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sexta-feira, 19 de dezembro de 2025
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
A Nova Fronteira do Punitivismo: Quando Mentir sobre Facção Vale Mais que o Crime
Tulio Kahn e Bruno Kowalsky
Nas últimas semanas, assistimos a
um interminável vai e vem de versões do projeto de lei contra o crime
organizado relatado ao Congresso pelo deputado Guilherme Derrite, até então Secretário de
Segurança Pública do Estado de São Paulo. O texto tramitou agora para o Senado
onde recebeu até o momento nada menos que 43 adendos, o que mostra o interesse
e a complexidade dos temas tratados.
Neste artigo, pretendemos discutir
de modo específico um dos pontos que
chama atenção na redação proposta. Referimo-nos ao novo tipo penal criado pelo
projeto de lei, originalmente no seu art. 3º, inciso VII, segundo o qual
constitui crime “alegar falsamente pertencer a organização criminosa
ultraviolenta, paramilitar ou milícia que pratique ato previsto no art. 2º
desta Lei, com o fim de obter qualquer tipo de vantagem ou de intimidar
terceiros.” O projeto do Senado manteve
a criminalização de quem “alega falsamente pertencer a uma facção criminosa ou
milícia privada”, no art. 2º-B, VII, porém agora deslocada para a seção de crime de
“Favorecimento” e punida com “oito a
quinze anos de reclusão”.
A lógica para o deslocamento é
difícil de entender mas o Senado, aparentemente, avalia que o domínio criminoso
no Brasil não se sustenta apenas por armas e dinheiro, mas também por um
repertório de medo que se propaga socialmente. Nessa visão, toda vez que alguém
diz “eu sou do PCC” ou “sou da milícia tal” para intimidar uma vítima, mesmo
sem pertencer ao grupo, estaria contribuindo para ampliar o raio de influência
da facção e, assim, talvez, favorecendo sua atuação?
Esse entendimento, todavia, transforma uma percepção subjetiva — o uso
oportunista do nome de grupos criminosos — em conduta penal de altíssima
gravidade. O problema se torna mais evidente quando se analisa o restante do
artigo 2º-B, que reúne condutas típicas de favorecimento: abrigar membros reais
de facções, fornecer locais para prática de crimes, repassar informações
estratégicas, financiar operações, distribuir propaganda de aliciamento. Todas
essas ações têm efeito material na preservação ou expansão da organização criminosa.
Dentro desse conjunto, a falsa alegação é uma espécie de corpo estranho: não
oferece abrigo, não facilita a prática de crimes, não provê recursos, não
fortalece redes logísticas. Trata-se de um ato de fala. A simples declaração de
pertencimento, verdadeira ou não, passa a ser tratada como conduta penal com
pena superior à de diversos crimes violentos.
Embora a inclusão sob o rótulo de
“favorecimento” indique uma mudança simbólica em relação ao texto originalmente
aprovado na Câmara, os problemas de proporcionalidade permanecem. A pena agora
prevista, de oito a quinze anos, continua substancialmente superior àquela
destinada a condutas de natureza semelhante no Código Penal brasileiro. O
exemplo mais evidente é o crime de “falsa identidade”, que pune com três meses
a um ano de detenção quem se atribui identidade falsa para obter vantagem. A
estrutura lógica é a mesma: o agente mente sobre quem é, para intimidar, ganhar
algo ou manipular a situação a seu favor. É difícil sustentar que uma mentira
envolvendo o nome de uma facção — ainda que dita em contexto de crime violento,
seja intrinsecamente mais grave do que falsificar a própria identidade para
ludibriar o Estado ou terceiros. A hierarquia penal construída pelo Senado
rompe com essa coerência interna: o que normalmente seria acessório vira
núcleo, e o acessório passa a ter peso de crime maior.
Além disso, o dispositivo
aprovado cria um paradoxo jurídico. O agravamento simbólico decorrente da falsa
alegação pode levar a uma pena maior do que aquela aplicada ao agente que
realmente integra a facção e pratica crimes graves sem mencionar sua filiação.
A punição da declaração pode superar a punição do fato. Do ponto de vista da
política criminal, isso significa deslocar o foco do dano concreto — o crime cometido,
a violência empregada, o prejuízo causado — para o discurso utilizado pelo
autor. Criminaliza-se a palavra com mais rigor do que a ação, o que raramente
encontra respaldo em experiências de
enfrentamento ao crime organizado.
A leitura do dispositivo
demonstra tratar-se de tipo aberto, o que, já de princípio, pode ser bastante
perigoso em matéria penal. Afinal, em que contexto, exatamente, a alegação de
pertencimento à organização criminosa constitui crime? Essa pergunta é
importante porque convida a pensar em manifestações de criminosos que se dão na
fase de atuação ostensiva da polícia, em momentos de captura, por exemplo, ou então,
em declarações emitidas espontaneamente pelo próprio sujeito na intenção de
intimidar a sua vítima.
O debate se torna ainda mais
complexo quando se observa a realidade prisional brasileira. Muitos presos,
sobretudo os sem vínculos prévios com facções, acabam sendo pressionados a
declarar filiação no momento da custódia para fins de sobrevivência. Essas identidades
forçadas fazem parte da dinâmica dos estabelecimentos penais. Não há critérios
objetivos e não existe cadastro, hierarquia formalizada ou sistemas de admissão
no RH das facções. Nesse contexto, distinguir pertencimento verdadeiro de falso
torna-se um desafio probatório significativo. E, em um sistema em que a palavra
da vítima ou da autoridade policial pode ser o principal elemento de convicção,
há um risco real de condenações fundadas em interpretações subjetivas,
alimentadas pelo medo e pela desordem das condições de prisão e abordagem.
A jurisprudência recente do
Superior Tribunal de Justiça já reconheceu os limites da prova oral isolada de
agentes públicos, justamente por conta das distorções que ela pode produzir.
Isso cria um tensionamento inevitável com o novo tipo penal, cuja consumação
depende quase inteiramente da palavra: a palavra do acusado, a palavra do
policial que relata a abordagem, a palavra da vítima que afirma ter ouvido uma
ameaça. A lei exige que o Judiciário determine quando se trata de alegação
falsa ou verdadeira, mas não fornece critérios objetivos para essa distinção, especialmente
em um ambiente em que o pertencimento a facção não é verificável
documentalmente. Diga-se de passagem que a proposta de um banco de dados
nacional de faccionados, também proposta na lei, enfrentará problemas
semelhantes.
Esses problemas não desaparecem
simplesmente ao reposicionar o dispositivo para a categoria de “favorecimento”
uma vez que permanece a pergunta: favorece-se realmente uma facção criminosa ao
mentir sobre pertencer a ela? A resposta, do ponto de vista dogmático, é
negativa. Não há ganho operacional para a facção; não há financiamento,
logística, apoio estratégico ou proteção institucional. O impacto é puramente
retórico. E, embora o poder simbólico das facções seja real, é questionável se
o Direito Penal deve tratar esse simbolismo como objeto de punição máxima.
Isso não significa ignorar a
relevância e a urgência do enfrentamento às facções criminosas no Brasil. O
Senado acerta ao reconhecer que o país vive um estágio avançado de
criminalidade organizada, estrutural e territorial. O texto aprovado contém
avanços significativos: novas possibilidades de cooperação internacional,
reforço à recuperação de ativos, medidas assecuratórias mais ágeis, melhor
definição dos crimes de dominação territorial. Esses dispositivos dialogam com
práticas bem-sucedidas em outros países, que enxergam no rastreamento
financeiro, na inteligência integrada e na atuação interinstitucional a
verdadeira espinha dorsal do combate ao crime organizado.
O problema é que, ao lado dessas
inovações maduras, persistem escolhas legislativas que parecem mais guiadas por
impulsos simbólicos do que por evidências empíricas. A falsa alegação de
pertencimento é uma delas. O legislador cria um tipo penal que pode gerar
encarceramento massivo de autores periféricos, aumentar litígios judiciais,
inflar estatísticas artificiais de “favorecimento” e, paradoxalmente, reforçar
a autoridade simbólica dos grupos que se pretende combater.
A tramitação no Senado oferece um
momento valioso para calibrar a resposta penal. A sociedade brasileira clama
por um sistema de segurança mais eficiente, menos permeável ao crime organizado
e mais capaz de proteger territórios vulneráveis. A construção desse caminho
não exige apenas rigor, mas sobretudo precisão. Uma lei que pune discursos com
mais severidade que atos pode satisfazer a ansiedade imediata por respostas
contundentes, mas dificilmente produzirá os resultados estruturais que o país
necessita. O desafio do parlamento, agora, é separar a retórica do fato, o
símbolo da ação e a política criminal eficaz da política criminal meramente
reativa.
sexta-feira, 28 de novembro de 2025
Nos Rastros do Crime: Como o Brasil Muda e Como o Crime Muda com Ele
O conjunto de artigos reunidos neste volume examina, sob diferentes ângulos, a complexa e mutável relação entre crime, sociedade e instituições no Brasil contemporâneo. Ao longo das últimas duas décadas, o país vivenciou transformações profundas no campo econômico, demográfico e tecnológico, ao mesmo tempo em que assistiu a mudanças igualmente significativas nos padrões de criminalidade e na atuação dos sistemas de justiça e segurança pública. Os textos aqui apresentados procuram lançar luz sobre essas mudanças a partir de análises empíricas, comparações internacionais e reflexões críticas sobre políticas públicas.
A venda no formato e-book, na Amazon:
Nos Rastros do Crime https://a.co/d/8Xn53OQ
A obra percorre temas variados, mas integrados por uma lógica comum: compreender o crime como fenômeno social multifacetado, cujas variações dependem tanto de fatores estruturais — como ciclos econômicos, transições demográficas e transformações culturais — quanto de dinâmicas institucionais e tecnológicas. Assim, ao analisar desde o impacto das operações na Cracolândia até as flutuações da confiança do consumidor e seu efeito sobre os roubos, os textos ilustram como a criminalidade responde a incentivos econômicos, regulações jurídicas, práticas policiais e formas de sociabilidade.
Diversos capítulos buscam justamente desafiar interpretações intuitivas ou simplistas. O declínio das internações juvenis, por exemplo, é aqui examinado como parte de uma tendência global de queda da delinquência juvenil, associada a mudanças geracionais no comportamento, digitalização da vida cotidiana, ampliação de políticas socioeducativas e envelhecimento populacional. Da mesma forma, a aparente super-representação de vítimas jovens nos registros de estupro é reinterpretada à luz de vieses de notificação e das transformações legislativas ocorridas desde 2009, revelando como as estatísticas podem espelhar não apenas o crime em si, mas também a forma como o Estado mede, classifica e reage a ele.
Outro eixo recorrente nos ensaios é a importância crescente da economia do crime, da tecnologia e dos mercados ilícitos. A expansão dos golpes digitais, a adoção de criptoativos em esquemas de lavagem de dinheiro e a crescente sofisticação das fraudes evidenciam que o crime se adapta às oportunidades econômicas e à infraestrutura tecnológica disponível. Textos sobre o USDT, sobre a cadeia financeira dos crimes com criptomoedas e sobre o rendimento típico de roubos, furtos e estelionatos demonstram como a criminalidade contemporânea opera em escalas antes impensáveis.
O livro também dedica atenção às instituições: o papel do Judiciário na formulação de políticas públicas, a heterogeneidade das respostas estaduais à criminalidade, o impacto de programas como o Muralha Paulista, e a persistência de desafios ligados à violência policial e às mortes em confronto. Esses temas reforçam que a segurança pública não é apenas uma questão de policiamento, mas de coordenação interinstitucional, boa gestão e capacidade analítica.
Por fim, os ensaios abordam questões estruturais, como o crime organizado territorial, a governança de mercados ilícitos e as limitações da legislação penal atual. Ao discutir essas dimensões, a obra oferece insumos concretos para o debate público e para o desenho de políticas baseadas em evidências — algo cada vez mais necessário em um campo marcado por paixões, ideologias e diagnósticos superficiais.
Este livro é, acima de tudo, um convite à análise crítica. Em tempos de discursos simplificados, ele reafirma a importância dos dados, do rigor metodológico e da reflexão informada. Ao integrar estatísticas oficiais, pesquisas de vitimização, literatura acadêmica e experiências comparadas, os ensaios aqui reunidos ajudam a desenhar um retrato mais preciso — e mais útil — do crime e da segurança pública no Brasil.
Tulio Kahn
São Paulo, novembro de 25
quarta-feira, 26 de novembro de 2025
A definição de organização criminosa ultraviolenta: acertos e problemas
A discussão sobre o aprimoramento das definições legais de criminalidade organizada volta a ganhar centralidade no debate público, especialmente diante da crescente capacidade de facções brasileiras de exercer controle territorial, impor normas próprias e desafiar a presença do Estado em áreas urbanas e periféricas. A proposta aprovada estes dias pela Camara dos Deputados de criação de uma categoria específica de “organização criminosa ultraviolenta”, popularmente denominada facção criminosa, insere-se nesse esforço de atualizar o marco jurídico a um fenômeno que evoluiu de maneira acelerada nas últimas três décadas. No entanto, como ocorre em outros momentos da história legislativa, a decisão foi tomada apressadamente após a letal operação da polícia no Rio de Janeiro, enquanto o sucesso da iniciativa depende de precisão técnica e alinhamento com o que a literatura especializada já consolidou sobre grupos criminais de alta complexidade.
A Lei 12.850/2013, atualmente responsável por regular o conceito de organização criminosa no país, define essas entidades como associações de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenadas, com divisão de tarefas, permanência e finalidade de obter vantagem mediante crimes de maior gravidade ou transnacionais. Essa estrutura mínima, inspirada em experiências estrangeiras e em recomendações internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado, cumpriu um papel importante ao estabelecer um padrão jurídico relativamente claro. Mas o avanço das facções brasileiras deslocou o debate para outra dimensão: não se trata apenas de combater redes criminosas, mas de enfrentar grupos com capacidade de governança coercitiva e influência territorial, um traço observado também na Itália das organizações mafiosas e na Colômbia dos grupos armados organizados.
É nesse ponto que a nova proposta legislativa tenta avançar ao destacar elementos ausentes da definição de 2013. A ênfase na violência como mecanismo central de atuação, no controle territorial ou social, e nos ataques a serviços e infraestrutura essenciais aproxima a legislação da realidade empírica documentada por pesquisadores brasileiros e internacionais. Facções consolidadas como o CV utilizam coerção sistemática, mecanismos de regulação comunitária e ações estratégicas para influenciar populações e autoridades, criando uma zona cinzenta entre criminalidade e exercício informal de poder.
Por outro lado, a redação original do novo dispositivo incorre em problemas que, se não forem corrigidos, podem gerar efeitos contrários ao desejado. A redução do número mínimo de integrantes para três pessoas, a ausência de referência a estrutura organizada ou divisão de tarefas e a possibilidade de enquadramento mesmo em condutas ocasionais elevam significativamente o risco de hiperpenalização. Na prática, embora as facções visadas pela lei cheguem a agregar milhares de membros, pequenos grupos que cometem crimes violentos — mas que não possuem permanência, cadeia de comando ou capacidade de governança — poderiam ser tratados como facções ultraviolentas. Esse alargamento conceitual esvazia o próprio sentido da categoria que se pretende criar.
Não é coincidência que países com experiências duras no enfrentamento a grupos territorializados optaram por definições rigorosas. A legislação italiana exige capacidade de intimidação duradoura e domínio territorial; a colombiana diferencia grupos armados organizados de quadrilhas eventuais justamente pela permanência, pelo comando hierárquico e pela capacidade de controle populacional. Esses elementos estruturais são essenciais para evitar confundir um arranjo criminoso eventual com organizações dotadas de racionalidade coletiva, logística própria, fontes regulares de financiamento e poder de coerção sobre comunidades inteiras.
Ao harmonizar as contribuições da literatura criminológica com as exigências jurídicas já estabelecidas no Brasil, uma definição mais precisa de facção criminosa deveria preservar os critérios estruturais da Lei 12.850 — número mínimo de quatro integrantes, divisão de tarefas e permanência — e incorporar elementos que caracterizam grupos territorializados, como a intimidação sistemática, a imposição de normas às populações locais, os ataques estratégicos à infraestrutura estatal e a capacidade de restringir a atuação do Poder Público. Poderia haver menção ao uso de armamento de uso restrito, outra característica distintiva das facções. Essa combinação permitiria distinguir de forma clara facções consolidadas de grupos episódicos, fortalecendo o arcabouço legal sem criar efeitos colaterais indesejados.
Com base numa definição precisa baseada em características e modus operandi típicos, é desnecessária a listagem de condutas criminosas, cuja lista jamais será exaustiva. A Lei 12.850/2013 evitou esta armadilha, ao filtrar genericamente crimes puníveis com 4 ou mais anos de prisão. O novo projeto do Marco Legal, volta a incorrer no erro de tentar listar condutas específicas.
A atualização da legislação é necessária e urgente e o texto avança em inúmeros pontos. Mas, como reconhece a experiência internacional, a precisão conceitual é condição fundamental para qualquer avanço. Definir mal é punir mal. E, diante de organizações que aprenderam a combinar violência instrumental, governança informal e economia criminosa de larga escala, o Brasil precisa de uma definição que esteja à altura do desafio, sem cair em definições ambíguas que confundem mais do que esclareçem.
segunda-feira, 17 de novembro de 2025
O conceito de Crime Organizado Territorial
O fenômeno do crime organizado no Brasil passou, nas últimas décadas, por uma transformação que exige novas categorias analíticas e jurídicas para ser compreendido. As facções que hoje controlam territórios urbanos, administram economias paralelas e exercem funções coercitivas sobre populações inteiras já não se enquadram no modelo tradicional de organizações criminosas previsto pela Lei 12.850/2013. Tampouco podem ser adequadamente descritas pela noção de “organizações ultraviolentas” utilizada pelo PL 5.582/2025, que recorre a uma linguagem descritiva, porém pouco precisa do ponto de vista sociológico e jurídico. Entendo que a solução conceitual mais consistente é adotar a categoria de Crime Organizado Territorial (COT), que não apenas reflete melhor o funcionamento real dessas estruturas, como também se alinha a tendências internacionais consolidadas, especialmente os modelos da Itália e da Colômbia.
O ponto de partida é reconhecer que nem toda organização criminosa opera territorialmente ou exerce poder armado com impacto direto sobre o cotidiano de comunidades. O crime organizado brasileiro contemporâneo combina três dimensões que, juntas, configuram um fenômeno distinto: a ocupação coercitiva de territórios, a presença de capacidade militar relevante e a substituição parcial de funções estatais. O controle territorial não é apenas um traço operacional: ele produz uma forma de “governança criminosa”, em que normas, regulações e formas de resolução de conflitos passam a ser determinadas por atores ilegais, e não por instituições públicas. A capacidade bélica, por sua vez, garante a sustentabilidade desse domínio. Ela permite confrontos diretos com forças de segurança, impede a entrada do Estado em áreas inteiras e sustenta um ambiente de coerção constante. Finalmente, a substituição funcional do Estado – por meio da cobrança de taxas, do controle de serviços, ou da gestão da segurança local – confere a esses grupos um poder sociopolítico que ultrapassa em muito a criminalidade comum.
Essas dimensões do COT aproximam o caso brasileiro das experiências italianas com a associazione mafiosa e da legislação colombiana sobre Grupos Armados Organizados. A Itália foi pioneira ao reconhecer que a máfia não podia ser tratada como mera associação criminosa. O diferencial não estava no tipo de crime cometido, mas na capacidade do grupo de dominar territórios e produzir sujeição coletiva. A definição italiana consagrou a ideia de que o poder mafioso é um poder social: ele se sustenta pela força de intimidação, pela ocupação de espaços e pela produção de silêncio e consentimento forçado. A Colômbia, por sua vez, enfrentou grupos com capacidade militar significativa, que não apenas participavam de economias ilícitas, mas disputavam governança de áreas inteiras. Lá, tornou-se necessário distinguir organizações criminosas comuns das estruturas com controle territorial armado – os chamados GAO. Essa distinção permitiu ao Estado colombiano formular políticas coerentes com o risco real de cada grupo, evitando tratar fenômenos estruturais como se fossem equivalentes a redes criminosas convencionais.
No Brasil, contudo, a Lei 12.850 não distingue essas modalidades. Ela agrupa, sob o mesmo rótulo de “organização criminosa”, grupos empresariais dedicados à lavagem de dinheiro, redes de corrupção administrativa, quadrilhas especializadas em crimes financeiros e estruturas territorializadas que desafiam diretamente o Estado. Do ponto de vista sociológico, essa homogeneidade é problemática: ela impede que se reconheça que certos grupos exercem, de fato, uma soberania informal sobre porções do território nacional. Do ponto de vista das políticas públicas, essa ausência de distinção gera respostas equivocadas: a polícia investiga grupos territorializados com a mesma lógica de investigação usada para crimes econômicos; o sistema penitenciário não diferencia presos com potencial de comando extramuros; o Ministério Público enfrenta desafios em justificar medidas excepcionais porque a lei não explicita a natureza diferenciada desses grupos; e o próprio Estado não consegue organizar suas estratégias de enfrentamento por níveis de risco.
O PL 5.582/2025 acerta ao reconhecer a existência de organizações criminosas ultraviolentas, mas falha ao transformar essa percepção em categoria jurídica aplicável. O termo “ultraviolento” captura a dimensão bélica, mas ignora a territorialidade e a governança criminosa – justamente os elementos que diferenciam organizações convencionais de estruturas que competem com o Estado pelo controle social. Além disso, a categoria proposta pelo PL carece de critérios objetivos e verificáveis. A noção de “ultraviolência” é vaga, depende de interpretação e não garante segurança jurídica. O resultado é que medidas duras propostas pelo PL podem ser aplicadas de forma excessivamente ampla ou, ao contrário, de modo insuficiente, já que o texto não define com precisão o fenômeno que visa enfrentar.
É justamente por isso que o conceito de Crime Organizado Territorial se mostra superior. Ele incorpora os principais consensos da sociologia do crime organizando: a centralidade do território, a relevância do poder armado e a natureza governante da atividade criminosa. Ele permite distinguir, de forma clara e objetiva, organizações que atuam como empresas ilegais daquelas que atuam como poderes paralelos. Ao adotar territorialidade como eixo analítico, essa tipificação identifica os grupos que representam ameaça direta à soberania estatal, à segurança pública e à vida cotidiana das comunidades.
A mudança necessária, nesse sentido, é aperfeiçoar a Lei 12.850/2013 para incluir essa nova categoria. Alterar essa lei, ao inves de criar um novo diploma legal, garante coerência sistêmica, já que ela é a base de todo o arcabouço jurídico contra o crime organizado. Também permite utilizar a infraestrutura jurídica já consolidada, como os instrumentos de investigação, as medidas cautelares e os mecanismos de cooperação internacional. Incluir o COT dentro da lei atual é, portanto, um modo de atualizar o marco jurídico sem fragmentar ainda mais o sistema, evitando sobreposição de normas, conflitos de interpretação e lacunas operacionais. Dentro da própria Lei 12.850, é possível prever penas, procedimentos jurídicos e tratamentos penais, etc. distintos aos casos que se enquadrem como COT.
Ao comparar a definição sociológica de COT com as referências internacionais e com a legislação brasileira atual, fica claro que a incorporação desse conceito não é apenas um aperfeiçoamento técnico, mas uma necessidade analítica e institucional. O Brasil enfrenta grupos que exercem controle territorial armado, administram economias locais, confrontam o Estado e produzem formas de governança criminosa comparáveis àquelas observadas em regiões sob influência mafiosa ou paramilitar. A Lei de Organizações Criminosas, tal como se encontra, não reconhece essa especificidade. O PL 5.582, embora avance na descrição do problema, tampouco oferece uma categoria suficientemente robusta. A adoção do Crime Organizado Territorial preencheria essa lacuna, permitindo compreender e enfrentar o núcleo mais perigoso do crime organizado brasileiro com maior precisão, racionalidade e legitimidade democrática.
quinta-feira, 6 de novembro de 2025
“Do baile à cobrança: a mutação do tráfico e o apoio a operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro”
Há alguns anos, moradores de favelas cariocas frequentemente manifestavam simpatia — ou pelo menos tolerância — com as organizações de tráfico que passavam a funcionar como provedores informais de bens culturais, econômicos e sociais: bailes funk, facilitação do acesso a serviços alternativos, proteções comunitárias, empregos informais.
Em troca, as facções armadas ganhavam legitimidade local, ou pelo menos minimizavam a resistência popular à sua presença. No entanto, uma guinada parece estar em curso: diante de uma série de ações policiais de larga escala — como a gigantesca operação realizada nos complexos do Complexo do Alemão e da Complexo da Penha, no Rio de Janeiro — pesquisas de opinião apontam suporte majoritário das comunidades às intervenções do estado.
Esse fenômeno levanta hipóteses de causalidade: será que o tráfico mudou de perfil, se aproximando do tipo de comportamento das milícias, com cobrança de taxas por internet, gás, TV a cabo, transporte alternativo, barracas e “pedágios” sobre moradores e comerciantes? E será essa mudança econômica-operacional parte da razão pela qual o apoio às operações policiais aumentou entre os próprios moradores das favelas? Ao mesmo tempo, quais alternativas explicativas devem ser consideradas? Este artigo reúne evidências recentes e avalia a hipótese da “milicialização do tráfico”, juntamente com contrapontos e hipóteses alternativas.
Apoio crescente às operações policiais
Os dados mais recentes sobre a megaoperação de 28 outubro 2025 — que deixou cerca de 121 mortos — revelam que, contrariamente à expectativa de retaliação massiva ou medo generalizado, a população do Rio de Janeiro manifestou apoio significativo às ações policiais. Uma pesquisa do instituto AtlasIntel apontou 62% de aprovação entre os moradores do Rio, e esse índice saltou para cerca de 88% entre os habitantes de favelas. (Financial Times) Esse apoio elevado entre moradores de favelas — território tradicionalmente controlado por facções do tráfico — é um dado relevante para a hipótese aqui estudada.
A hipótese: tráfico que vira milícia e erosão do “consenso comunitário”
A hipótese aqui é que, nos últimos anos, parte das facções — em especial no Rio de Janeiro — passou por uma metamorfose que as aproxima do modus operandi das milícias: controle territorial, cobrança de taxas ou tarifas clandestinas, oferta ou imposição de serviços (internet, TV a cabo pirata, gás, transporte clandestino), e ação coercitiva contra quem se opõe. Essa “milicialização” implicaria menos tolerância social e mais resistência popular — o que tornaria mais viável o apoio às operações policiais como expressão de desejo por alguma liberação desse domínio armado.
Há várias evidências que empurram nessa direção:
-
Estudos recentes, como o relatório Fundação Heinrich Böll “Milícias, facções e precariedade: um estudo comparativo…” demonstram que em territórios periféricos do Rio, as dinâmicas de controle de facções e milícias variam, mas em muitos casos há imposição de taxas e restrições à economia formal local. (ResearchGate)
-
Em termos de tráfico, há relatos jornalísticos de que a facção Comando Vermelho (CV) passou a atuar também na cobrança de serviços de internet/clandestina (“gatonet”), gás, transporte e outros “pedágios” em favelas que antes estavam sob disputas ou sob controle direto.
Sob esse prisma, o contrato social entre comunidade e grupo armado muda: deixa de haver apenas tolerância ou cumplicidade tácita para haver cobrança direta, desgaste econômico e opressão territorial. Isso pode gerar ressentimento, cansaço ou desejo de intervenção do estado e assim explicar o apoio elevado às operações.
Evidências contrárias e hipóteses alternativas
Entretanto, embora a hipótese seja atraente, ela não explica tudo sozinha e há fatores que precisam ser ponderados.
Cansaço com a violência armada em geral: A população de favelas convive cotidianamente com tiroteios, mortes, barricadas, interrupções de serviços e alto nível de insegurança. Esse desgaste pode levar a uma mudança de preferência: “prefiro policiais a confronto permanente”. Ou seja, o apoio à operação pode refletir o desejo de restauração da ordem — independentemente da origem do controle violento.
Limitações de amostragem e definição: Os percentuais altos (≈ 88% de apoio entre favelas) são frequentes em notas de imprensa, mas os relatórios completos de metodologia não estão publicamente detalhados no momento. Portanto, não se pode afirmar com segurança que essa é uma tendência estável ou generalizável para todas as favelas.
Síntese e implicações
Consolidando os pontos acima: os dados mostram um apoio significativo às operações policiais entre moradores de favelas cariocas. A hipótese é que isso decorre, ao menos em parte, da transformação dos grupos de tráfico em organizações de tipo miliciano (com cobrança de serviços, taxas, regime de dominação territorial).
Se o tráfico realmente adota práticas de milícia transformando o “serviço” em “cobrança”, então a lógica comunitária muda: o que antes podia ser tolerado como “mal menor” agora passa a ser percebido como exploração, e o Estado (ou a polícia) passa a ser visto como agente de intervenção desejado. Esse descolamento entre morador e grupo armado pode explicar o apoio maior às operações.
Por outro lado, se o apoio é principalmente reflexo de trauma, insegurança, espetáculo midiático ou esperança de mudança, então o aspecto da cobrança direta (internet, gás, transporte) talvez seja menos decisivo do que a urgência por ordem e pacificação.
Em conclusão, a mudança de opinião nas favelas cariocas que agora se inclina mais favoravelmente à intervenção estatal pode refletir uma importante virada: não apenas o desejo de “polícia no lugar do crime”, mas, mais profundamente, o esgotamento de um modelo de dominação que deixou de render benefícios visíveis à comunidade e passou a extrair deles. Essa mudança, se verdadeira, exige que políticas públicas aproveitem a janela de oportunidade para consolidar presença estatal, serviço público e economia formal como antídotos à “milicialização” e à repetição cíclica de violência e controle armado.
terça-feira, 4 de novembro de 2025
O Cerco Invisível: Como Capturar Chefes do Crime Organizado em Territórios Armados sem Entrar em Guerra
Tulio Kahn
O cumprimento de um mandado de prisão, algo que
deveria ser rotineiro em qualquer Estado de Direito, transformou-se no Brasil
em uma das missões mais arriscadas e complexas da segurança pública. Em parte
das grandes cidades brasileiras, sobretudo no Rio de Janeiro, lideranças criminosas vivem entrincheiradas
em comunidades sob domínio armado, onde o Estado só entra sob fogo
cerrado. Executar a lei nesses territórios significa desencadear uma pequena
guerra urbana.
Não é um problema exclusivamente brasileiro.
México, Colômbia, El Salvador, África do Sul e Filipinas enfrentam dilemas
semelhantes: como capturar chefes do crime organizado que se escondem entre civis,
cercados por comparsas com armamento pesado e ampla rede de proteção? A
resposta, aprendida a duras penas por diversos países, é que o confronto direto é a pior das estratégias
— e que inteligência, paciência e precisão valem mais do que blindados e
helicópteros.
Em cidades como o Rio, a execução de ordens
judiciais depende da avaliação do risco tático — se a incursão for em área
conflagrada, a operação exige aparato bélico, autorização judicial específica e
comunicação prévia ao Ministério Público, conforme determinou o Supremo
Tribunal Federal na ADPF 635.
A letalidade
das operações é alta: só em 2023,
foram 3.151 mortos por intervenções policiais no país, a maior parte em regiões
de vulnerabilidade social. Pesquisas indicam que tais incursões raramente
resultam na prisão do alvo principal, mas em perdas humanas e desgaste
institucional.
Poucos países enfrentaram organizações criminosas
tão poderosas quanto a Colômbia
dos anos 1990. O confronto entre o Estado e os cartéis de Medellín e Cali
ensinou que nenhuma força é eficaz sem
inteligência. Após a sangrenta “Operación Orión”, em 2002, Medellín
abandonou incursões massivas e investiu em vigilância aérea, interceptações e
infiltrações. O resultado foi a captura de dezenas de líderes com mínimo confronto direto.
A Itália
seguiu caminho semelhante. As prisões de chefes da máfia siciliana, como
Bernardo Provenzano e Matteo Messina Denaro, foram precedidas por anos de
investigações financeiras e de monitoramento de familiares e intermediários.
Nenhum tiro foi disparado. “Desarticular o entorno é mais eficaz que invadir o
reduto”, dizia Giovanni Falcone, magistrado assassinado pela Cosa Nostra em 1992,
cuja metodologia inspirou a atual Direzione Investigativa Antimafia (DIA).
Nos Estados Unidos, o FBI adota abordagem
combinada: task forces interagências, infiltrações e capturas em locais
neutros, como estradas ou estacionamentos. A prioridade é preservar a vida e a integridade
processual, evitando confrontos em áreas civis.
No Brasil, o desafio é mais intricado porque as
facções controlam espaços densamente
povoados. Nesses territórios, o cumprimento de um mandado de prisão não
é apenas uma questão policial, mas política,
social e moral.
O Estado enfrenta um dilema: se não entra, perde
autoridade; se entra, pode ser acusado de massacre. Por isso, ao invez de
apenas reduzir o danos das operações, como pretende a ADPF 365, propomos uma
mudança tática baseada em “capturas
inteligentes” — operações de precisão baseadas em dados e inteligência,
em vez de ocupações generalizadas e pontuais. Elas envolvem monitorar rotinas,
rastrear comunicações, identificar deslocamentos previsíveis e agir fora da
área conflagrada. Essa tática, já usada por unidades de elite, reduz
drasticamente os riscos. El algum momento o criminoso sai da comunidade e nesta
ocasião ele fica vulnerável.
Tecnologias como drones, reconhecimento facial, análise de rede social, escutas telefônicas,
leitores de placas, etc. vêm
ampliando a capacidade de identificar essas oportunidades. A militarização do
enfrentamento, embora popular entre parte da opinião pública, como mostraram as
pesquisas no caso da Operação Contenção no Complexo do Alemão, mostrou-se ineficaz e contraproducente: 121
mortos, nenhum deles alvo dos mandados, 4 policiais mortos, vazamento da
operação, interrupção das aulas e dos negócios, falhas na pericia das cenas de
crime.
Para além de 40 anos da política do “sobe-mata-desce”
no Rio de Janeiro, que não parece ter contribuído para a expansão do CV, o caso
mexicano é também emblemático desta estratégia: após quase duas décadas de
“guerra ao narcotráfico”, o país acumula mais de 360 mil mortos e o poder dos cartéis permanece intacto (INEGI,
2023).
“O Estado não pode competir com o crime no terreno
da brutalidade”, alerta o jurista Eugenio Zaffaroni. “A vitória só vem quando o
Estado se mostra racional, não quando se iguala ao inimigo.” Essa racionalidade
exige mudança cultural: ver a
captura não como ato heroico de combate, mas como resultado de um processo de
inteligência, paciência e profissionalismo.
A experiência internacional sugere que cumprir mandados de prisão com eficiência e
legalidade depende menos de armamento e mais de integração, dados e
legitimidade perante a comunidade. Um plano estratégico nacional poderia seguir
cinco eixos:
- Unidades especializadas em capturas de alto
risco,
pequenas e interagências, com treinamento em operações de precisão,
negociação e proteção de provas;
- Integração entre polícias e órgãos de
inteligência financeira, para atingir as redes econômicas das
facções;
- Uso de tecnologia e vigilância discreta, priorizando capturas fora
das áreas dominadas;
- Critérios de sucesso baseados % de cumprimento
de mandados de prisão, e não em número de mortes, prisões ou
apreensões;
- Transparência e controle social, com auditoria independente
e prestação de contas após cada operação.
O modelo aproxima-se da lógica das forças antimáfia
italianas e das task forces do FBI, adaptadas à realidade brasileira. Não se
trata de proteger criminosos, mas de profissionalizar
o Estado.
O Brasil vive uma encruzilhada. De um lado, a
pressão pública por resultados rápidos e o apoio às incursões que acumulam
corpos; de outro, o imperativo de respeitar o Estado de Direito e o princípio da eficiência . Cumprir um
mandado de prisão em uma favela não pode ser uma sentença de morte — nem para o
criminoso, nem para o morador, nem para o policial. O verdadeiro desafio é restaurar
o monopólio legítimo da força sem
transformar o cumprimento da lei em guerra.
As soluções existem e estão documentadas em
experiências internacionais. Falta decisão política para implementá-las,
coragem institucional para reformar estruturas arcaicas e visão estratégica
para enxergar além do confronto. Enquanto o Estado insistir em invadir
territórios com blindados, o crime continuará a conduzir seus negócios como de
costume, substituindo facilmente os mortos do dia anterior.
sábado, 1 de novembro de 2025
O que o “modelo fundamental” diz sobre a eleição presidencial de 2026
Em meio a cenários incertos, pesquisas que oscilam e disputas narrativas, há uma ferramenta que tenta prever o resultado das eleições antes mesmo do início da campanha: o modelo fundamental. Diferente das sondagens de intenção de voto, ele não mede preferências momentâneas, mas parte da ideia de que os eleitores julgam o governo sobretudo por fatores estruturais, como o desempenho da economia, a popularidade presidencial e o tempo que um partido já está no poder.
O modelo fundamental, amplamente usado nos Estados Unidos e na Europa, vem sendo adaptado ao Brasil por cientistas políticos que buscam entender como variáveis como aprovação líquida, crescimento do PIB e fadiga partidária influenciam o voto no candidato governista — o chamado incumbente.
A lógica é simples: governos bem avaliados e que entregam crescimento tendem a ser premiados nas urnas; já partidos que permanecem muito tempo no poder enfrentam um “cansaço eleitoral”, perdendo apoio mesmo com a economia estável.
Como funciona o modelo
Na sua forma mais direta, o modelo parte de uma equação que relaciona a votação esperada do governo com esses três fatores: a aprovação líquida (diferença entre aprovação e reprovação), o crescimento do PIB e o número de mandatos consecutivos do partido. Cada um desses elementos tem um peso médio, estimado com base em estudos internacionais e na experiência brasileira.
De acordo com a literatura, um ponto percentual a mais de aprovação líquida costuma render entre 0,6 e 0,8 ponto percentual a mais de votos para o candidato do governo. Já o PIB, quando cresce, também ajuda: cada ponto a mais tende a adicionar algo entre 1 e 1,5 ponto percentual. O efeito da fadiga, por outro lado, é negativo — em média, dois pontos a menos a cada mandato seguido do mesmo partido.
Esses números vêm de décadas de estudos em diversos países, mas o modelo pode ser recalibrado com dados nacionais. Quando se faz isso com as eleições brasileiras de 1989 a 2022, surgem nuances interessantes: a economia, por si só, não explica tanto quanto a percepção política do seu desempenho. Em outras palavras, o que importa não é apenas se o PIB cresce, mas se os eleitores sentem que a vida está melhorando.
O caso brasileiro
Rodando o modelo com dados das nove eleições presidenciais brasileiras, o resultado é coerente com a intuição popular. A aprovação do governo aparece como o principal determinante da votação, enquanto a fadiga partidária pesa muito mais do que em outros países. Cada mandato consecutivo adicional reduz, em média, quase oito pontos percentuais do voto do governo — um efeito poderoso. Já o PIB, embora importante, tem impacto estatisticamente fraco, provavelmente por se confundir com a popularidade do presidente.
O que esperar de 2026
Partindo de um cenário moderado — aprovação líquida de +5 pontos, PIB crescendo 1,8%, e uma fadiga de dois mandatos consecutivos (já que Lula e o PT retornaram ao poder em 2023, depois de quatro governos anteriores entre 2003 e 2016) —, o modelo projeta que o incumbente deve obter cerca de 38% dos votos válidos no primeiro turno de 2026.
Esse número vem da combinação de dois modelos: um teórico, baseado em estudos internacionais, e outro empírico, calculado com os dados históricos do Brasil. O resultado é convergente: ambos indicam uma votação entre 36% e 40% — suficiente para colocar o governo na disputa, mas distante de uma vitória no primeiro turno.
O que isso significa
Em linguagem simples, o modelo diz que o governo chega competitivo, mas sem favoritismo automático. A popularidade moderada e um crescimento econômico modesto ajudam a manter uma base sólida, porém a fadiga política — o “cansaço” com o partido no poder — deve limitar o teto de votos.
Isso não significa que a eleição esteja decidida. O modelo fundamental não capta fatores de campanha, debates, escândalos ou candidaturas alternativas. Ele descreve apenas o terreno estrutural sobre o qual a eleição será disputada. Campanhas excepcionais, crises inesperadas ou alianças políticas podem mudar o quadro.
Um termômetro de contexto, não de resultado
Em resumo, o modelo fundamental não substitui as pesquisas, mas as complementa. Ele não diz quem vai ganhar, e sim qual seria o resultado “esperado” se os eleitores votassem apenas com base no desempenho do governo e no contexto econômico. Em 2026, esse cenário esperado coloca o atual presidente em torno de 38% dos votos — competitivo, mas vulnerável.
Como todo modelo, ele simplifica a realidade, mas oferece uma bússola útil: enquanto a política oscila, a matemática dos fundamentos continua mostrando que a popularidade ainda é a moeda mais valiosa em uma eleição presidencial.
Fontes consultadas:
Lewis-Beck & Stegmaier (2013), Public Choice; Fair (2009), Cowles Foundation; Powell & Whitten (1993), American Journal of Political Science; Nadeau, Lewis-Beck & Bélanger (2017), Comparative Political Studies; Fernandes (2019), Opinião Pública.
sexta-feira, 31 de outubro de 2025
A Guerra Sem Fim: A Luta Contra o Crime Organizado nas Favelas do Rio e o Impasse da ADPF 635
- Urbanização e Presença Estatal: Levar infraestrutura básica, saúde, educação e serviços públicos de qualidade para as comunidades. A ausência do Estado é o principal fator que permite às facções ocuparem o vácuo de poder.
- Geração de Renda e Oportunidades: Criar programas de qualificação profissional e incentivar o empreendedorismo local, oferecendo alternativas reais ao aliciamento de jovens pelo crime.
- Reestruturação da Polícia: Focar em um modelo de polícia comunitária e de inteligência, que construa confiança e atue na desarticulação financeira das facções, em vez de priorizar o confronto armado.
- Reforma do Sistema Prisional: Impedir que as prisões continuem sendo centros de comando do crime organizado e investir em ressocialização efetiva.
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
O fim da era dos jovens infratores? Por que as internações juvenis estão caindo no Brasil e no mundo
Tulio Kahn[1]
Nos últimos sete anos, o número de adolescentes brasileiros internados em unidades socioeducativas despencou. Segundo dados do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), havia 23.424 adolescentes do sexo masculino em regime de internação em 2018. Em 2024, esse número caiu para 11.506 — uma redução de mais de 50% no período. O dado chama atenção não apenas pela magnitude, mas também pela consistência da tendência. A curva é descendente ano após ano, com pequenas oscilações e uma discreta alta em 2024 (+2% em relação ao ano anterior). O ritmo de queda foi mais acentuado entre 2019 e 2021, coincidindo com o período de pandemia, quando o confinamento social e a redução de atividades presenciais influenciaram praticamente todos os indicadores sociais do país.
Essa redução, porém, não é um fenômeno isolado do
Brasil. Pesquisas internacionais apontam que o envolvimento de jovens em crimes de rua e delitos violentos vem caindo há
mais de duas décadas em diversos países — dos Estados Unidos e do Reino
Unido à Finlândia, Alemanha e Canadá. O estudo “The International Youth
Crime Drop”, publicado em 2025 por Dirk Oberwittler e Robert Svensson,
mostra que a maioria das nações desenvolvidas registrou declínio contínuo nas
taxas de crimes juvenis desde meados dos anos 1990. Os autores atribuem essa
transformação a uma combinação de fatores sociais, culturais e tecnológicos: mudanças nos hábitos de lazer dos jovens,
aumento do tempo gasto em atividades virtuais, melhoria da supervisão familiar
e da educação, e reformas nos sistemas de justiça juvenil.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de jovens
em centros de detenção caiu cerca de 75%
entre 2000 e 2022, segundo o relatório Youth Justice by the Numbers,
do Sentencing Project. O mesmo movimento foi observado no Reino Unido, onde o
Youth Justice Board aponta uma redução de 70% nas internações desde 2010. Na
Finlândia, pesquisas baseadas em delinquência autorrelatada mostram que o
percentual de adolescentes envolvidos em furtos ou brigas graves caiu pela
metade entre 1995 e 2020. Na Alemanha e na Escandinávia, as prisões e
condenações de jovens também se reduziram de forma consistente. A Organização
Mundial da Saúde (OMS), em seu relatório sobre violência juvenil, destaca ainda
que as taxas de homicídio entre pessoas
de 15 a 29 anos diminuíram globalmente entre 2000 e 2019, sobretudo em
países de renda média e alta.
A pergunta inevitável é: o que está por trás desse fenômeno?
As interpretações são múltiplas. Alguns
pesquisadores falam em mudança
geracional de valores, com jovens menos inclinados a comportamentos de
risco. Outros enfatizam a “revolução
digital”: adolescentes passam hoje muito mais tempo em redes sociais,
jogos e interações online, o que reduz a exposição a situações de conflito e à
vida nas ruas.
Há também o argumento institucional: sistemas de justiça mais humanizados e
políticas de alternativas à internação,
que priorizam medidas educativas, mediação e justiça restaurativa em lugar do
confinamento. E, finalmente, há fatores estruturais: maior escolarização, envelhecimento demográfico e queda geral da
criminalidade violenta em boa parte dos países.
No Brasil, o declínio das internações juvenis
coincide com mudanças importantes na legislação e na gestão das medidas
socioeducativas. Em 2012, foi aprovada a Lei 12.594, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). A norma
introduziu princípios de educação,
reintegração e responsabilização progressiva, estabelecendo que a
internação deve ser usada apenas em último caso e por prazo determinado. Desde
então, diversos estados passaram a
investir em medidas alternativas, como liberdade assistida, prestação de
serviços à comunidade e acompanhamento psicossocial. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seu Relatório sobre a
Redução de Adolescentes em Medidas Socioeducativas (2024), afirma que parte
da queda no número de internações se deve a mudanças institucionais e à aplicação mais ampla de medidas não
privativas de liberdade.
Há também fatores sociais e comportamentais que
parecem convergir para o mesmo sentido. O Brasil vive, assim como outros
países, uma mudança nos hábitos de
lazer e sociabilidade dos jovens. A pesquisa TIC Kids Online Brasil, realizada pelo Comitê Gestor da Internet
(CGI.br) e pelo Cetic.br, mostra que 93%
das pessoas de 9 a 17 anos usavam a internet em 2023, e 83% tinham perfis em redes sociais. Isso
significa que a vida dos adolescentes hoje se passa, em grande medida, no ambiente virtual — onde a interação
social é mediada por telas, e não por praças, esquinas ou festas. Embora não
haja evidência direta de que isso reduza crimes, a relação é plausível: menos tempo em espaços públicos pode
significar menos exposição a conflitos e delitos de rua.
Paralelamente, o Brasil atravessa uma transição demográfica acelerada. A
população jovem (de 10 a 19 anos) representa hoje uma fatia menor do total do
que há 20 anos. Segundo o IBGE, a idade mediana do brasileiro subiu de 29 anos
em 2010 para 35 em 2022. Há, portanto, menos
adolescentes em proporção à população, o que naturalmente reduz o
contingente potencial de envolvidos em infrações. Outro ponto importante é a mudança educacional. Nos últimos 15
anos, o Brasil registrou avanços discretos, mas consistentes, em indicadores de
escolarização. A taxa de distorção
idade-série no ensino médio caiu de 22,2% em 2022 para 19,5% em 2023
(INEP). A frequência escolar entre
jovens de 15 a 17 anos também aumentou, e programas de transferência de
renda e ampliação do ensino médio integral contribuíram para manter
adolescentes mais tempo na escola.
A literatura criminológica é unânime em reconhecer
a educação como um fator protetivo
contra o envolvimento em atividades ilegais. Jovens que permanecem mais tempo
na escola têm menos disponibilidade temporal e maior inserção em redes sociais
institucionalizadas. Há, ainda, a melhoria
gradual da supervisão familiar. A mesma pesquisa TIC Kids Online revela
que 61% dos responsáveis afirmam
supervisionar o uso de celulares e internet dos filhos, impondo regras e
restrições. Esse dado pode parecer trivial, mas traduz um movimento mais amplo
de controle social informal, que
inclui maior presença dos pais e percepção de risco nas ruas.
Enquanto o número de adolescentes internados cai, o
Atlas da Violência 2024,
produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostra
que o país registrou em 2023 a menor
taxa de homicídios dos últimos 11 anos: 21,2 por 100 mil habitantes. O
recorte por faixa etária confirma que também há redução de homicídios entre jovens, embora o Brasil ainda
ostente índices elevados em comparação internacional. Esse ambiente menos
violento tende a se refletir em menor
recrutamento juvenil para práticas criminosas, especialmente em
periferias urbanas. Com menos homicídios e menos oportunidades no mercado
ilícito, há também menos motivos para o
jovem ingressar ou permanecer no ciclo infracional.
As evidências, embora fragmentadas, compõem um
quadro coerente. O Brasil parece reproduzir, com algum atraso e peculiaridades,
a tendência internacional de declínio
do crime juvenil e da punição severa de adolescentes infratores.
Mas há também novos desafios. O deslocamento da vida juvenil para o ambiente
virtual abre espaço para outras formas de risco — crimes cibernéticos,
exploração sexual online, fraudes e cyberbullying. O “declínio da delinquência
de rua” não significa o fim da delinquência juvenil; apenas sua transformação. O dado de 2024 — leve
alta de 2% nas internações — serve como alerta. Pode ser apenas uma oscilação,
mas também pode indicar saturação da
tendência de queda. Fatores econômicos, aumento da desigualdade e o
enfraquecimento de políticas de prevenção social podem reverter parte dos
ganhos recentes.
O desafio, segundo o próprio CNJ, é consolidar o paradigma da socioeducação,
garantindo que as medidas alternativas não sejam vistas como “impunidade”, mas
como responsabilização inteligente,
que evita o estigma e reduz a reincidência. Em paralelo, é preciso compreender
que a redução do encarceramento juvenil
é apenas um sintoma de mudanças mais amplas na juventude brasileira —
mudanças culturais, tecnológicas e institucionais que alteram profundamente a
forma como o país lida com seus adolescentes.
Referências
- Conselho
Nacional de Justiça (2024). Relatório sobre a Redução de Adolescentes
em Medidas Socioeducativas (2013–2022).
- IPEA
e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2024). Atlas da Violência 2024.
- Comitê
Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) / Cetic.br (2023). TIC Kids
Online Brasil 2023.
- Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo
Escolar 2023 / Indicadores Educacionais.
- Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Projeções da População
2024.
- Oberwittler, D.; Svensson, R. (2025). The
International Youth Crime Drop: Evidence and Explanations. Max Planck
Institute for the Study of Crime, Security and Law.
- Sentencing Project (2024). Youth Justice by
the Numbers.
- World Health Organization (2023). Youth
Violence Fact Sheet.
[1]
Este artigo foi escrito com ajuda do ChatGPT.
O processo de escrita que desenvolvi funciona da seguinte maneira: para cada tema crio um novo projeto e alimento o LLM com dados e textos sobre o tema
de interesse. Em seguido, faço vários questionamentos sobre o material,
buscando lacunas, hipóteses, referencias teóricas, etc. Ao final do processo,
que pode levar dias, peço para o Chat resumir os principais pontos da
discussão, destacando questões que considero relevantes. Faço finalmente uma
revisão do texto, retirando ou mudando parágrafos e expressões. O processo de escrita com estas novas ferramentas mudou
radicalmente: cabe ao “autor” alimentar o sistema com dados e fontes
confiáveis, fazer as perguntas certas, orientar o caminho da conversa e ter bom
senso para avaliar e editar partes do texto sugerido. O processo é parecido com
o de um orientador acadêmico ( o co-autor) que ajuda seu orientado (LLM) na
redação do artigo.
segunda-feira, 13 de outubro de 2025
O Dólar Digital do Crime: como o USDT virou a nova fronteira da lavagem de dinheiro
Nos últimos anos, o Brasil assistiu ao nascimento de uma nova fronteira financeira: o mercado de criptomoedas deixou de ser um território de poucos especialistas para se transformar em uma engrenagem importante da economia digital. Segundo dados da Receita Federal do Brasil, que desde 2019 coleta informações detalhadas sobre operações com criptoativos por meio da Instrução Normativa n.º 1.888, o país registra milhões de transações mensais. Mas, por trás desse crescimento acelerado, há uma transformação silenciosa — e preocupante — no modo como o dinheiro circula fora do sistema bancário tradicional.
Os dados mais recentes revelam um cenário dividido entre moedas com papéis distintos. O BRZ, stablecoin lastreada em reais, é a mais usada em número de operações e serve como moeda doméstica, movimentando pequenas quantias entre investidores, traders e plataformas nacionais. Já o USDT, o chamado Tether, atrelado ao dólar, domina em valor total movimentado. Ele se tornou o “dólar digital” do mundo cripto, usado tanto por investidores legítimos quanto por redes criminosas para enviar valores para fora do país sem passar por bancos. O BUSD, emitido pela Binance, aparece com o maior valor médio por operação, indicando que é o preferido em transações de grande porte e perfil
institucional.
Essa especialização das moedas digitais mostra que o mercado brasileiro amadureceu, mas também revela brechas. A Instrução Normativa da Receita obriga exchanges brasileiras a informar todas as operações realizadas em suas plataformas e impõe o mesmo dever a pessoas físicas e jurídicas que utilizem corretoras estrangeiras ou façam transações diretas entre si, sempre que o volume mensal ultrapassar trinta mil reais. Com base nessas declarações, é possível mapear o tamanho e o ritmo do mercado. No entanto, as próprias regras deixam espaços onde a luz do Estado não chega. Transações menores que o limite de trinta mil reais, operações em exchanges estrangeiras sem integração com autoridades brasileiras, negociações diretas entre usuários e movimentações em plataformas descentralizadas continuam a escapar do monitoramento.
O problema não está apenas nas falhas da norma, mas na natureza das novas tecnologias. As transações on-chain, feitas diretamente na blockchain, podem saltar entre redes, passar por serviços que misturam fundos, utilizar moedas com camadas de privacidade e nunca tocar uma corretora domiciliada no país. Quando isso acontece, desaparece o elo que permitiria o rastreamento automático. As autoridades só conseguem seguir o rastro quando os valores retornam a exchanges reguladas ou são convertidos em moeda nacional.
Foi nesse vácuo que o crime organizado encontrou um terreno fértil. Durante anos, o Bitcoin foi o ativo preferido de hackers, doleiros e esquemas de pirâmide. Mas à medida que as ferramentas de rastreamento se aprimoraram e as corretoras passaram a exigir identificação de clientes, o Bitcoin deixou de oferecer o anonimato desejado. O trono foi tomado pelo USDT, a stablecoin que vale um dólar e circula livremente em redes como Ethereum, BNB Chain e, sobretudo, Tron. Relatórios recentes da Chainalysis e da TRM Labs mostram que as stablecoins já representam mais de 60% do volume de transações ilícitas no mundo, e o USDT lidera com ampla vantagem.
A preferência tem explicação simples. O Tether oferece estabilidade cambial, liquidez global e custo de transação quase nulo. Ele é aceito em praticamente todas as exchanges e pode ser convertido em reais por meio de plataformas P2P ou mesas OTC em questão de minutos. Na rede Tron, as taxas são tão baixas que grandes quantias podem ser divididas em dezenas de transferências pequenas, dificultando a identificação de padrões suspeitos. O resultado é um sistema eficiente e barato para movimentar recursos entre países, inclusive para atividades ilegais.
No Brasil, as autoridades já identificaram o uso crescente do USDT em operações de câmbio paralelo, pirâmides financeiras e lavagem de dinheiro ligada ao tráfico e ao contrabando. O ativo não é ilegal, mas sua estrutura descentralizada permite que criminosos se aproveitem da falta de controle sobre o fluxo internacional de valores. O BRZ, por outro lado, tem um papel mais local e transparente: por ser lastreado em reais e supervisionado por empresas nacionais, ele funciona como uma ponte entre o sistema bancário e o mundo cripto. Ainda assim, também pode servir de etapa intermediária para mascarar a origem de recursos antes que sejam convertidos em stablecoins internacionais.
O BUSD, que opera sob regulamentação americana, aparece como o ativo das grandes transações. Ele é usado por empresas, fundos e arbitradores que buscam liquidez em dólar sem recorrer ao sistema financeiro tradicional. A concentração de valores altos em poucas operações faz dele um instrumento eficiente para a movimentação de grandes somas, inclusive aquelas que não deveriam atravessar fronteiras sem registro.
Essas três moedas — BRZ, USDT e BUSD — criaram um ecossistema complementar. O BRZ movimenta recursos dentro do país, o USDT exporta capital e o BUSD serve como via de liquidação internacional. Para quem opera dentro da lei, esse sistema é sinônimo de agilidade e integração global. Para quem atua à margem, é a combinação perfeita para lavar dinheiro, evadir divisas e ocultar patrimônio com rapidez e discrição.
Apesar de o Brasil estar à frente de muitos países no monitoramento de criptoativos, as brechas persistem. O limite de trinta mil reais ainda é alto para um mercado digital onde é possível fracionar valores em centenas de pequenas transferências. As operações com exchanges estrangeiras continuam difíceis de rastrear, e as mesas OTC, muitas vezes usadas por investidores legítimos, funcionam sem padronização de controles. Além disso, moedas com foco em privacidade e plataformas descentralizadas escapam completamente das obrigações de reporte.
Especialistas sugerem ajustes simples, mas urgentes: reduzir o limite de reporte, regular formalmente as OTCs, exigir padrões de identificação mais rigorosos e fortalecer a cooperação internacional. Outra medida essencial é integrar os dados das blockchains com informações bancárias e de pagamentos instantâneos, cruzando as duas pontas do sistema financeiro. Só assim será possível acompanhar o dinheiro que entra e sai do universo cripto.
O avanço das criptomoedas é, sem dúvida, uma das maiores inovações financeiras deste século. Elas democratizaram investimentos, abriram caminho para a tokenização de ativos e colocaram o Brasil entre os maiores mercados do mundo. Mas essa mesma tecnologia, quando somada a brechas legais e à lentidão regulatória, também oferece uma nova ferramenta para o crime organizado. O desafio das autoridades é equilibrar vigilância e inovação, garantir transparência sem matar o potencial econômico do setor e impedir que o dólar digital se torne o próximo veículo da economia subterrânea.
Como observou um relatório recente da revista The Economist, o Tether se transformou em “a moeda dos lavadores de dinheiro modernos”. No Brasil, os números da Receita Federal e a ascensão das stablecoins confirmam a tendência: o crime está se sofisticando e aprendendo a falar a língua do blockchain. E, se o país não avançar na regulação e na cooperação internacional, o rastro desse dinheiro pode continuar correndo solto — visível na tela, mas invisível para a lei.
Fontes: Receita Federal do Brasil (IN RFB n.º 1.888/2019), Chainalysis Crypto Crime Report 2024, TRM Labs (Financial Crime in the Blockchain Era, 2024), The Economist (1843 Magazine, 2025), Investopedia (2024), Interpol (Digital Currencies and Organized Crime Briefing, 2023), Cointelegraph (2024).
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