Tulio Kahn[1]
Nos últimos sete anos, o número de adolescentes brasileiros internados em unidades socioeducativas despencou. Segundo dados do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), havia 23.424 adolescentes do sexo masculino em regime de internação em 2018. Em 2024, esse número caiu para 11.506 — uma redução de mais de 50% no período. O dado chama atenção não apenas pela magnitude, mas também pela consistência da tendência. A curva é descendente ano após ano, com pequenas oscilações e uma discreta alta em 2024 (+2% em relação ao ano anterior). O ritmo de queda foi mais acentuado entre 2019 e 2021, coincidindo com o período de pandemia, quando o confinamento social e a redução de atividades presenciais influenciaram praticamente todos os indicadores sociais do país.
Essa redução, porém, não é um fenômeno isolado do
Brasil. Pesquisas internacionais apontam que o envolvimento de jovens em crimes de rua e delitos violentos vem caindo há
mais de duas décadas em diversos países — dos Estados Unidos e do Reino
Unido à Finlândia, Alemanha e Canadá. O estudo “The International Youth
Crime Drop”, publicado em 2025 por Dirk Oberwittler e Robert Svensson,
mostra que a maioria das nações desenvolvidas registrou declínio contínuo nas
taxas de crimes juvenis desde meados dos anos 1990. Os autores atribuem essa
transformação a uma combinação de fatores sociais, culturais e tecnológicos: mudanças nos hábitos de lazer dos jovens,
aumento do tempo gasto em atividades virtuais, melhoria da supervisão familiar
e da educação, e reformas nos sistemas de justiça juvenil.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de jovens
em centros de detenção caiu cerca de 75%
entre 2000 e 2022, segundo o relatório Youth Justice by the Numbers,
do Sentencing Project. O mesmo movimento foi observado no Reino Unido, onde o
Youth Justice Board aponta uma redução de 70% nas internações desde 2010. Na
Finlândia, pesquisas baseadas em delinquência autorrelatada mostram que o
percentual de adolescentes envolvidos em furtos ou brigas graves caiu pela
metade entre 1995 e 2020. Na Alemanha e na Escandinávia, as prisões e
condenações de jovens também se reduziram de forma consistente. A Organização
Mundial da Saúde (OMS), em seu relatório sobre violência juvenil, destaca ainda
que as taxas de homicídio entre pessoas
de 15 a 29 anos diminuíram globalmente entre 2000 e 2019, sobretudo em
países de renda média e alta.
A pergunta inevitável é: o que está por trás desse fenômeno?
As interpretações são múltiplas. Alguns
pesquisadores falam em mudança
geracional de valores, com jovens menos inclinados a comportamentos de
risco. Outros enfatizam a “revolução
digital”: adolescentes passam hoje muito mais tempo em redes sociais,
jogos e interações online, o que reduz a exposição a situações de conflito e à
vida nas ruas.
Há também o argumento institucional: sistemas de justiça mais humanizados e
políticas de alternativas à internação,
que priorizam medidas educativas, mediação e justiça restaurativa em lugar do
confinamento. E, finalmente, há fatores estruturais: maior escolarização, envelhecimento demográfico e queda geral da
criminalidade violenta em boa parte dos países.
No Brasil, o declínio das internações juvenis
coincide com mudanças importantes na legislação e na gestão das medidas
socioeducativas. Em 2012, foi aprovada a Lei 12.594, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). A norma
introduziu princípios de educação,
reintegração e responsabilização progressiva, estabelecendo que a
internação deve ser usada apenas em último caso e por prazo determinado. Desde
então, diversos estados passaram a
investir em medidas alternativas, como liberdade assistida, prestação de
serviços à comunidade e acompanhamento psicossocial. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seu Relatório sobre a
Redução de Adolescentes em Medidas Socioeducativas (2024), afirma que parte
da queda no número de internações se deve a mudanças institucionais e à aplicação mais ampla de medidas não
privativas de liberdade.
Há também fatores sociais e comportamentais que
parecem convergir para o mesmo sentido. O Brasil vive, assim como outros
países, uma mudança nos hábitos de
lazer e sociabilidade dos jovens. A pesquisa TIC Kids Online Brasil, realizada pelo Comitê Gestor da Internet
(CGI.br) e pelo Cetic.br, mostra que 93%
das pessoas de 9 a 17 anos usavam a internet em 2023, e 83% tinham perfis em redes sociais. Isso
significa que a vida dos adolescentes hoje se passa, em grande medida, no ambiente virtual — onde a interação
social é mediada por telas, e não por praças, esquinas ou festas. Embora não
haja evidência direta de que isso reduza crimes, a relação é plausível: menos tempo em espaços públicos pode
significar menos exposição a conflitos e delitos de rua.
Paralelamente, o Brasil atravessa uma transição demográfica acelerada. A
população jovem (de 10 a 19 anos) representa hoje uma fatia menor do total do
que há 20 anos. Segundo o IBGE, a idade mediana do brasileiro subiu de 29 anos
em 2010 para 35 em 2022. Há, portanto, menos
adolescentes em proporção à população, o que naturalmente reduz o
contingente potencial de envolvidos em infrações. Outro ponto importante é a mudança educacional. Nos últimos 15
anos, o Brasil registrou avanços discretos, mas consistentes, em indicadores de
escolarização. A taxa de distorção
idade-série no ensino médio caiu de 22,2% em 2022 para 19,5% em 2023
(INEP). A frequência escolar entre
jovens de 15 a 17 anos também aumentou, e programas de transferência de
renda e ampliação do ensino médio integral contribuíram para manter
adolescentes mais tempo na escola.
A literatura criminológica é unânime em reconhecer
a educação como um fator protetivo
contra o envolvimento em atividades ilegais. Jovens que permanecem mais tempo
na escola têm menos disponibilidade temporal e maior inserção em redes sociais
institucionalizadas. Há, ainda, a melhoria
gradual da supervisão familiar. A mesma pesquisa TIC Kids Online revela
que 61% dos responsáveis afirmam
supervisionar o uso de celulares e internet dos filhos, impondo regras e
restrições. Esse dado pode parecer trivial, mas traduz um movimento mais amplo
de controle social informal, que
inclui maior presença dos pais e percepção de risco nas ruas.
Enquanto o número de adolescentes internados cai, o
Atlas da Violência 2024,
produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostra
que o país registrou em 2023 a menor
taxa de homicídios dos últimos 11 anos: 21,2 por 100 mil habitantes. O
recorte por faixa etária confirma que também há redução de homicídios entre jovens, embora o Brasil ainda
ostente índices elevados em comparação internacional. Esse ambiente menos
violento tende a se refletir em menor
recrutamento juvenil para práticas criminosas, especialmente em
periferias urbanas. Com menos homicídios e menos oportunidades no mercado
ilícito, há também menos motivos para o
jovem ingressar ou permanecer no ciclo infracional.
As evidências, embora fragmentadas, compõem um
quadro coerente. O Brasil parece reproduzir, com algum atraso e peculiaridades,
a tendência internacional de declínio
do crime juvenil e da punição severa de adolescentes infratores.
Mas há também novos desafios. O deslocamento da vida juvenil para o ambiente
virtual abre espaço para outras formas de risco — crimes cibernéticos,
exploração sexual online, fraudes e cyberbullying. O “declínio da delinquência
de rua” não significa o fim da delinquência juvenil; apenas sua transformação. O dado de 2024 — leve
alta de 2% nas internações — serve como alerta. Pode ser apenas uma oscilação,
mas também pode indicar saturação da
tendência de queda. Fatores econômicos, aumento da desigualdade e o
enfraquecimento de políticas de prevenção social podem reverter parte dos
ganhos recentes.
O desafio, segundo o próprio CNJ, é consolidar o paradigma da socioeducação,
garantindo que as medidas alternativas não sejam vistas como “impunidade”, mas
como responsabilização inteligente,
que evita o estigma e reduz a reincidência. Em paralelo, é preciso compreender
que a redução do encarceramento juvenil
é apenas um sintoma de mudanças mais amplas na juventude brasileira —
mudanças culturais, tecnológicas e institucionais que alteram profundamente a
forma como o país lida com seus adolescentes.
Referências
- Conselho
Nacional de Justiça (2024). Relatório sobre a Redução de Adolescentes
em Medidas Socioeducativas (2013–2022).
- IPEA
e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2024). Atlas da Violência 2024.
- Comitê
Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) / Cetic.br (2023). TIC Kids
Online Brasil 2023.
- Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo
Escolar 2023 / Indicadores Educacionais.
- Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeções da População
2024.
- Oberwittler, D.; Svensson, R. (2025). The
International Youth Crime Drop: Evidence and Explanations. Max Planck
Institute for the Study of Crime, Security and Law.
- Sentencing Project (2024). Youth Justice by
the Numbers.
- World Health Organization (2023). Youth
Violence Fact Sheet.
[1]
Este artigo foi escrito com ajuda do ChatGPT.
O processo de escrita que desenvolvi funciona da seguinte maneira: para cada tema crio um novo projeto e alimento o LLM com dados e textos sobre o tema
de interesse. Em seguido, faço vários questionamentos sobre o material,
buscando lacunas, hipóteses, referencias teóricas, etc. Ao final do processo,
que pode levar dias, peço para o Chat resumir os principais pontos da
discussão, destacando questões que considero relevantes. Faço finalmente uma
revisão do texto, retirando ou mudando parágrafos e expressões. O processo de escrita com estas novas ferramentas mudou
radicalmente: cabe ao “autor” alimentar o sistema com dados e fontes
confiáveis, fazer as perguntas certas, orientar o caminho da conversa e ter bom
senso para avaliar e editar partes do texto sugerido. O processo é parecido com
o de um orientador acadêmico ( o co-autor) que ajuda seu orientado (LLM) na
redação do artigo.
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