quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A gangorra dos roubos de veículos e tráfico de drogas



Trabalhando há muitos anos com dados criminais, notei que parece existir uma espécie de relação inversa, ainda que tênue, entre os registros de tráfico de droga e de roubo de veículos: em outras palavras, quando as ocorrências de tráfico sobem as de roubo de veículos caem, e vice-versa. Este achado empírico é  confirmado em parte quando averiguamos as estatísticas recentes de São Paulo e Rio de Janeiro. (Pegando os últimos 28 meses, a relação em São Paulo é de R =-.67 e do Rio de R= -.58)

A questão é como interpretar este resultado: o que existe por traz desta relação invertida? Vejamos em primeiro lugar o que significam na prática estes registros. O roubo de veículos não guarda grandes ambiguidades. Trata-se na maioria esmagadora dos casos de uma vítima, que pessoalmente ou através da internet, comunica o roubo à polícia, por diversos motivos: ressarcimento do seguro, tentativa de recuperar o bem, evitar que o mau uso do veículo traga consequências legais e financeiras, etc. Existe uma pequena parcela de fraudes contra seguradoras neste meio e alguma subnotificação, mas de modo geral, o roubo de veículos é considerado um dos indicadores criminais mais robustos, com taxas de notificação em torno de 97%. Temos aqui (no mínimo) um autor, uma vítima, um bem subtraído, um caso típico de crime patrimonial. Existem os casos que os americanos chamam de “joy riding”, em que o carro é roubado apenas por diversão e depois abandonado, mas a motivação mais frequente é sem dúvida patrimonial. Os carros mais antigos ou populares para desmanche de peças e os mais modernos e potentes para uso em outras atividades criminais.

Os registros de tráfico de droga ou de apreensão de droga no caso carioca, são mais complexos de interpretar. Não existe aqui uma vítima específica, exceto se pensarmos na sociedade como um todo. Tanto o traficante quanto o consumidor estão em conluio para não serem detectados. Ninguém vai à delegacia para registrar uma queixa de tráfico de drogas. Existem sim denúncias de terceiros: quase metade dos registros recebidos pelos serviços de Disque Denúncia anônimos diz respeito ao tráfico. São vizinhos incomodados, concorrentes, alguém que quer que a polícia vá ao local por variados motivos, etc. Mas em que pesem as denúncias, na maioria das vezes o registro de tráfico e apreensão de drogas é o resultado de uma atividade policial. Assim, sabemos que estes registros são em pequena parte uma medida do fenômeno em si (no caso das denúncias) e em grande parte um indicador de produtividade da polícia. Aumentos e diminuições significam quase sempre que a polícia agiu ou deixou de agir e, eventualmente, aumento ou diminuição do consumo.

Certa vez na SSP me dei ao trabalho de georeferenciar os endereços das denúncias de tráfico recebidas pelo serviço de Disque Denúncia e comparar com os registros feitos pelas polícias. Como esperado, os mapas eram bastante diferentes, com as denúncias espalhadas pelas periferias e os registros oficiais dos B.O.s concentrados nas áreas centrais. Mais uma evidência de que estamos falando de dois fenômenos diferentes.

Não dá para medir automaticamente a quantidade de tráfico de drogas, o nível de consumo ou se o fenômeno está aumentando ou diminuindo apenas com base nos registros oficiais de tráfico ou apreensão de drogas. Para isto existem outras ferramentas, como as pesquisas de uso auto reportadas, tais como as realizadas esporadicamente pela Unifesp, que medem anonimamente a incidência e prevalência do uso de álcool e drogas entre estudantes, no último mês, último ano ou alguma vez na vida. Este é o motivo pelo qual hoje, muitos órgãos de segurança, colocam as estatísticas de drogas entre os indicadores de atividade policial e não mais entre os indicadores criminais.[1]

Agora que temos uma noção um pouco melhor do significado destes indicadores, como interpretar que exista uma relação inversa entre eles? Será que temos uma migração de criminosos entre estas modalidades criminais, de modo que quando um mercado está em baixa eles passam a se dedicar a outro? Ou é o cerco policial ao tráfico que força esta suposta “migração”?  Quem conhece o universo criminal sabe que a migração entre crimes, especialmente os que exigem alguma organização, não é tão simples como aparenta. Cada crime exige o conhecimento de locais apropriados, receptadores, lavadores de recursos, modus operandi, parceiros certos, etc. Não dá para simplesmente começar uma nova atividade a cada oscilação no “mercado”: o estelionatário não virá ladrão de banco, o latrocida não vira ladrão de carga e assim por diante. Obviamente que existem migrações e adaptações conhecidas na literatura criminal: quando um local fica ruim o criminoso parte para outro, quando uma forma de agir é detectada muda-se para outra, quando um alvo é reforçado busca-se uma alternativa. Mas tais mudanças não são tão fáceis e é por isso que uma política de segurança com foco consistente consegue efetivamente diminuir crimes e não apenas deslocá-los.

A polícia também adapta parcialmente sua atuação em função dos indicadores criminais. Ao notar o crescimento sistemático de uma modalidade criminal é possível alocar recursos para novas áreas e tipos de crime. Mas estas reorientações são lentas e raras enquanto as mudanças observadas aqui são de curto prazo e cíclicas. Novamente, quem trabalha com os órgãos de segurança sabe o quanto é difícil modificar comportamentos, táticas e orientações costumeiras. Tanto crime quanto policiamento são “atividades de rotina”. Provavelmente, estes ciclos invertidos entre roubo de veículos e tráfico não se devem nem a migração criminal nem a realocação de efetivos e recursos policiais.

A resposta deve ser procurada em outro lugar. A interpretação mais provável é que ambos os fenômenos respondem a um mesmo fator subjacente, qual seja, o contexto econômico. Como sugerimos em diversas ocasiões, existem evidências robustas de que as variações nos roubos de veículos seguem de perto os ciclos econômicos: crescem nas recessões e caem nas fases de crescimento.

É bastante provável que os ciclos econômicos afetem também o consumo de drogas, mas com o sinal inverso: como qualquer outra mercadoria, o consumo de drogas diminuiria durante as crises econômicas e voltaria a crescer na recuperação. Isto explicaria a relação invertida entre roubo de veículos e tráfico de drogas, conforme o esquema.

No exemplo abaixo usamos uma pequena série histórica de 27 meses cobrindo o período de julho de 2014 a setembro de 2016. Como indicador de ciclo econômico pegamos o número de cheques sem fundo por milhão (Serasa), além do número apreensão de drogas e os registros de roubo de veículos divulgados mensalmente pela ISP para o Rio de Janeiro, onde o fenômeno é mais nítido.




 









** correlação significativa ao nível 0.01

Conforme aventado, o contexto econômico recessivo faz aumentar os roubos de veículos (.74) e diminuir as apreensões de drogas (-0.56), tomada aqui hipoteticamente como uma variável substituta do consumo em baixa. Assim, a explicação para relação inversa entre roubo de veículos e tráfico seria dada pelo fator comum subjacente (ciclo econômico), tendo pouca relação com migração criminal ou atuação policial. Quando calculamos o coeficiente de correlação parcial entre registos de roubo de veículos e apreensão de drogas, controlando por cheque sem fundos, a correlação cai de -.058 para -.30 e deixa de ser significativa, o que é uma evidência adicional de que o contexto econômico pode estar por traz da relação invertida entre roubo de veículos e drogas.

A conclusão é precária e para corroborá-la precisaríamos de séries históricas mais longas, incluir outros Estados, usar outros indicadores de ciclo econômico e principalmente encontrar uma boa medida de consumo de drogas, pois como discutido apreensão é contaminada pela atividade policial. Em todo caso, é interessante notar que as séries de roubo de veículos em São Paulo e Rio variem concomitantemente e que em ambos os Estados, com todas as suas diferenças, roubo de veículos e tráfico apareçam invertidos. Algo provoca isso. Como de costume, desconfio da economia.







[1] Todavia, se considerarmos, por hipótese, que a atuação policial é constante no tempo, então as variações no registro de tráfico refletiriam variações no consumo. Para isso precisaríamos de evidências de que a atuação policial com relação ao tráfico é aproximadamente constante no tempo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Donald Trump e a redução dos homicídios no Brasil


O Fórum Brasileiro de Segurança Pública acaba de divulgar a última edição de seu anuário, com dezenas de tabelas trazendo números sobre os mais diversos aspectos da segurança no país. A imprensa cobriu parte do material relatando as grandes e principais tendências, mas muita coisa interessante ficou de fora das análises. Gostaria de dar destaque a alguns dados que não foram percebidos ou foram pouco explorados, mas que são dignos de nota, no contexto em que se prepara um plano nacional de segurança. Como o material é extenso, atenho me ao principal:

- As mortes decorrentes de intervenção policial representam em média 6% do total de homicídios dolosos do país. Não admira, num pais onde apenas um terço dos entrevistados na pesquisa do FBSP/ Datafolha discorda da frase “bandido bom é bandido morto”. Em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul a porcentagem de mortos em confronto mais do que dobra e em São Paulo triplica. Isto se deve em parte à queda absoluta dos homicídios dolosos em São Paulo e Rio. Mas é algo que os governos podem controlar através de políticas públicas. Reduzir mortes em alguns estados significa hoje controlar a própria polícia. Conseguindo isso, atacamos 6% do problema.

- Quem acompanha as séries históricas de criminalidade em São Paulo pode observar que existe uma relação inversa entre os registros de roubo de veículos e os registros de tráfico de drogas, que são um indicador de atividade policial, mais do que de consumo. Assim, quando as ocorrências de tráfico crescem,  as de roubo de veículo caem e vice-versa. Os dados do anuário sugerem que esta relação inversa entre roubo de veículos e tráfico ocorre também ao nível espacial: os estados com maiores registros de tráfico (atividade policial) são em geral os com menores registros de roubo de veículo (R= -.27). Sugestão? Polícia presente na rua diminui o crime...

- Foi-se o tempo em que briga no Nordeste acabava com um cabra puxando a peixeira. As armas de fogo substituíram as armas brancas e isto explica em parte o aumento dos homicídios em toda região. Em São Paulo 55% das mortes por agressão tem a arma de fogo como instrumento e a média nacional é de 71,6%. Todo o Nordeste está bem acima destes patamares. Em Alagoas, a porcentagem é de 87%, 79% na Bahia, 82% no Ceará, 81% na Paraíba, 75% em Pernambuco, 82% no Rio Grande do Norte e em Sergipe. O Nordeste enriqueceu e com isso aumentaram: roubos, insegurança, armas em circulação e homicídios, nesta sequência. Diminuir a quantidade de armas em circulação no Nordeste deve ser prioridade de qualquer plano de combate aos homicídios que se preze. Em longo prazo, o ideal é diminuir o roubo, a insegurança e a demanda por arma...no curto prazo, focar na arma é o método mais rápido e eficaz.

- Os Fundos Nacionais de Segurança Pública, Penitenciário e Antidrogas tem objetivos importantes como construir ou reformar os presídios, equipar as policiais estaduais e guardas municipais, patrocinar as ações preventivas contra drogas e assim por diante. No período 2011 a 2015, somando os três fundos federais, chegamos a algo em torno de 870 milhões por ano. A Polícia Rodoviária Federal, somente com gastos em pessoal e encargos, gasta algo em torno de 3 bilhões por ano. Em outras palavras, os 3 fundos somados representam um terço dos gastos com pessoal da Polícia Rodoviária Federal...que aliás faz um relevante trabalho na prevenção a roubo de carga, roubo de veículos, acidentes, etc. O ponto é: os valores dos fundos são irrisórios, frente a outros gastos e frente a enormidade do problema de segurança do país.

- Circula por aí há tempos um daqueles números misteriosos, comuns na área de segurança, que afirma que no Brasil apenas 3% dos homicídios são esclarecidos. O anuário traz para alguns Estados o número de inquéritos de homicídios relatados com indiciamentos ou homicídios esclarecidos. Se compararmos com o total de homicídios em 2014, a taxa de esclarecimento de homicídios estaria em torno de 20% (12 mil esclarecidos num universo de 59 mil homicídios). Não é nenhuma maravilha – o DHPP de São Paulo chegou a esclarecer 65% dos homicídios – mas é bem melhor do que os 3% divulgado por aí. Aumentar as taxas de esclarecimento dos deve ser outra meta óbvia do futuro plano nacional de combate aos homicídios proposto pelo governo federal. Cerca de 30 mil presos ainda estão sob custódia das polícias, que deixam de investigar para tomar conta de presos. Zerar este número seria uma boa maneira de começar a aumentar as taxas de esclarecimento. (Aproveitando o ensejo, dos homicídios esclarecidos, 1575 apontaram crianças ou adolescentes como autores, o que dá 13% do total de homicídios esclarecidos e 2,6% do total de homicídios.)

Muitos outros dados curiosos podem ser extraídos mas vou deixar para um próximo artigo pois o material já é suficiente para esboçar algumas contribuições para o tal “Plano”, com algumas metas concretas e factíveis em médio prazo, tais como:

·         Reduzir a porcentagem nacional de mortes decorrentes de intervenção policial no total de homicídios dolosos de 6 para 3%. Isto implicaria num esforço para reduzir a letalidade especialmente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

·         Reduzir de 71 para 60% o percentual nacional de uso de arma de fogo nos homicídios. Implicaria em ações de desarmamento – por exemplo, pagamento de prêmios aos policiais e guardas municipais por arma apreendida – especialmente nos Estados do Nordeste, onde este percentual é superior à média.

·    Triplicar, no mínimo, os recursos dos Fundos Nacionais de Segurança, Penitenciário e Antidrogas, passando de 1 para 3 bilhões anuais (um bilhão para cada um, digamos). Pelo menos para igualar o que se gasta com pessoal na PRF. Os recursos destes fundos podem ser investidos prioritariamente em projetos que impactem na redução dos homicídios: investimento em perícia, melhoria da investigação, diminuição no consumo de álcool e drogas, desarmamento, maior policiamento ostensivo nos dias, horários e locais de maior incidência, etc.

·   Aumentar de 20 para 30% a taxa nacional de esclarecimento de homicídios. Existem inúmeras maneiras de contribuir para isto: zerar o número de presos nos distritos, melhorar o disque denúncia (recompensas), melhorar a preservação do local de crime, criar bancos de dados balísticos, de DNA, digitais, fotográficos, contratação e treinamento de novas equipes, criação de delegacias especializadas, etc.

Com os dados disponíveis, é possível conhecer o tamanho do problema, ver onde se concentra, estabelecer metas e benchmarks factíveis. O anuário e dezenas de outras fontes e pesquisas estão aí para subsidiar as políticas públicas. Os pesquisadores fazem a sua parte, coletando, organizando e analisando as evidências disponíveis. Às vezes, extrapolando seu papel, sugerindo “agendas” e “políticas” para os governos.


Mas que raios o Donald Trump do título tem que ver com isso? Bem, sinto informar a todos que agora vamos ter que resolver por aqui mesmo nossos problemas. Já não dá mais para fugir pra Miami. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Abordagem Policial


A Importância (e o risco) de abordar suspeitos

Confira a íntegra da palestra que debateu as abordagens policiais no Espaço Democrático, a partir do estudo da pesquisadora Tânia Pinc, comentado por Cel Camilo e Tulio Kahn.
Segue link abaixo para o debate completo:

Caderno Abordagem Policial


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Ciclos econômicos e ciclos criminais



O Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos da FGV identificou a entrada do país numa recessão, a partir do segundo trimestre de 2014. De lá para cá, já temos, portanto, 9 trimestres consecutivos, o que caracteriza um longo período recessivo, se considerarmos que a duração média das cinco recessões anteriores a partir de 1995 foi de 2,8 trimestres.

Temos apontado diversas vezes que os ciclos econômicos afetam os ciclos criminais: nos trimestres classificados como “recessivos” a taxa de crescimento criminal é maior do que nos trimestres de expansão. Indicadores econômicos como índice de Confiança do Consumidor (Fecomércio), taxa de cheque devolvido pela 2º vez por mil compensados (Serasa), taxa de desemprego e taxa de variação do PIB, entre outros, estão correlacionados com indicadores criminais e ajudam a explicar a evolução das séries históricas. [i]

Como os crimes tem evoluído durante esta recessão prolongada? No gráfico abaixo vemos a evolução mensal do roubo de veículos, comparada ao mesmo trimestre do ano anterior, em cinco Estados: DF, MT, PR, RJ e SP.





Algumas observações interessantes sobre o gráfico: como nas recessões anteriores, os crimes começam a crescer antes do início “oficial” da crise, datada pelo Codace no 2º trim. de 2014. Vimos isto acontecer nas recessões anteriores: os criminosos são um dos primeiros grupos a perceber e sentir a crise, pois frequentemente oscilam entre o mundo do crime e o setor informal da economia. Como já apontamos em outra ocasião, o aumento do crime é quase um indicador antecedente da crise econômica, ajudando a antecipá-la.

Assim, justamente em meados de 2014, quando a economia entra oficialmente em recessão, as taxas criminais já estão praticamente em seu auge e já começam mesmo a declinar, de modo que vemos uma queda generalizada na taxa de evolução do roubo de veículo em 2015, quando comparada ao período de crescimento de 2014. Finalmente, na metade de 2015, os crimes chegam no seu ponto mais baixo e começam a inverter de sentido, apontando novamente para cima em 2016.

As outras recessões duraram pouco enquanto a atual perdura a 9 trimestres. Isto significa que houve tempo suficiente para que a evolução criminal passasse mais de uma vez pelas diversas fases classificadas por Shumpeter (1939) como boom, recessão, depressão e recuperação. O mesmo fenômeno ocorreu no período anterior, quando tivemos 21 trimestres consecutivos de expansão econômica: trata-se de um longo período, longo o suficiente para que a criminalidade oscile ciclicamente diversas vezes!  Do ponto de vista estatístico, isto enfraquece a associação entre os ciclos econômicos e os ciclos criminais, quando analisamos apenas a dicotomia expansão/retração da economia e comparamos as taxas criminais nas duas situações: a associação agora é menos visível do que quando a analisamos na crise econômica de 2009.

Como podemos afirmar que o crescimento criminal atual é em parte consequência do contexto econômico, se vemos ciclos econômicos e criminais aparentemente variando de modo não coincidente? Bem, além da existência de toda uma literatura confirmando a associação entre os fenômenos econômicos e criminais, outros indicadores mais “sensíveis” às flutuações de curto prazo do que a classificação de ciclos do Codace – como a taxa de variação dos cheques sem fundo da Serasa – corroboram a existência desta correlação entre estado da economia e crime no Brasil.

No gráfico abaixo vemos (em azul) as variações mensais alisadas de crimes patrimoniais (roubo e roubo de veículos) de SP, MG, RJ e RS e em vermelho as séries mensais alisadas da variação dos cheques sem fundo no Sudeste, como indicador de ciclo econômico. (r2 = 0.43)



A evidência mais convincente, ao meu ver, é a coincidência dos ciclos criminais entre os Estados. O que faz com que os ciclos criminais sejam tão parecidos em Estados tão diferentes? Alguma causa comum explica o movimento e esta causa não pode ser local. Como não temos uma política nacional de segurança pública (nenhuma ao menos digna deste nome) o cenário econômico nacional ainda é a melhor explicação para a variação comum nos crimes.

Os últimos governos não apenas foram omissos na criação de qualquer política criminal nacional importante, como evidenciam os 60 mil homicídios anuais. Mergulharam o pais na recessão mais prolongada das últimas décadas. Talvez os resultados das últimas eleições estejam refletindo esta série de fracassos em diversas áreas, que tem vasos comunicantes e se influenciam mutuamente.





[i] Exploring the Relationship Between Crime and Economic Performance in Brazil after 1994 Using Time Series Econometric Techniques Tulio Kahn. http://www.naurocampos.net/pnbr/papers/Kahn_paper.pdf)

quinta-feira, 6 de outubro de 2016


A reforma eleitoral de 2015 e seu impacto nas eleições municipais


As eleições municipais de 2016 foram das mais “baratas” dos últimos tempos. Segundo o TSE, os gastos na campanha de 2016 somam R$ 2.131 bilhões, em contraste com os R$ 6.240 bilhões gastos nas eleições municipais de 2012.

O principal motivo da redução foi a mudança da legislação eleitoral, que limitou as contribuições apenas às pessoas físicas e impediu a doação de empresas. Outros fatores importantes são a crise financeira e os efeitos da operação Lava Jato, além das inúmeras outras restrições de gastos promovidas pela minirreforma Eleitoral 2015 (Lei nº 13.165).

Em outro artigo já detalhamos as principais alterações da legislação e mostramos, tomando as eleições para deputados estaduais e federais, que há uma estreita correlação entre o número de votos recebidos pelo candidato e os recursos gastos na campanha. Esta forte correlação entre recursos e votos nas eleições produz sérios questionamentos sobre a legitimidades dos resultados das urnas e reduzir a influência do poder econômico nas campanhas foi um dos principais objetivos da minirreforma de 2015.

A questão é: quão bem-sucedida foi a reforma para tornar as condições de disputa mais igualitárias? Vimos que ela reduziu bastante os gastos em números absolutos, o que já é por si relevante (estamos falando obviamente dos gastos oficiais). Mas o que ocorreu com a relação gasto-voto? Ainda se elegem aqueles que gastam mais?

Os dados ainda são parciais pois o TSE não disponibilizou a prestação final de contas dos candidatos nem a base de resultados completa para download, de modo que usamos aqui apenas os dados dos 1882 candidatos a vereador em São Paulo. Note-se também que esta é a primeira eleição municipal em que analisamos a relação gasto-voto, de modo que os dados não são totalmente comparáveis, pois as amostras anteriores provem de eleições para deputados. A tabela abaixo resume os resultados.

eleição
ano
 valor
intercept
slope
R.
votos
 custo por voto
dep estadual
2014
 R$        1.000.000,00
4662
0,046
0,43
50.662
 R$                19,74
dep estadual
2010
 R$        1.000.000,00
3500
0,077
0,63
80.500
 R$                12,42
dep estadual
2006
 R$        1.000.000,00
6557
0,13
0,56
136.557
 R$                   7,32
dep federal
2014
 R$        1.000.000,00
7146
0,039
0,48
46.146
 R$                21,67
dep federal
2010
 R$        1.000.000,00
6442
0,053
0,61
59.442
 R$                16,82
dep federal
2006
 R$        1.000.000,00
10140
0,098
0,55
108.140
 R$                   9,25
vereador
2016
 R$        1.000.000,00
1185
0,032
0,39
33.185
 R$                30,13

O coeficiente de determinação R2 mostra que das sete eleições analisadas, esta última é a que apresentou a menor correlação entre gastos e votos ( r2= 0.39) embora a distância seja pequena com relação a eleição para dep. Estadual em 2014 (0.43). Alguns poucos casos extremos podem impactar na força da relação e no coeficiente. De todo modo, em conjunto com a redução no volume absoluto de gastos, fica a sugestão de que as novas regras podem ter ajudado a enfraquecer ligeiramente o poder econômico nas eleições.

Infelizmente, a influência do dinheiro ainda fala alto. Os candidatos a vereador, como se vê na tabela, gastaram em média 76 mil reais e tiveram em média (intercept) 1185 votos. Um candidato hipotético com gasto de 1 milhão obteve aproximadamente 33 mil votos, a um custo de R$ 30,00 reais por voto. Cerca de 40% da variação na votação dos candidatos pode ser “explicada” pelos gastos de campanha, o que é ainda bastante elevado.

O gráfico de dispersão abaixo traz a quantidade de votos no eixo vertical e gastos na horizontal – excluindo somente 5 candidatos extremos - e ilustra bem o ponto.




É claro que existem exceções à regra: a votação gigantesca no vereador Eduardo Suplicy, pelas regras eleitorais, fez com que vários candidatos do PT fossem eleitos, independentemente dos gastos – tanto que, se isolarmos o PT, a relação gasto-voto cai para metade (r2 = 0.19). Fernando Holiday recebeu 48 mil votos declarando ter gasto 12 mil reais na campanha. No outro extremo, Thammy Miranda gastou um milhão e quatrocentos, mas só obteve 12.400 votos. Mas, como dito, estas são exceções. De modo geral foi eleito quem gastou mais, como de costume.

Isto significa que ainda há muito a aperfeiçoar na legislação eleitoral para garantir condições equânimes de disputa e evitar distorções: evitar que puxadores de votos ajudem a eleger candidatos com poucos votos, colocar um teto menor para o máximo de gastos permitidos, colocar um teto para investimentos pessoais na campanha, que favorece os candidatos ricos, etc. No limite, o financiamento público das campanhas – medida impopular e pouco compreendida – pode ser a melhor maneira de tornar as condições da disputa mais igualitárias, desde que se encontre uma fórmula “justa” para distribuir os recursos entre os partidos e candidatos.



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