Existem alguns indicadores de violência contra a mulher publicados pelo
Ministério da Justiça e pelo CNJ que podem ser monitorados mensalmente. O
Sinesp/MJ divulga a quantidade de feminicídios bem como o número de homicídios,
por gênero. O CNJ por sua vez traz os dados de novos casos de feminicídio,
violência doméstica e medidas protetivas concedidas.
Neste estudo analisamos as séries anuais entre
2020 e 2025, com dados projetados para o segundo semestre a fim de tonar a
comparação possível. A tabela abaixo traz os dados absolutos, que nos permitem
fazer algumas ilações interessantes.
Indicadores de Violência contra a mulher – 2020
a 2025 (anualizado)
Ano |
Vítimas de feminicídio - Sinesp |
Homicídios Femininos (exceto feminicídio) -
Sinesp |
Casos Novos de feminicídio - CNJ |
Casos Novos Violência Doméstica - CNJ |
Medidas Protetivas - CNJ |
2020 |
1347 |
2666 |
3728 |
607078 |
336135 |
2021 |
1365 |
2690 |
5153 |
696270 |
462674 |
2022 |
1508 |
2955 |
6250 |
756522 |
580722 |
2023 |
1449 |
2593 |
7524 |
917420 |
741634 |
2024 |
1460 |
2317 |
8834 |
1002642 |
860541 |
2025 |
1421 |
2134 |
9972 |
1077226 |
930420 |
variação |
5.49 |
- 19.95 |
167.49 |
77.44 |
176.80 |
Entre 2015 e 2019, o país viveu uma escalada
dos feminicídios, com crescimento superior a 10% ao ano. A partir de 2020, a
curva se estabilizou em torno de 1,3 a 1,5 mil vítimas anuais. Para 2025, com
dados projetados, a expectativa é de 1.421 casos, mantendo o padrão dos últimos
anos. Já os homicídios de mulheres sem classificação como feminicídio
apresentaram declínio na casa dos 20% no período. De quase 2.7 mil em 2020,
devem fechar 2025 em torno de 2,1 mil. A queda sugere uma reclassificação de
casos, com maior enquadramento de assassinatos de mulheres como feminicídio.
Essa mudança aparece claramente na relação entre feminicídios e homicídios
comuns: em 2020, metade dos assassinatos de mulheres eram tipificados como
feminicídio; em 2025, dois terços já o são.
No campo judicial, a resposta mostra crescimento expressivo. Os processos novos de feminicídio no CNJ saltaram de 3,7 mil em 2020 para quase 10 mil em 2025. Chama a atenção, portanto que o número de casos novos de feminicídio no Judiciário é superior ao número de feminicídios e mesmo superior aos feminicídios e mulheres vítimas de homicídios, somados. Em 2025, o número de casos novos de feminicídio na Justiça é cerca de 3 vezes maior que os feminicídios registrados nas polícias. Mesmo que a Justiça classifique inicialmente todos os homicídios de mulheres como feminicídio, o numero de casos abertos ainda é maior. Isso acontece porque o dado do CNJ mostra a intensidade da resposta judicial, que pode ser múltipla para cada vítima. O CNJ provavelmente contabiliza todos os processos judiciais que mencionam a tipificação e não vítimas. Tratam-se de hipóteses que precisam ser aprofundadas, mas chama a atenção a discrepância entre os dados da polícia e da justiça.
Assim como os casos novos de feminicídio, os
casos de violência doméstica estão explodindo na justiça: mais de 1 milhão de
novos processos por ano, chegando a 1,07 milhão em 2025, mantido o ritmo no
segundo semestre. Note-se contudo que, dentro desse universo, os feminicídios
representam menos de 0,2% e essa proporção vem caindo. Em 2020, eles eram 0,22%
dos casos; em 2025, apenas 0,13%. Essa tendência reforça a ideia de que os
feminicídios são a face mais extrema e letal de um fenômeno muito mais amplo.
Mostra também que, se do ponto de vista absoluto os feminicídios estão
estabilizados na casa dos 1500/ano, como proporção dos casos de violência
doméstica os feminicídios estão caindo.
Estima-se que apenas de 50 a 70 vítimas de feminicídio
contavam com medidas protetivas no momento da morte (Anuário FBSP), uma
porcentagem pequena e que sugere a ineficiência da medida. Embora as medidas
estejam hoje mais acessíveis, raramente chegam às mulheres em risco letal ou
falham na sua execução prática. Mas para avaliar a eficiência seria preciso também
estimar quantos feminicídios foram evitados com as medidas protetivas, algo
muito mais complexo. Em 2020, apenas 55%
dos casos de violência doméstica resultavam em medidas protetivas; em 2025,
esse índice sobe para 86%. A expansão mostra que o Judiciário tem ampliado
significativamente a cobertura protetiva, tornando a resposta mais abrangente. Esta
expansão das medidas protetivas poderia explicar talvez a diminuição relativa
dos feminicídios, frente ao crescimento dos casos de violência doméstica?
O retrato é duplo: de um lado, observamos avanços inegáveis na classificação de feminicídio, na judicialização dos casos e na concessão de medidas protetivas em casos de violência doméstica; de outro, uma grande dificuldade em identificar as mulheres com maior risco letal. Em muitos casos de feminicídio, não existe sequer um boletim de ocorrência anterior de violência.
O desafio para os próximos anos é conseguir
identificar estes casos de risco e que não chegam ao conhecimento do sistema de
justiça criminal e integrar ainda mais polícia, justiça e rede de atendimento
social, garantindo que os instrumentos legais e as políticas de atendimento se
traduzam em proteção efetiva e em redução real da letalidade contra mulheres.
Anexos:
Tabela Consolidada (2015–2025)
Ano |
Feminicídios – SINESP |
Homicídios Femininos (exceto
feminicídio) |
Processos de Feminicídio (CNJ) |
Violência Doméstica (CNJ) |
Medidas Protetivas (CNJ) |
2015 |
535 |
2877 |
- |
- |
- |
2016 |
691 |
3106 |
- |
- |
- |
2017 |
986 |
3820 |
- |
- |
- |
2018 |
1176 |
3378 |
- |
- |
- |
2019 |
1328 |
2615 |
- |
- |
- |
2020 |
1347 |
2666 |
3728 |
607078 |
336135 |
2021 |
1365 |
2690 |
5153 |
696270 |
462674 |
2022 |
1508 |
2955 |
6250 |
756522 |
580722 |
2023 |
1449 |
2593 |
7524 |
917420 |
741634 |
2024 |
1460 |
2317 |
8834 |
1002642 |
860541 |
2025 |
1421 |
2134 |
9972 |
1077226 |
930420 |
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