número de inquéritos de
homicídios relatados com indiciamentos ou homicídios esclarecidos. Se
compararmos com o total de homicídios em 2014, a taxa de esclarecimento de
homicídios estaria em torno de 20% (12 mil esclarecidos num universo de 59 mil
homicídios). Não é nenhuma maravilha – o DHPP de São Paulo chegou a esclarecer
65% dos homicídios – mas é bem melhor do que os 3% divulgado por aí. Aumentar
as taxas de esclarecimento dos deve ser outra meta óbvia do futuro plano
nacional de combate aos homicídios proposto pelo governo federal. Cerca de 30
mil presos ainda estão sob custódia das polícias, que deixam de investigar para
tomar conta de presos. Zerar este número seria uma boa maneira de começar a
aumentar as taxas de esclarecimento. (Aproveitando o ensejo, dos homicídios
esclarecidos, 1575 apontaram crianças ou adolescentes como autores, o que dá
13% do total de homicídios esclarecidos e 2,6% do total de homicídios.)
Muitos outros dados curiosos podem ser extraídos mas vou deixar para um
próximo artigo pois o material já é suficiente para esboçar algumas
contribuições para o tal “Plano”, com algumas metas concretas e factíveis em
médio prazo, tais como:
·
Reduzir a
porcentagem nacional de mortes decorrentes de intervenção policial no total de
homicídios dolosos de 6 para 3%. Isto implicaria num esforço para reduzir a
letalidade especialmente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
·
Reduzir de
71 para 60% o percentual nacional de uso de arma de fogo nos homicídios.
Implicaria em ações de desarmamento – por exemplo, pagamento de prêmios aos
policiais e guardas municipais por arma apreendida – especialmente nos Estados
do Nordeste, onde este percentual é superior à média.
· Triplicar,
no mínimo, os recursos dos Fundos Nacionais de Segurança, Penitenciário e
Antidrogas, passando de 1 para 3 bilhões anuais (um bilhão para cada um,
digamos). Pelo menos para igualar o que se gasta com pessoal na PRF. Os
recursos destes fundos podem ser investidos prioritariamente em projetos que
impactem na redução dos homicídios: investimento em perícia, melhoria da
investigação, diminuição no consumo de álcool e drogas, desarmamento, maior policiamento
ostensivo nos dias, horários e locais de maior incidência, etc.
· Aumentar
de 20 para 30% a taxa nacional de esclarecimento de homicídios. Existem
inúmeras maneiras de contribuir para isto: zerar o número de presos nos
distritos, melhorar o disque denúncia (recompensas), melhorar a preservação do
local de crime, criar bancos de dados balísticos, de DNA, digitais,
fotográficos, contratação e treinamento de novas equipes, criação de delegacias
especializadas, etc.
Com os dados disponíveis, é possível conhecer o
tamanho do problema, ver onde se concentra, estabelecer metas e benchmarks
factíveis. O anuário e dezenas de outras fontes e pesquisas estão aí para
subsidiar as políticas públicas. Os pesquisadores fazem a sua parte, coletando,
organizando e analisando as evidências disponíveis. Às vezes, extrapolando seu papel,
sugerindo “agendas” e “políticas” para os governos.
Mas que raios o Donald Trump do título tem que
ver com isso? Bem, sinto informar a todos que agora vamos ter que resolver por
aqui mesmo nossos problemas. Já não dá mais para fugir pra Miami.
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