Desde 2001 a Secretaria Nacional
de Segurança Pública realiza a pesquisa Perfil das Polícias, solicitando a
todos os Estados o preenchimento de um questionário bastante completo com informações
sobre a PM, PC – incluindo ai a Polícia Técnica - e Corpo de Bombeiros.
Os tópicos incluem informações
sobre efetivos, formação, remuneração, armas, equipamentos, estrutura organizacional
e dezenas de outros. Apesar da inconsistência eventual de algumas informações,
trata-se de um material rico e pouco explorado. A título de exemplificação do
que pode ser extraído, analiso brevemente a questão dos efetivos das Polícias
Militares nos Estados e suas subdivisões hierárquicas.
As Polícias Militares estaduais
estão organizadas em duas carreiras distintas – praças e oficiais – cada qual
subdividida em 6 graus hierárquicos. (excluindo ainda os alunos e cadetes).
Existem vantagens e desvantagens nesta forma de organização: com vários
degraus, as passagens de uma categoria à outra são mais rápidas e graduais e
argumenta-se que estimulam a progressão, evitando a permanência muito
prolongada num mesmo posto. Por outro lado, do ponto de vista das funções
executadas e qualificações exigidas, são mínimas as diferenças entre soldados e
cabos, capitães e majores, tenentes-coronéis e coronéis, de modo que existem
projetos em favor da junção de algumas categorias, de forma a reduzir a
hierarquia de 12 para algo como 6 postos. Vou deixar a análise das vantagens e desvantagens
teóricas de cada gradação para os experts em administração e recursos humanos,
até porque meu modelo predileto é de uma polícia única, de ciclo completo, com
uma só carreira, bem distante do modelo atual, independente do número de postos.
É provável que isto ocorra pelo
represamento na passagem de Capitão para Major, que exige, geralmente, a
realização de um curso especial para a progressão, onde nem sempre há vagas ou
interesse de todos na progressão. Como apenas 10% dos Capitães chegarão ao topo
da carreira, é provável que exista um desincentivo à progressão, chegada a esta
etapa.
A análise sugere também que
existem diferenças organizacionais entre as “grandes” e “pequenas” polícias e
adianto desde já que o critério classificatório foi arbitrário, ficando no
grupo das “grandes” as PMs de SP, RJ, MG, BA, CE, PR, PE e RS e as demais no
outro grupo.
A porcentagem de Coronéis tende a
ser menor nas PMs grandes, com exceção do RJ e PE. Na verdade isto vale para
quase todo o corpo de oficiais, com exceção dos 1º tenentes. Ao contrário, a
porcentagem de Cabos e Soldados tende a ser muito maior nas grandes
organizações: os Soldados representam 43,7% do efetivo nas PMs grandes, mas
apenas 26,9% do efetivo nas pequenas. Note-se que nas três maiores policiais (SP,
RJ e MG), o grupo mais frequente é o de Cabos enquanto nas demais grandes é o
de Soldados.
Por algum motivo que não me é
claro, a porcentagem de 3º Sargentos é bem maior nas pequenas organizações.
Dentro do grupo das pequenas
organizações, os menores efetivos encontram-se na Região Norte (TO, AP, AC e
RR) e o subgrupo parece compartilhar algumas características distintivas:
relativamente poucos soldados e cabos e grande porcentagem da tropa distribuída
pelas hierarquias intermediárias, entre 2º Sargentos e Capitães. Chama a
atenção também a grande porcentagem de Coronéis em RO, AP e RR.
Em suma, o Brasil é um país
bastante diverso em termos econômicos e sociais e é natural que as organizações
policiais se adaptem aos contextos locais. E é esperado também que o tamanho
absoluto da tropa influencie a distribuição dos efetivos: é relativamente mais
fácil para o Estado renumerar uma proporção maior de oficiais nas organizações
menores. O fato é que existe alguma diversidade nos modos como as PMs se organizaram
nos Estados e não existe um padrão unificado, como nas Forças Armadas, que é
nacional.
Outra forma de olhar esta
diversidade é através da razão entre a quantidade de efetivo num determinado
posto e a quantidade de efetivo no posto imediatamente abaixo. Como instituição
hierarquizada em que existe um funil seletivo, o esperado, como dito, é que
existam sempre menos efetivos no posto “acima” (ou mais no posto “abaixo”),
pois é natural que o número de “gerentes” seja inferior ao número de “gerenciados”,
que são os executores das políticas que vem de cima. Todavia, como vimos acima,
as diferenças percentuais de efetivo em cada posto acabam provocando algumas
distorções. Algumas promoções são rápidas e outras demoradas; algumas exigem
concursos e provas, outras são automáticas. Algumas policiais realizam
concursos com frequência e outras demoram. Todas estes fatores acabam
influenciando a quantidade de policiais em cada posto.
Na tabela seguinte trazemos as
razões posto acima/posto abaixo. Quando a razão é superior a 1 significa que há
mais efetivos abaixo do que acima, o que seria natural encontrar numa
organização hierárquica. Assim, por exemplo, há 3,9 vezes mais Tenente Coronéis
do que Coronéis em SP. Inversamente, uma razão menor do que 1 indica um padrão
oposto ao esperado. Novamente ilustrando, a tabela mostra que existem apenas 0,7
Soldados para cada Cabo em São Paulo. As três maiores polícias repetem este
padrão, assim como várias das pequenas organizações. Trata-se de um bom
argumento para unificar as duas categorias, uma vez que muitas PMs já tem mais
Cabos do que Soldados.
Entre os oficiais, fenômeno
semelhante parece ocorrer com os 2º e 1º Tenentes: em muitas polícias –
especialmente nas grandes - existem mais 2º Tenentes do que 1º Tenentes e, em
especial nas pequenas, mais 1º Tenentes do que Capitães. Novamente aqui, talvez
fosse o caso de aglutinar estes postos, pois, como fácil observar, existem mais
caciques do que índios em algumas destas tribos.
Por uma série de motivos, a
velocidade da progressão entre os diferentes postos é variável, fazendo com
que, em determinados períodos, haja represamentos em alguns níveis, fazendo com
que tenhamos mais “gerentes” do que “gerenciados”. Entre outras consequências,
isto pode fazer com que alguns profissionais tenham formalmente um posto,
recebam por ele, mas na prática acabem exercendo funções de nível inferior,
pois há excessos de profissionais naquele nível hierárquico e carências abaixo.
Pode também acontecer o contrário, com policiais assumindo tarefas de
hierarquia superior, mesmo sem o posto ou salário correspondente.
Como os salários são baixos em
alguns Estados, a promoção hierárquica facilitada pode ser também uma forma de
compensação salarial ou simbólica. Corrige-se a defasagem salarial, mas cria-se
um imbróglio na cadeia de comando e na razão de ser da hierarquia.
Existem outras distorções na
organização das polícias que são muito mais sérias. Em comparação com o setor
privado, os Policiais Militares se aposentam demasiado cedo e ficam onerando o
orçamento estadual por décadas. Em muitos Estados as aposentadorias policiais
estão hoje entre as principais causas do déficit público. Quem começa como
praça não ascende aos postos superiores, não obstante as exigências escolares
serem as mesmas para o ingresso na(s) carreira(s). Não existe possibilidade de
entrada “lateral” (exceto para o quadro de saúde), como nas polícias de alguns
países desenvolvidos, que integram aos quadros da polícia profissionais já
formados em cursos superiores de outras áreas. A formação acadêmica é demasiado
isolada da sociedade. O sistema de promoção sujeito a critérios subjetivos em
algumas etapas. As diferenças salariais entre os menores e maiores postos
demasiado acentuadas, etc. Nas Polícias Civis são outros tantos problemas que
examinaremos em outra ocasião.
A intenção aqui foi explorar
rapidamente e mostrar a riqueza da pesquisa Perfil das Polícias, que conta com
centenas de variáveis e uma série histórica razoável para os padrões
brasileiros. Raramente os dados são utilizados em artigos e teses acadêmicas. E
apesar do esforço de coleta, é igualmente raro que os dados sejam utilizados
pela Senasp para encontrar parâmetros que poderiam a ajudar os gestores de
segurança estaduais a repensar a organização e outros aspectos ligados à
carreira policial.
Quando passei pela Senasp em 2002
a pesquisa estava em sua segunda edição e a ideia é que ela servisse de benchmark para diversos temas: como deve
ser o ingresso? Que cursos e qual carga horária para a formação? Quais equipamentos
e veículos utilizar? Quantos batalhões e
companhia e onde devem estar localizados? Qual o perfil demográfico do efetivo?
Qual o orçamento e despesas para cada área? Qual o grau de informatização das
organizações? Quantidade e tipo de frota? Renumeração? Assistência psicológica
e de saúde? Estamos falando de um
questionário com cerca de 1500 perguntas, apenas no que se refere às PMs.
O artigo é ligeiro ao tratar do
problema das hierarquias por alguém que não é especialista na área. Mas espero
que ao menos tenha o mérito de despertar a curiosidade de policiais e
estudiosos para esta interessante fonte de informações. Sei que fazer a
pesquisa dá muito trabalho e os policiais responderiam com muito mais rigor se
vissem que o trabalho está sendo aproveitado para alguma coisa!
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