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sexta-feira, 22 de dezembro de 2023
segunda-feira, 18 de dezembro de 2023
terça-feira, 12 de dezembro de 2023
Violência contra homossexuais no Brasil
A população homossexual é alvo frequente de diferentes tipos de violência no Brasil, tanto devido à intolerância social com relação ao homossexualismo como à maior exposição ao risco, uma vez que nessa população vitimada estão incluídos profissionais do sexo e práticas sexuais com parceiros eventuais e desconhecidos, entre outros fatores de risco.
Matérias jornalísticas e relatórios produzidos por grupos ativistas alertam que o Brasil pode ser o país mais perigoso do mundo para os homossexuais. A percepção de violência exacerbada, por um lado, fez avançar no país as práticas preventivas, o reconhecimento público do problema e a nova legislação contra a homofobia, aprovada em 2019. Mas por outro lado afeta a qualidade de vida desta parcela da população e traz inúmeros outros inconvenientes, como a diminuição do turismo ou atividades nos eventos ou estabelecimentos voltados para este público, para citar apenas alguns.
Trata-se, contudo, de uma afirmação difícil de ser atestada em razão da falta de registros oficiais sobre o problema no Brasil e na maioria dos países, além de diferenças metodológicas e conceituais entre os poucos levantamentos existentes.
No quadro abaixo trazemos algumas estimativas anuais de homicídios contra homossexuais (conceito que pode incluir diferentes subgrupos) nos anos recentes. Tanto o Dossiê de Mortes e Violências quanto o relatório do Grupo Gay da Bahia utilizam como fontes de dados os jornais, mídias sociais, relatos públicos e outras fontes abertas de dados para identificar casos. O Atlas da Violência do Ipea, por sua vez, utiliza dados do serviço Disque 100, do governo federal, que coleta denúncias sobre diferentes tipos de violência. Apenas recentemente o sistema de justiça criminal incluiu, em alguns Estados, a orientação sexual das vítimas e autores nos registros administrativos, de modo que inexiste uma base nacional de dados – seja na área de segurança, seja na saúde – que permita calcular a incidência do fenômeno.
Estimativa de homossexuais mortos violentamente, por ano
A estimativa do Disque 100 é sistematicamente menor do que a feita pelo terceiro setor e ambas são certamente subnotificadas, uma vez que é raro que notícias ou denúncias tragam detalhes sobre a orientação sexual das vítimas, principalmente quando a própria vítima ocultava essa condição. Assim, apenas os casos mais dramáticos e onde as vítimas assumiam a sua condição sexual chegam ao conhecimento público e daí aos relatórios. De todo modo, em média as estimativas vão de 150 a 313 casos por ano, sendo 235 casos anuais a média que utilizaremos aqui para efeito de cálculo das taxas.
Note-se que as fontes não afirmam que estas mortes ocorreram por motivações homofóbicas ou transfóbicas, algo ainda mais difícil de corroborar, mas apenas que as vítimas eram homossexuais e sofreram mortes violentas e intencionais. A questão da motivação dos homicídios é complexa, como discutimos em outros artigos, e boa parte delas é simplesmente desconhecida. Trata-se de uma dificuldade, alias compartilhada por outros fenômenos criminais, como o feminicídio, ou as mortes atribuíveis ao racismo em geral. Apenas uma investigação demorada e detalhada pode levantar evidências sobre a motivação dos homicídios e matérias de jornal, denúncias e boletins de ocorrência raramente trazem estas informações.
Acreditamos que as fontes utilizadas não permitem uma estimativa fidedigna da quantidade de homossexuais mortos no País e menos ainda para inferir quantos se devem à motivação homofóbica. Elas são úteis para chamar a atenção da sociedade para o problema da violência contra homossexuais e para levantar características dos casos como sexo, idade, meio utilizado e outras características associadas a estas mortes. Mas a se fiar nestes levantamentos, as mortes de homossexuais representariam somente 0,6% das cerca de 40 mil mortes violentas anuais no Brasil, porcentagem pequena e que, provavelmente, como discutido, é subestimada.
Como o Brasil tem a 7ª maior população do mundo e o maior número absoluto de homicídios, é natural que em termos absolutos sejamos o país que mais mata homossexuais, mulheres, negros e qualquer outro subgrupo que imaginarmos. É nos números absolutos que normalmente os informes se baseiam para afirmar que o Brasil é o país mais perigoso para homossexuais. Isso não significa, sem pretender minimizar o problema, que seja o lugar mais arriscado.
Risco é um conceito epidemiológico relativo e para sua estimativa precisamos de um nominador (homicídios de homossexuais) e de um denominador (população homossexual) para estimar as taxas usando a população de base. E aqui nos defrontamos com outra grande dificuldade, que é estimar o tamanho dessa população base. Os problemas vão desde o conceito de homossexualidade e seus diferentes subgrupos e gradações, subnotificação em razão da sensibilidade do tema e metodologias de levantamento, que permitem maior ou menor anonimato das respostas. Estas diferenças explicam em parte as grandes diferenças entre as estimativas existentes.
O quadro abaixo traz algumas estimativas recentes sobre o tamanho da população homossexual no Brasil, todas elas com base em pesquisas amostrais probabilísticas nacionais, utilizando diferentes formas de redação e abordagens. Existem graduações de homossexualidade, que vão desde sentir atração por pessoas de mesmo sexo até praticar sexo exclusivamente com elas.
E as estimativas se alteram, obviamente, com a forma como a questão é formulada. Também se alteram dependendo de se a pesquisa foi feita eletronicamente ou em papel, com ou sem presença do entrevistador e outras situações que garantem o anonimato.
De todo modo, apenas a título de ilustração, os resultados incluem deste uma estimativa conservadora feita pelo IBGE, em 2019, que encontrou apenas 1,8% de homossexuais autodeclarados no País (número que o próprio IBGE reconhece como subestimado, embora similar a de outros países) até uma pesquisa da Unesp, de 2022, na qual 12% dos entrevistados se declararam homossexuais. As estimativas dependem também da opção de incluir os que declaram “não saber” ou “não quiseram responder” à questão. Se criarmos uma categoria “não heterossexual”, somando estas categorias, a estimativa do IBGE, por exemplo, sobe para 5,2% da população.
Estimativas da população homossexual no Brasil
No exercício acima, estimamos as taxas de homicídio por 100 mil, considerando uma média de 235 mortes e as diferentes estimativas de população. Como é possível notar, quanto maior a estimativa de população homossexual, menor a taxa. Muito simplificadamente, assumindo que 7,6% da população seja homossexual, teríamos uma taxa de 1,5:100 mil, bastante inferior à taxa nacional, em torno de 23:100 mil.
Vendo de outro modo – igualmente simplista, pois a demografia da população homossexual não se assemelha à da população em geral – se temos cerca de 40 mil homicídios no Brasil e os homossexuais representam 7,6% da população, deveríamos esperar algo em torno de 3 mil homossexuais mortos. Os relatórios, contudo, conseguem identificar apenas uma pequena parte destes casos. O que queremos sugerir é que alguma coisa parece errada aqui: ou na quantidade de mortes, seriamente subestimada, ou no tamanho da população homossexual – e provavelmente em ambas.
As estimativas aqui são um exercício e não tem nenhuma pretensão à validade, e penso que todos os levantamentos sobre a questão, no estágio atual, tampouco deveriam ter. A intenção, como sempre, é colocar as coisas nas suas devidas proporções, com base nas evidências disponíveis e fazer uma crítica metodológica construtiva sobre como esses números são obtidos.
Espero que tenha ficado clara a necessidade de aperfeiçoar os registros públicos e as metodologias utilizadas nos levantamentos: as estimativas atuais sobre mortes de homossexuais, motivação homofóbica e tamanho da população homossexual são precárias. Levando em consideração os dados atuais, não conseguimos estimar a gravidade do problema. E sem boas estimativas, como sempre, não conseguimos formular boas políticas públicas.
quarta-feira, 15 de novembro de 2023
quinta-feira, 9 de novembro de 2023
Brasil carece de sistema eficiente de inteligência
quarta-feira, 13 de setembro de 2023
quarta-feira, 16 de agosto de 2023
segunda-feira, 10 de julho de 2023
segunda-feira, 3 de julho de 2023
sexta-feira, 28 de abril de 2023
sexta-feira, 14 de abril de 2023
quinta-feira, 16 de março de 2023
Canal "Análise de Dados" ultrapassou 500 inscritos
https://www.youtube.com/channel/UCRZps3dH47Yd7pj8LmS7vmg. Canal "Análise de Dados" ultrapassou 500 inscritos esta semana. São 35 vídeos e mais de 570 horas de análise de dados e metodologia de pesquisa, num formato introdutório. Inscreva-se e divulgue!
quarta-feira, 8 de março de 2023
quarta-feira, 1 de março de 2023
Tempo de exposição à Televisão e comportamentos de risco
Tulio Kahn
O IBGE e o MEC fazem desde 2009
uma pesquisa nacional com estudantes de 13 a 17 anos de idade sobre saúde
física e mental, a PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar). Trata-se de
uma pesquisa amostral representativa onde os estudantes preenchem de forma
anônima um formulário eletrônico sobre diversos temas, tais como escolaridade
dos pais, inserção no mercado de trabalho e posse de bens e serviços; contextos
social e familiar; fatores de risco comportamentais relacionados a hábitos
alimentares, sedentarismo, tabagismo, consumo de álcool e outras drogas; saúde
sexual e reprodutiva; exposição a acidentes e violências; hábitos de higiene;
saúde bucal; saúde mental; e percepção da imagem corporal, entre outros
tópicos. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/justica-e-seguranca/9134-pesquisa-nacional-de-saude-do-escolar.html?=&t=o-que-e.
A última edição foi realizada em 2019 com mais de 165 mil alunos de escolas
públicas e particulares de todo o país.
Existem diversas questões relacionadas
a segurança nas diferentes edições, perguntando sobre vitimização por agressão,
sensação de insegurança, bullying sofrido e praticado e a pesquisa permite
testar inúmeras teses criminológicas interessantes. Uma delas é a relação entre
violência e exposição à televisão, tema que venho aprofundando nos últimos
tempos no projeto Efeitos da Mídia Violenta (http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.12736.81927).
A PeNSE são detalha infelizmente o tipo
de conteúdo assistido na TV, mas permite estimar a quantidade de horas diária
de exposição.
O formulário pergunta aos
estudantes “quantas horas por dia você assiste televisão (sem contar sábado,
domingo e feriado)” e recodificamos a questão para formar quatro grupos: 1 – dos
que responderam não assistir televisão e que representa 25,5% dos
entrevistados. O grupo 2 é o mais frequente, com 52,8% e é formado pelos que
assistem entre 1 até 3 horas por dia de TV. No terceiro grupo (14,9%) estão os
que assistem mais de 3 até 6 horas por dia de TV e finalmente, no grupo 4 (7,8%)
estão os que assistem mais de 6 horas de TV por dia.
Uma exposição excessiva à TV – em
especial ao conteúdo violento – já foi associada a inúmeros efeitos maléficos,
como sedentarismo, hábitos alimentares ruins, depressão, ideação suicida,
bullying, uso de drogas, vitimização e comportamento agressivo, entre diversos
outros efeitos.
O problema aqui, como sempre, é
que uso excessivo de TV pode ser influenciado por muitos fatores diferentes:
depressão pré-existente, falta de supervisão familiar, ausência de alternativas
de lazer, baixa renda, etc. Assim, a relação entre exposição à TV e estes
efeitos deletérios pode ser espúria e é preciso controlar a relação por uma
série de variáveis, que podem estar mascarando ou superestimando o “efeito
puro” da exposição à TV. O ideal seria construir um modelo de análise mais
complexo (como uma regressão logística) que levasse em consideração estes
controles, mas esta é uma tarefa para uma pesquisa mais demorada.
Neste artigo apresentaremos
apenas os resultados de tabulações cruzadas entre tempo de exposição à TV e
outras variáveis de interesse da Pense 2019, controlando apenas por idade do
estudante ou nível sócio econômico, usando a posse de carro por algum membro da
família como uma proxy para renda. Trata-se de uma análise simples e sujeita a
erros, mas que pode fornecer algumas pistas interessantes para aprofundamentos
posteriores.
Uma primeira constatação
interessante é que a relação entre exposição à TV e os efeitos maléficos não é totalmente
linear. Ao contrário, não assistir televisão pode ser quase tão prejudicial
quanto assistir muita televisão. Com frequência os piores resultados nos
cruzamentos se manifestaram justamente naquele grupo de ¼ de estudantes que
disseram nunca assistir televisão. Trata-se de um grupo de renda mais elevada,
com acesso a celular, computador e internet e que praticamente trocou a
televisão pela exposição às redes e mídias sociais. Neste caso teríamos apenas
uma substituição de mídias (TV por celular), mas os efeitos seriam tão
prejudiciais num grupo quanto no outro.
Todavia, entre os que afirmam
assistir TV, os efeitos são claramente lineares: assistir de 1 a até 3 horas de
TV diariamente é melhor do que assistir de 3 a 6, que por sua vez é melhor do
que assistir a mais de 6. A análise da Pense 2019 corrobora, como identificado
pela literatura, que o consumo exagerado de TV pode estar relacionado ao maior
consumo de drogas, maior grau de vitimização e maiores problemas de saúde
mental.
ALGUMA VEZ NA VIDA - DROGAS |
Nunca assiste |
Ate 3 hs |
Mais de 3 até 6 hs |
Mais de 6 hs |
Você já fumou cigarro, mesmo uma ou duas
tragadas? |
23,5 |
19,5 |
22,9 |
26,2 |
Você já experimentou narguilé (cachimbo de água)? |
24,1 |
20,6 |
23,2 |
25,7 |
Você tomou um copo ou uma dose de bebida
alcoólica? |
66,9 |
61,1 |
64 |
64,9 |
Você já usou alguma droga como: maconha, cocaína,
crack, cola, loló, lança-perfume, ecstasy, oxi, MD, skank e outras? |
15,2 |
11,4 |
12,9 |
14,3 |
Fonte: Pense IBGE 2019. N varia
entre 132 e 165 mil casos, dependendo da tabela
Assim, por exemplo, quanto mais
horas assistidas de TV, maior a probabilidade de ter fumado, experimentado
narguilé, tomado bebida alcoólica e usado alguma droga. O grupo que diz “nunca
assistir” TV, como observado, tem um comportamento similar ao grupo que diz
assistir mais de 6 horas diárias. As diferenças são estatisticamente
significativas, mesmo quando controlamos pela idade do aluno ou pela renda.
ALGUMA VEZ NA VIDA - VITIMIZAÇÃO |
Nunca assiste |
ate 3 hs |
mais de 3 até 6 hs |
mais de 6 hs |
Alguém o(a) tocou, manipulou, beijou ou expôs
partes do corpo contra a sua vontade? |
18,2 |
14,5 |
15,1 |
18 |
Alguém ameaçou, intimidou ou obrigou a ter
relações sexuais ou qualquer outro ato sexual contra a sua vontade? |
7,2 |
5,6 |
6 |
8,7 |
NOS ÚLTIMOS 12 MESES, quantas vezes você foi
agredido(a) fisicamente por sua mãe, pai ou responsável? (NENHUMA) |
79,8 |
78,5 |
75 |
72,9 |
Você esteve envolvido(a) em briga com luta
física? |
9,4 |
9,6 |
12,4 |
17,2 |
Quantas vezes algum dos seus colegas de escola
bateu (deu socos, tapas, chutes, pontapés) em você ou o machucou fisicamente
de outra forma? |
85,9 |
85,3 |
82,9 |
79,6 |
Fonte: Pense IBGE 2019. N varia
entre 132 e 165 mil casos, dependendo da tabela
Existe igualmente uma relação
linear entre tempo de consumo de TV e maior risco de abuso sexual, ameaça
sexual, agressão pelos pais, envolvimento em brigas corporais e vitimização
física. As diferenças são estatisticamente significativas, mesmo controlando
por idade ou renda.
A relação com a saúde mental é
complexa e provavelmente bidirecional. Ou seja, ver muita TV pode tanto agravar
a saúde mental como ser um sintoma de deterioração mental prévia. A pesquisa
mostra que existe uma relação linear entre quantidade de exposição à TV e sentimento
de abandono parental, incompreensão parental, bullying, assédio, sentimento de
tristeza, abandono, mau humor e ideação suicida. Observe-se que também aumenta
a probabilidade do estudante cometer
bullying contra os demais colegas de escola.
NOS ÚLTIMOS 30 DIAS - SAÚDE MENTAL |
Nunca assiste |
Ate 3 hs |
Mais de 3 até 6 hs |
Mais de 6 hs |
Com que frequência sua mãe, pai ou responsável
sabia realmente o que você estava fazendo em seu tempo livre? (NUNCA) |
7,3 |
5,7 |
6 |
13,1 |
Com que frequência sua mãe, pai ou responsável
entendeu seus problemas e preocupações? (NUNCA) |
17,5 |
12,4 |
15,1 |
22,1 |
Quantas vezes algum dos seus colegas de escola o
esculachou, zoou, mangou, intimidou ou caçoou tanto que você ficou magoado,
incomodado, aborrecido, ofendido ou humilhado? (NENHUMA) |
62,6 |
61 |
58 |
54,2 |
Você se sentiu ameaçado(a), ofendido(a) ou
humilhado(a) nas redes sociais ou aplicativos de celular? (SIM) |
12,9 |
11,4 |
12,6 |
17,1 |
Você esculachou, zombou, mangou, intimidou ou
caçoou algum de seus colegas da escola tanto que ele ficou magoado,
aborrecido, ofendido ou humilhado? (SIM) |
11,3 |
11,1 |
14,1 |
18,8 |
Com que frequência você se sentiu triste?
(SEMPRE) |
8,9 |
10,7 |
10,3 |
13,5 |
Com que frequência você sentiu que ninguém se
preocupa com você? |
14,7 |
10,5 |
12,1 |
19,3 |
Com que frequência você se sentiu irritado(a),
nervoso(a) ou mal-humorado(a) por qualquer coisa? |
19,2 |
13,7 |
16,4 |
24 |
Com que frequência você sentiu que a vida não
vale a pena ser vivida? |
11,8 |
7,6 |
9,5 |
16 |
Fonte: Pense IBGE 2019. N varia
entre 132 e 165 mil casos, dependendo da tabela
Como nos demais tópicos, em
alguns itens o grupo dos que “nunca assistem” TV se aproximam dos que assistem
em demasia. As diferenças entre os grupos de exposição se mantém significantes,
mesmo controlando idade ou renda.
Não é o caso de avançarmos na
análise aqui, que será inconclusiva sem dados longitudinais, outras variáveis
de controle, modelos que levem em conta a interação entre as variáveis e outros
procedimentos científicos mais robustos.
Mesmo que a associação causal
entre exposição à TV e comportamentos de risco seja espúria, sabemos que tanto
assistir muita TV quanto não assistir nunca são comportamentos de risco que
precisam ser monitorados e que ajudam a entender uma série de outros
comportamentos de risco correlatos. É algo fácil de ser observado em casa ou
perguntado por profissionais de saúde, segurança e educação. Independente do
conteúdo, reduzir a exposição à TV, por sua vez, pode ser uma prática efetiva
para a diminuição desses outros riscos. É preciso evitar, no entanto, que haja
apenas uma substituição da TV por outras mídias igualmente prejudiciais, quando
o uso for excessivo.
A pesquisa PeNSE permite
acompanhar alguns fenômenos no tempo – foi aplicada em 2009, 2012, 2015 e 2019
– e no espaço e sua amostra permite a desagregação dos dados por UF e Capitais.
O tamanho da amostra permite introduzir no modelo diversos controles simultâneos,
produzindo modelos robustos. O artigo acima é apenas um pequeno exemplo do que
pode ser investigado com a pesquisa, que é bastante rica e acredito que esteja
sendo subutilizada pelos pesquisadores brasileiros. É uma ferramenta importante
para entender o jovem de hoje e seus hábitos de alimentação, saúde, laser,
relacionamentos afetivos e diversos outros.
Estamos falando da geração
conectada à internet e às redes sociais através dos celulares. Os efeitos disso
não são de todo conhecidos. Segundo a pesquisa, cerca de ¼ dos jovens deixaram
de assistir a televisão, provavelmente substituindo-a pela exposição das redes
sociais como Instagran, Tik-Tok, Youtube e outras. Este comportamento, como
sugerimos, pode ser tão prejudicial para a saúde física e mental desta geração
quanto ficar exposto a muitas horas de TV.
É preciso incluir na PeNSE
questões sobre hábitos de consumo de internet e redes sociais, cujos efeitos
ainda são pouco conhecidos e estudados. Sem falar em questões sobre as mudanças
sociais advindas da epidemia de Covid em 2020.
A pesquisa mostra, finalmente, que
ainda é elevado entre os estudantes brasileiros o uso de álcool e drogas, bem
como problemas como o bullying, abusos sexuais, gravidez precoce, evasão
escolar, uso de armas, violência doméstica e depressão. Neste sentido, é também
um bom termómetro de como as políticas publicas estão – ou não estão - tratando
destes problemas no Brasil.
Referências
Kahn et all. https://www.researchgate.net/project/Efeitos-da-Midia-Violenta-a-visao-da-ciencia
OLIVEIRA, Max
Moura de et al . Características da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar -
PeNSE. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília , v.
26, n. 3, p. 605-616, set. 2017 . Disponível em
<http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742017000300605&lng=pt&nrm=iso>.
acessos em 28 fev. 2023. http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000300017.
domingo, 12 de fevereiro de 2023
O sistema de classificação indicativa e a violência na mídia
A maioria das sociedades modernas reconhece a inconveniência de expor a população, especialmente a mais jovem, a conteúdos impróprios nos meios de comunicação – violência, sexo e drogas, para mencionar apenas alguns temas mais sensíveis.
Evidência disso é que quase todas adotam algum sistema de classificação indicativa para filmes, programas, peças de teatro, shows, música ou videogames, recomendando idades e horários adequados para a exibição. Mesmo as mais liberais e democráticas não consideram esta classificação como censura, mas entendem que deve existir limites a o quê, quando e para quem as obras devem ser dirigidas.
No Brasil, pesquisa do IPESP de 2014, para o Ministério da Justiça, encontrou que nada menos que 98% dos entrevistados numa amostra nacional concordam que “deve haver algum tipo de controle sobre o que as crianças e adolescentes assistem na televisão ou acessam na internet”. Os pais disseram-se “muito preocupados” com a exibição de cenas de tortura, suicídio ou estupro (79%), consumo de drogas (73%), cenas de agressão física e violência (67%) ou de mortes violentas (67%).
O Brasil utiliza um sistema de seis classificações – livre, 10, 12, 14, 16 e 18 anos –, onde se nota uma clara predileção pelos anos pares, o que já sugere a arbitrariedade do sistema classificatório. Este sistema passou a ser adotado em 2006 e o Ministério da Justiça é o responsável pela análise do conteúdo, tendo editado inclusive um Manual de orientação com informações sobre como é feita a classificação. A legislação mais recente sobre o tema está consolidada na Portaria MJ 502, de 2021.
O problema está nos detalhes e não existem critérios objetivos para a classificação. Quantos tiros e facadas diferenciam um filme de violência moderada para extrema? O que é erotismo para um pode ser considerado pornográfico por outros e muitos acreditam que exposição a drogas legais – como álcool e tabaco – causam tanto ou mais prejuízo do que a exposição a drogas ilegais. Cada sociedade e época, como sempre, vão ajustando estes limites e entendimentos, às vezes consensualmente, às vezes com recursos na justiça. Quem tiver interesse em aprofundar o tema pode consultar este verbete da Wikipedia, que faz uma comparação dos sistemas classificatórios adotados em diversos países.
Milhares de obras já foram classificadas e estes dados estão disponibilizados no site de dados abertos governamentais, contendo mais de 65 mil registros de obras produzidas entre 1930 e 2004, incluindo variáveis como ano, procedência, produtora, atores etc. Mais interessante ainda, a base de dados do CLASSIND traz o motivo para a classificação atribuída. Não temos no Brasil nenhum estudo sistemático sobre a quantidade de violência exibida na programação de TV. A base de dados do Ministério da Justiça, assim, pode ser um modo de estimar este conteúdo.
Excluindo da amostra os eventos desportivos, shows, teatro, eventos musicais e mantendo preferencialmente as obras audiovisuais – filmes, novelas, programas, séries, desenhos – ficamos com uma base de 10.118 obras classificadas. Destas, 4.133 (40,8%) foram liberadas sem restrições enquanto as demais receberam ao menos algum tipo de recomendação. Das restrições com exposição de motivos, 2.426 (24% da base) tinham relação com violência, sexo ou drogas. Violência, isoladamente, representa quase 18% dos casos classificados com restrições.
A tabela abaixo traz detalhes destas motivações.
CONTEÚDO DAS OBRAS ANALISADAS PELO SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA
Os Estados Unidos são a origem de 88,8% do conteúdo classificado como violento (país de origem de 80% das obras avaliadas), concentrados em longas metragens (63%) e séries (17,9%). Embora imperfeito e já antigo, esse levantamento dá uma dimensão da quantidade de violência exibida pela televisão brasileira.
Há toda uma literatura robusta dedicada a aferir os efeitos deletérios da exposição de conteúdo violento nos meios de comunicação, especialmente para os mais jovens. Efeitos duradouros que vão da perda do sono e piora da qualidade da alimentação a sintomas de depressão, comportamentos violentos, suicídios, problemas de aprendizagem e até alterações cerebrais. A mídia também influencia nas nossas percepções e opiniões sobre temas como assédio sexual, armas de fogo, punição aos criminosos, imigração etc., formatando empatias, crenças e sentimentos sobre estes temas e influenciando a legislação e as políticas sobre eles.
É claro que a violência brasileira tem muitas e mais importantes causas – passando pela desigualdade econômica, elevado consumo de álcool, farta disponibilidade de armas, tráfico de drogas, baixa resolução de crimes etc. Mesmo que a televisão brasileira exibisse 24 horas por dia de balé, programas educativos ou documentários sobre pássaros, o Brasil seria um país violento. Mas é preciso encarar a exposição ao conteúdo violento como um fator de risco adicional, que deve ser levado em conta pelas políticas públicas e privadas.
A literatura que estuda mídia e violência têm recomendado diversas políticas e práticas para minimizar estas externalidades, tais como regulamentação governamental, autocontrole das empresas jornalísticas, uso de tecnologias para detectar violência em vídeo, programas nas escolas de educação para consumo de mídias, aperfeiçoar os estudos sobre consumo de mídia violenta, reforçar a orientação parental, ofertar serviços de acompanhamento de saúde mental, criar material de orientação, workshops sobre melhores práticas, qualificar a cobertura jornalística dos eventos violentos, entre diversos outros. Os meios de comunicação são céleres em apontar responsabilidades pela violência, mas lerdos em reconhecer o próprio papel no fenômeno. Medice, cura te ipson! (Kahn, Ferreira, Poli, Oliveira e Nino, 2023, Projeto Efeitos da Mídia Violenta: a visão da ciência).
Seria importante que o governo voltasse a alimentar e divulgar os dados atualizados do CLASSIND para que a sociedade possa monitorar a incidência de violência e outros temas sensíveis nas obras exibidas no Brasil, especialmente na TV aberta. Mesmo que parcialmente subjetivo e sujeito a polêmicas no caso de avaliações individuais, o sistema ajuda a entender a quantidade e a qualidade dos conteúdos sensíveis a que a sociedade está exposta.
Referências
BUSHMAN, Brad J. Violent media and hostile appraisals: A meta-analytic review. Aggressive Behavior, vol. 42, no. 6, p. 605–613, 2016. https://doi.org/10.1002/ab.21655.
FERGUSON, Christopher J.; COPENHAVER, Allen; MARKEY, Patrick. Reexamining the Findings of the American Psychological Association’s 2015 Task Force on Violent Media: A Meta-Analysis. Perspectives on Psychological Science, vol. 15, no. 6, p. 1423–1443, 2020. https://doi.org/10.1177/1745691620927666.
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