quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Violência contra a mulher: o retrato dos números brasileiros (2015–2025)

 


Existem alguns indicadores de violência contra a mulher publicados pelo Ministério da Justiça e pelo CNJ que podem ser monitorados mensalmente. O Sinesp/MJ divulga a quantidade de feminicídios bem como o número de homicídios, por gênero. O CNJ por sua vez traz os dados de novos casos de feminicídio, violência doméstica e medidas protetivas concedidas.

Neste estudo analisamos as séries anuais entre 2020 e 2025, com dados projetados para o segundo semestre a fim de tonar a comparação possível. A tabela abaixo traz os dados absolutos, que nos permitem fazer algumas ilações interessantes.

Indicadores de Violência contra a mulher – 2020 a 2025 (anualizado)

Ano

Vítimas de feminicídio - Sinesp

Homicídios Femininos (exceto feminicídio) - Sinesp

Casos Novos de feminicídio - CNJ

Casos Novos Violência Doméstica - CNJ

Medidas Protetivas - CNJ

2020

1347

2666

3728

607078

336135

2021

1365

2690

5153

696270

462674

2022

1508

2955

6250

756522

580722

2023

1449

2593

7524

917420

741634

2024

1460

2317

8834

1002642

860541

2025

1421

2134

9972

1077226

930420

variação

               5.49

-             19.95

           167.49

             77.44

           176.80

 

Entre 2015 e 2019, o país viveu uma escalada dos feminicídios, com crescimento superior a 10% ao ano. A partir de 2020, a curva se estabilizou em torno de 1,3 a 1,5 mil vítimas anuais. Para 2025, com dados projetados, a expectativa é de 1.421 casos, mantendo o padrão dos últimos anos. Já os homicídios de mulheres sem classificação como feminicídio apresentaram declínio na casa dos 20% no período. De quase 2.7 mil em 2020, devem fechar 2025 em torno de 2,1 mil. A queda sugere uma reclassificação de casos, com maior enquadramento de assassinatos de mulheres como feminicídio. Essa mudança aparece claramente na relação entre feminicídios e homicídios comuns: em 2020, metade dos assassinatos de mulheres eram tipificados como feminicídio; em 2025, dois terços já o são.

No campo judicial, a resposta mostra crescimento expressivo. Os processos novos de feminicídio no CNJ saltaram de 3,7 mil em 2020 para quase 10 mil em 2025. Chama a atenção, portanto que o número de casos novos de feminicídio no Judiciário é superior ao número de feminicídios e mesmo superior aos feminicídios e mulheres vítimas de homicídios, somados. Em 2025, o número de casos novos de feminicídio na Justiça é cerca de 3 vezes maior que os feminicídios registrados nas polícias. Mesmo que a Justiça classifique inicialmente todos os homicídios de mulheres como feminicídio, o numero de casos abertos ainda é  maior. Isso  acontece porque o dado do CNJ mostra a intensidade da resposta judicial, que pode ser múltipla para cada vítima. O CNJ provavelmente contabiliza todos os processos judiciais que mencionam a tipificação e não vítimas. Tratam-se de hipóteses que precisam ser aprofundadas, mas chama a atenção a discrepância entre os dados da polícia e da justiça.

Assim como os casos novos de feminicídio, os casos de violência doméstica estão explodindo na justiça: mais de 1 milhão de novos processos por ano, chegando a 1,07 milhão em 2025, mantido o ritmo no segundo semestre. Note-se contudo que, dentro desse universo, os feminicídios representam menos de 0,2% e essa proporção vem caindo. Em 2020, eles eram 0,22% dos casos; em 2025, apenas 0,13%. Essa tendência reforça a ideia de que os feminicídios são a face mais extrema e letal de um fenômeno muito mais amplo. Mostra também que, se do ponto de vista absoluto os feminicídios estão estabilizados na casa dos 1500/ano, como proporção dos casos de violência doméstica os feminicídios estão caindo.

Estima-se que apenas de 50 a 70 vítimas de feminicídio contavam com medidas protetivas no momento da morte (Anuário FBSP), uma porcentagem pequena e que sugere a ineficiência da medida. Embora as medidas estejam hoje mais acessíveis, raramente chegam às mulheres em risco letal ou falham na sua execução prática. Mas para avaliar a eficiência seria preciso também estimar quantos feminicídios foram evitados com as medidas protetivas, algo muito mais complexo.  Em 2020, apenas 55% dos casos de violência doméstica resultavam em medidas protetivas; em 2025, esse índice sobe para 86%. A expansão mostra que o Judiciário tem ampliado significativamente a cobertura protetiva, tornando a resposta mais abrangente. Esta expansão das medidas protetivas poderia explicar talvez a diminuição relativa dos feminicídios, frente ao crescimento dos casos de violência doméstica?

O retrato é duplo: de um lado, observamos avanços inegáveis na classificação de feminicídio, na judicialização dos casos e na concessão de medidas protetivas em casos de violência doméstica; de outro, uma grande dificuldade em identificar as mulheres com maior risco letal.  Em muitos casos de feminicídio, não existe sequer um boletim de ocorrência anterior de violência.

O desafio para os próximos anos é conseguir identificar estes casos de risco e que não chegam ao conhecimento do sistema de justiça criminal e integrar ainda mais polícia, justiça e rede de atendimento social, garantindo que os instrumentos legais e as políticas de atendimento se traduzam em proteção efetiva e em redução real da letalidade contra mulheres.




 

Anexos:

Tabela Consolidada (2015–2025)

Ano

Feminicídios – SINESP

Homicídios Femininos (exceto feminicídio)

Processos de Feminicídio (CNJ)

Violência Doméstica (CNJ)

Medidas Protetivas (CNJ)

2015

535

2877

-

-

-

2016

691

3106

-

-

-

2017

986

3820

-

-

-

2018

1176

3378

-

-

-

2019

1328

2615

-

-

-

2020

1347

2666

3728

607078

336135

2021

1365

2690

5153

696270

462674

2022

1508

2955

6250

756522

580722

2023

1449

2593

7524

917420

741634

2024

1460

2317

8834

1002642

860541

2025

1421

2134

9972

1077226

930420

 

 

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