segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Taxa de esclarecimento de homicídios: o que explica a variação estadual?


O Brasil tem o maior número absoluto de homicídios dolosos no mundo e uma taxa de homicídios mais de três vezes superior à média mundial (5:8), não obstante a queda iniciada a partir de 2017 (Estudo Global sobre Homicídios, 2023, UNODC). Um dos motivos que contribui para isso é a baixa taxa de esclarecimento de homicídios pelas polícias brasileiras – em torno de 40% - mesmo considerando-se que o esclarecimento dos homicídios é em geral superior ao esclarecimento dos crimes patrimoniais. (Onde mora a impunidade, Instituto Sou da Paz, 2024)

A quantidade expressiva de casos concentrados em certas localidades impõe uma tarefa hercúlea para a investigação e a natureza destas mortes, frequentemente ligada à dinâmica criminal, é outro diferencial que explica a baixa elucidação no Brasil. A falta de treino na preservação do local de crime, o medo das testemunhas, a precária coleta de provas e a ausências de bancos de dados balísticos, de DNA, fotográficos, etc. contribuem com sua parcela para que boa parte das mortes continue impune.

A taxa de esclarecimento de crimes é assim um indicador da qualidade da investigação policial, mas também reflete outras circunstancias que são alheias ao esforço policial. De todo modo, trata-se de um indicador clássico de eficiência de polícia judiciária e que não está disponível nas estatísticas policiais nacionais. Por este motivo, o Instituto Sou da Paz passou a coletar os dados para o monitoramento do indicador solicitando informações diretamente dos Estados, nos últimos  anos.

A tabela abaixo traz a taxa de esclarecimento de casos mais recente para cada Estado coletada nas pesquisas Onde Mora a Impunidade, realizada pelo Sou da Paz, e uma classificação em três níveis criada por mim com base nestas taxas. Os dados para AL, MA e TO foram estimados com base na média regional (31% para NE e 45% para N), uma vez que estas unidades não forneceram dados para a pesquisa. O esclarecimento médio baseando nos valores da tabela ficou em 47,6%, (diferente do obtido pelo Sou da Paz, que não estimou valores para os Estados ausentes) variando de 9% no RN a 90% no DF, sugerindo que há muita variação entre os Estados.


Analisando-se a série histórica enviada pelos Estados notamos que existe muita variação anual nas estimativas, de modo que preferimos trabalhar aqui com três grandes categorias – baixo, médio e alto esclarecimento – ao invés de se fiar nas quantidades estimadas. Como é possível notar pela tabela, a maioria dos estados com baixo esclarecimento parecem vir do Nordeste e na categoria de alto esclarecimento vemos Estados do Sul e Centro Oeste. Nenhum Estado do Sudeste está na categoria alto esclarecimento e o RJ aparece na categoria baixo esclarecimento. Vemos assim que Região do país – e suas desigualdades econômicas e sociais - explica em parte esta distribuição, mas parece também deixar muita coisa de fora.

O que pode explicar estas diferenças tão dispares? O IBGE divulgou recentemente a pesquisa Estadic 2024, com inúmeras características do sistema de justiça criminal dos Estados, algumas delas potencialmente relacionadas, direta ou indiretamente, a taxa de esclarecimento de homicídios, tais como Região do país, se a PM e a PC tem tiveram cursos de preservação do local do crime em 2022, se a Perícia é desvinculada da Polícia Civil, se existe algum programa de prevenção ou para a redução de homicídio, entre outras. Dos 27 Estados, apenas 1 (Rondônia) recusou-se a responder à pesquisa do IBGE deste ano. Adicionamos também a base alguns indicadores criminais do Atlas Brasileiro de Segurança Pública, como taxa de homicídios estadual, taxa de armas de fogo apreendidas, despesa per capita em segurança, tamanho da população no sistema penitenciário por 100 mil hab., etc.

Para investigar que variáveis podem estar associadas ao nível de esclarecimento, optamos por utilizar uma rede neural perceptron, dado que a amostra é pequena (26 UFs) e a rede neural faz menos exigências com relação à distribuição e linearidade dos dados. No total incluímos 8 variáveis no modelo, sendo 5 fatores e 3 co-variáveis. Todas as variáveis foram normalizadas e utilizamos a tangente hiperbólica como variável de ativação. Softmax foi utilizada como função de ativação final (sete camadas ocultas resultaram do modelo) e entropia cruzada foi selecionada como função de erro, uma vez que nossa variável dependente é categórica com 3 níveis (baixo, médio e alto).

O resultado da predição foi de 89% para a amostra de treinamento e de 85,7% na amostra de teste. O erro de entropia cruzada é de 3.893, se considerarmos a predição da amostra de testes e a porcentagem de predições incorretas, de 14,3%


O modelo parece portando prever adequadamente se um Estado pertence a um nível, baixo, médio ou alto de esclarecimento. Significa dizer que as variáveis incluídas no modelo estão associadas com o desempenho do Estado no esclarecimento dos homicídios. Todas as variáveis independentes dão alguma contribuição razoável para a predição, o que significa dizer que estão associadas ao fenômeno.

O perceptron multicamada fornece excelente capacidade de modelar relações complexas, mas sua falta de interpretabilidade em termos de coeficientes e sinal da associação é uma limitação inerente ao método.

No perceptron, os pesos associados às conexões entre os neurônios são ajustados para minimizar um erro (como a função de perda softmax), mas esses pesos não têm um significado interpretável em termos de impacto direto, pois os pesos são combinados de maneira não linear (após passar por funções de ativação, como tangente hiperbólica, usada no nosso modelo). Eles não estão vinculados a uma relação explícita entre entrada e saída. Redes neurais capturam interações complexas e não lineares entre variáveis. A relação entre uma entrada e a saída pode depender do contexto das outras entradas. Isso contrasta com modelos lineares, onde o efeito de cada variável é independente das outras. Em redes multicamadas, como a utilizada aqui, os pesos são ajustados em várias camadas (7, no modelo), e o efeito final de uma entrada na saída é distribuído por múltiplas operações e ativações intermediárias. Assim, o impacto de uma variável não pode ser rastreado diretamente até a saída, e o sinal de sua associação não é evidente.

 

Em resumo, o modelo é bom para classificar e prever, mas não é possível interpretar o sinal da relação entre as variáveis. Uma solução alternativa é rodar um modelo de regressão linear simples e observar o sinal das associações. Assim, quando falamos abaixo no sentido ou sinal da associação entre as variáveis estamos no baseando no sinal obtido através da regressão e não da rede neural. A título de curiosidade, a regressão seleciona como bons preditores praticamente as mesmas variáveis da rede neural: região, se o Estado tem um programa estadual de prevenção de homicídios, taxa de homicídios dolosos, taxa de população carcerária, curso de preservação de local do crime, taxa de armas de fogo apreendidas e despesa per capita em segurança.

Ao contrário de modelos estatísticos tradicionais, as redes neurais não possuem coeficientes diretamente interpretáveis. O SPSS desenvolve um processo pós-hoc para inferir a importância relativa das variáveis com base nos pesos e nas interações dentro do modelo. A contribuição total de cada variável é uma combinação ponderada de todos os caminhos possíveis entre a variável de entrada e a saída. Na tabela abaixo vemos esta “importância normalizada” onde a variável mais relevante equivale a 100% e as demais são comparadas a ela.

Passando para a análise dos resultados: Região é significativo, com as taxas de esclarecimento no Centro Oeste sendo claramente superiores às demais regiões. Estar no Centro Oeste aumenta, portanto, a probabilidade de pertencer ao grupo de alto esclarecimento.

A presença de algum programa de prevenção e ou redução de homicídios no Estado tem igualmente um efeito notável e aumenta a probabilidade do Estado ter uma taxa de esclarecimento mais elevada. O esclarecimento é maior onde o poder público parece se preocupar mais com a questão, o que pode implicar em maiores recursos para a investigação de homicídios.

A existência de Curso de Preservação do local do crime para a Polícia Civil e para Polícia Militar é relevante – especialmente na PC e o sentido é positivo: ou seja, Estados com cursos deste tipo em 2022 apresentam maiores taxas de esclarecimento.

O impacto da Perícia Oficial independente, no entanto, vai ao sentido contrário ao esperado: Estados onde a Perícia tornou-se independente da Polícia Civil tem taxas de esclarecimento inferiores aos demais. A ideia é que a autonomia financeira e administrativa das perícias contribuísse para seu desempenho, mas no caso do esclarecimento dos homicídios esse efeito foi contrário. É preciso tomar cuidados com variáveis omitidas, pois as perícias tendem a se tornar autônomas nas grandes corporações dos maiores Estados.


A taxa de apreensão de armas de fogo no Estado parece relevante e o sentido é positivo: quanto maior a taxa de apreensão de arma (geralmente tarefa da PM), maior também a taxa de esclarecimento de homicídio. Se pensarmos na apreensão de armas como um indicador de atividade policial, faz sentido pensar que ambas as grandezas caminhem juntas. Ambas podem ser o reflexo de alguma política de combate aos homicídios implementada no Estado, como vimos, focando tanto na retirada de armas em circulação quanto na investigação de casos.

Por algum motivo pouco claro, quanto maior a taxa de presos no sistema penitenciário do Estado, maior a probabilidade dele pertencer aos grupos de médio ou alto esclarecimento de homicídios. Ambas as dimensões estão relacionadas com a diminuição da impunidade.

Por outro lado, uma taxa de homicídios elevada, diminui a probabilidade de esclarecimento: este sinal negativo faz sentido se pensarmos que o baixo esclarecimento estimula a ocorrência de mais homicídios. Como já observamos, as menores taxas de esclarecimento encontram-se hoje no Norte e Nordeste, precisamente as regiões que apresentam as maiores taxas de homicídio. No sentido inverso, um alto esclarecimento passa a mensagem de rigor na apuração e desestimula o cometimento de novos homicídios, além de incapacitar ofensores contumazes.

A intenção não é esgotar todas as possibilidades de interpretação, mas sugerir que maiores ou menores índices de esclarecimento de homicídios não são aleatórios. Algumas variáveis independem do poder público (como a natureza dos homicídios), mas outras estão sob sua alçada. Os dados sugerem que o foco na questão da redução dos homicídios – como um programa estadual com este objetivo, maior apreensão de armas, cursos de preservação de local, diminuição da impunidade, etc., - podem trazer efeitos benéficos sobre as taxas de esclarecimento. É preciso recursos e liderança para enfrentar o problema. E é possível aprender com a experiência dos Estados com elevados índices de esclarecimento.

 

 

terça-feira, 12 de novembro de 2024

A pesquisa Estadic do IBGE e a heterogeneidade organizacional das policias estaduais

 


Estados e municípios em diferentes regiões e contextos enfrentam problemas criminais diferentes e não existe uma forma única de organização das forças de segurança para lidar com todos eles. É natural encontrarmos arranjos institucionais diferentes Brasil adentro, não obstante algumas tendências uniformizadoras, como a Constituição, Leis orgânicas das polícias, Conselhos Nacionais de polícia e orientações do Ministério da Justiça. Em realidade, temos defendido que a desconstitucionalização do tema no art. 144 permitiria a emergência de mais e melhores arranjos institucionais, como por exemplo policiais estaduais únicas e de ciclo completo.

Mas quanta heterogeneidade temos nestes arranjos estaduais e em quais aspectos? A pesquisa Estadic do IBGE é realizada esporadicamente e procura levantar alguns destes aspectos junto aos Estados, assim como a Munic faz com relação aos municípios. A Estadic pergunta sobre a estrutura da segurança pública, como secretarias, conselhos, fundos, planos estaduais, ouvidorias, treinamento, efetivos e dezenas de outras características. No artigo levanto algumas das heterogeneidades que acho interessantes destacar e outras que me parecem preocupantes, se pensarmos num padrão mínimo ao qual todas as organizações deveriam atender.

Destaque-se em primeiro lugar que nem todas as Secretarias estaduais têm os mesmos órgãos subordinados. Em 13 delas há um departamento de trânsito (DETRAN), mas em quase a outra metade (12) o departamento de trânsito não faz parte da SSP, o que sugere que provavelmente a gestão do trânsito passou a ser independente da polícia. Problemas de corrupção sistêmica nos DETRANS – como a venda de habilitação e anulação de multas - tem levado nos últimos anos à sua separação das Policiais Civis, igualmente afetadas pela corrupção.

A gestão da Administração Penitenciária é responsabilidade da Secretaria de Segurança em 9 Estados e área independente de gestão em 16 deles. Os mesmos números aparecem no caso da Defesa Civil, com 9 Estados colocando a tarefa sobre a égide da SSP e 16 sob outros guarda-chuvas – como a Casa Civil ou Palácio - ou estruturas próprias. Como sugeri alhures, o aumento da frequência e seriedade das crises climáticas deve tornar as Defesas Civis cada vez mais técnicas e aparelhadas para lidar com o problema, tirando-as da organização policial e da gestão pelos bombeiros. O crescimento intenso da população prisional em todos os Estados, por sua vez, tem levado à criação de outras formas de gestão – inclusive gestão privada ou pela sociedade civil – geridas por secretarias próprias para o setor.

Assim, parece existir um “núcleo duro” nas Secretarias estaduais de segurança, formado por Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Perícia e outros órgãos ou funções subsidiárias que a SSP assume ou não, conforme o caso. Quando o volume e o problema são grandes demais – caso do trânsito, corrupção no Detran,  administração de presos ou defesa civil – muitos Estados tem procurado dar recursos e estruturas próprias para a execução destas tarefas. O volume e seriedade destes problemas pode variar muito regionalmente e faz sentido que o poder público se adapte a estas circunstanciais.

Pode-se dizer o mesmo com relação às modalidades de policiamento ostensivo, onde existe bastante heterogeneidade entre as polícias militares. Algumas modalidades são praticamente universais – como o policiamento rodoviário, ambiental, escolar, de trânsito, comunitário, operações especiais, choque, policiamento com cães, enquanto outras são menos comuns – como policiamento aéreo, turístico, fluvial, montado e policiamento de fronteira. Novamente aqui, cabe aos Estados adaptarem-se segundo as características e preferências regionais – embora o governo federal possa estimular a existência de alguma modalidade em particular, de modo universal, como policiamento comunitário.

Por outro lado, existem arranjos que deveriam ser universais, quesitos mínimos, independente de contextos regionais. Sete Estados afirmam na pesquisa do IBGE que a produção de estatísticas não é regulamentada ou normatizada por documento legal, como resoluções ou decretos, o que denota uma fragilidade institucional da prática, que poderia ser abolida por futuras gestões. Em troca de recursos federais, poder-se-ia cobrar dos Estados um mínimo de produção e transparência com relação às estatísticas criminais, definidos em lei ou decretos estaduais.

Os conselhos estaduais de segurança têm na maioria representação preponderantemente governamental (23 UFs) e 24 deles tem natureza apenas consultiva. Metade dos Conselhos se reuniu 4 ou menos vezes no último ano. Apenas 4 estados responderam que os Conselhos tem dotação orçamentária própria. Seria recomendável aqui também alguma sugestão federal para homogeneizar a estrutura, funções e funcionamento dos Conselhos, de modo a garantir que sejam representativos e atuantes ao invés de subservientes ao governo de plantão, como geralmente são.

Com relação ao treinamento da Polícia Militar, em 23 casos ele é administrado pela própria instituição e em apenas 5 casos por outras instituições. Dos 27 Estados, 22 não realizam o curso de formação de oficiais de forma integrada com a Polícia Civil. É preciso caminhar aqui tanto no sentido da abertura para a formação policial, ao menos parcialmente, por instituições acadêmicas externas, quanto no sentido da integração da formação dos quadros superiores, pelo menos na cúpula das duas polícias.

Todas as PMs mantem um serviço de atendimento e despacho de ocorrências, mas em 12 UFs não é feito o georeferenciamento das chamadas recebidas e 7 delas não georeferenciam a localização das viaturas. Georeferenciamento é hoje um ferramental básico de gestão e trata-se de um desperdício desprezar este tipo de informação para fins operacionais, táticos e estratégicos. Com a geolocalização de chamados e viaturas, é possível, por exemplo, identificar qual a viatura disponível mais próxima da ocorrência, informação elementar para a otimização do atendimento. Ou identificar hot spots, usados numa modalidade de policiamento mais efetiva (policiamento por hot spots) e cuja existência não foi pesquisada na Estadic.

Em alguns Estados (7) o registro de ocorrências da PM ainda é feito total ou parcialmente de forma manual e em 8 Estados o sistema de registro não é integrado ao sistema estadual de registros. Novamente aqui, é impensável convivermos com etapas manuais de registro quando as polícias lá fora já utilizam IA para auxílio ao preenchimento dos registros. Caberia incentivar também, a integração entre os sistemas policiais estaduais, uma vez que no falido sistema de policiamento bipartido as polícias estaduais sonegam informação uma das outras e ambas do governo federal e das guardas municipais.

No que respeita a qualidade de vida dos policiais, algumas das PMs estaduais (8) ainda não disponibilizam assistência à saúde mental dos profissionais e apenas 6 providenciam seguro de vida ou seguro de acidentes (5). Alguns problemas de saúde, como depressão, suicídio, alcoolismo, afetam desproporcionalmente os agentes de segurança e seu bem estar físico e mental é importante tanto para eles como para garantir o atendimento à população.

Com relação à Polícia Civil, em 14 Estados a perícia é vinculada a esta e em 12 Estados existem perícias independentes da Policia Civil, separação proposta para garantir a independência de recursos e de gestão da polícia técnico científica.  Como no caso da PM, os cursos de formação são na maioria dos Estados (19) administrados pela própria instituição, em academia próprias, com pouco contato com instituições acadêmicas ou professores externos. Em 4 UFs o registro das ocorrências policiais ainda é realizado de forma ao menos parcialmente manual. Em apenas 10 Estados o sistema informatizado de ocorrências é unificado ao da PM. Com relação à assistência aos profissionais, apenas 11 dão alguma forma de assistência à saúde e 19 delas afirmam dar algum tipo de assistência à saúde mental. Somente 6 UFs dão seguro de vida aos policiais civis e só 3 UFs tem seguro de acidentes.

Do lado positivo, a maioria dos Estados mencionou que recebe recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. Isto significa é que possível utilizar os recursos do Fundo como moeda de troca para estimular a adoção de algumas medidas uniformemente pelos Estados. O governo federal quer estipular diretrizes nacionais para polícias e guardas municipais. A pesquisa Estadic e seu diagnóstico sugere uma agenda importante de diretrizes que poderiam ser estipuladas, como condição para o recebimento de fundos federais. Como por exemplo:

- Obrigatoriedade do modelo de policiamento comunitário em todas as polícias estaduais e guardas municipais;

- Independência funcional das Polícias Técnico Científicas das Polícias Civis, garantindo a estas recursos físicos e humanos próprios e a gestão autônoma destes recursos;

- Formalização em documento legal estadual da produção de estatística, estipulando indicadores mínimos, periodicidade, nível de desagregação, transparência e outros critérios mínimos;

- Criação e padronização mínima dos Conselhos Estaduais de Segurança, estimulando representação paritária ou majoritariamente civil, papel deliberativo, recursos próprios e outras condições de funcionamento;

- Maior permeabilidade dos cursos de formação policial ao mundo acadêmico externo e cursos integrados para as duas polícias, em todos os níveis;

- Georreferenciamento de todos os registros policiais que contenham informações espaciais relevantes para a gestão das ocorrências. Sistemas devem ser 100% informatizados e integrados – ou pelo menos com acesso ilimitado garantido – entre as duas polícias.

- Com exceção de informações sensíveis, governo federal e guardas municipais devem ter acesso amplo aos registros dos sistema estaduais de ocorrências das duas polícias,  para fins de planejamento e avaliação de polícias de segurança;

- Disponibilização de assistência à saúde física e mental e seguro de vida e acidentes aos policiais;

A Estadic nos mostra a heterogeneidade existente na estrutura e funcionamento da segurança pública estadual, algumas recomendáveis e outras nem tanto. A PEC da Segurança está propondo a constitucionalização e a unificação dos fundos nacionais de segurança e preocupada com a uniformização de alguns aspectos da organização da segurança em nível nacional. Um fundo robusto e diretrizes claras e bem definidas, estabelecidas em comum acordo com as forças de segurança, podem ajudar neste objetivo.

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Defeitos e virtudes da PEC da Segurança pública

 


Sociólogo Tulio Kahn, especialista em segurança pública, comenta pontos da proposta do governo federal

Tulio Kahnsociólogo e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

O governo federal reuniu um grupo de autoridades para apresentar sua proposta de PEC para a segurança pública. Por si mesma, a iniciativa de assumir mais responsabilidades sobre a segurança pública e convidar os governadores para discutir a questão deve ser elogiada.

Como toda proposta de mudança nesta esfera, a PEC da segurança tem aspectos positivos e negativos. Em alguns pontos ela propõe medidas radicais – que correm o risco de não serem aprovadas – e em outros, lida com aspectos pouco relevantes do ponto de vista da redução da criminalidade. É preciso esperar para ver o que restará da proposta original quando for debatida e modificada pela sociedade e pelo Congresso, para avaliar seu impacto.

Entre outros pontos, a PEC propõe constitucionalizar o SUSP e os fundos unificados de Segurança e Penitenciário, medida que pode garantir maior segurança institucional a estas regras, evitando que sejam extintos em futuras gestões. Mas a unificação dos fundos nacionais (o FUNAD ficou de fora da PEC) poderia ter sido acompanhada de um incremento considerável no montante, apontando, claro, de onde viriam os recursos, sempre escassos. O problema principal dos fundos nacionais não é contingenciamento de recursos, mas o seu volume insignificante, além da falta de bons projetos.

Assim, estes fundos nacionais robustos seriam a cenoura para que os Estados seguissem as diretrizes nacionais, em vez de propor a obrigatoriedade para os Estados, como sugerido na PEC, item que dificilmente passará no Congresso como está formulado e que tem provocado resistência natural por parte dos governadores e das polícias. Trata-se de um cheque em branco, uma vez que não há como saber o que seriam estas diretrizes nacionais. E um risco, pensando em diretrizes federais como as que já vimos. Esta é a parte “radical” da proposta e que tem a função de transmitir a mensagem de que o governo federal quer fazer alguma coisa, mas a legislação atual não deixa. Ninguém, nem mesmo o governo, acredita na sua viabilidade – mesmo se o governo federal viesse a assumir todos os enormes custos da segurança, o que está longe de fazer (governo federal participa com apenas 1,6% dos gastos em segurança pública, segundo o Anuário FBSP, de 2023).

Do lado menos radical da PEC estão os projetos como unificação de documentos de identidade, padronização de registros policiais, unificação de procedimentos policiais etc. iniciativas que se arrastam pelos corredores do Ministério da Justiça desde a minha época (2002) e nem precisariam de uma PEC para serem levados a cabo. Mas são ideias que continuam pertinentes, de baixo impacto (assim como o policiamento das hidrovias…) e que não devem enfrentar maiores oposições dos Estados ou do Congresso.

Deixando de lado as propostas mais radicais e pouco realizáveis e as propostas de menor impacto, temos um grupo de propostas que são ao mesmo tempo relevantes e politicamente viáveis. Refiro-me aqui, por exemplo, à ideia de ampliar e explicitar as competências da PF/PRF para atuar em defesa do patrimônio federal, nos crimes ambientais, de milícia ou interestaduais, que me parecem o elemento mais relevante do pacote, uma vez que atribuem novas e relevantes tarefas aos órgãos federais. A PRF conta com mais de 12 mil policiais, um orçamento superior à soma dos fundos nacionais (R$ 4,8 bilhões), mas tem funções constitucionais bastante limitadas, que poderiam ser ampliadas. Eu incluiria neste rol de funções algumas atribuições atuais das Forças Armadas sobre a fiscalização de armas e proprietários, que as FAs não têm realizado a contento. Estas novas atribuições exigem mudanças constitucionais e precisarão de apoio no Congresso. Devem enfrentar resistências da bancada da bala e das polícias estaduais, que temem perder poder, mas acredito que possam ser aprovadas, se houver consenso na sociedade sobre sua importância e muita negociação.

Gostaria de me deter sobre o que penso ser um equívoco conceitual da proposta, que assume que o modelo atual de segurança estadual é “efetivo” e tenta emulá-lo em nível federal. Assim, segundo a justificativa da PEC, “cumpre ressaltar que os Estados da Federação e o Distrito Federal atuam na área de segurança pública por meio de duas forças policiais distintas: polícia judiciária e polícia ostensiva… Esse modelo, considerado efetivo nos Estados, merece ser replicado no âmbito federal.” Ouso dizer que não merece.

O que o governo percebe como mérito talvez seja justamente o cerne do problema de segurança brasileiro. O modelo de duas polícias (com duas “meias polícias” ou quatro quartos de polícias, se considerarmos as divisões de castas dentro de cada uma delas) é apontado por quase todos os especialistas em segurança como um fracasso em comparação com o modelo de polícia única e de ciclo completo – O que pensam os especialistas, 2017 e 2019. As polícias estaduais competem entre si, não compartilham informações, têm estruturas redobradas e conflito de competências, não investigam nem previnem crimes, são impregnadas pela corrupção e violência sistêmicas etc. Pelo menos alguma parte destas mazelas é responsabilidade da inexistência de uma polícia única de ciclo completo.

A maioria dos policiais também percebe o problema e é favorável à polícia e carreira únicas e aprovam a ideia de poder alternar entre atividades judiciárias e ostensivas. Na pesquisa com especialistas – incluindo policiais civis e militares – realizada em 2017, 31,5% dos entrevistados se disse fortemente a favor da unificação e 28,7% a favor, somando os favoráveis à medida 60,2% (Kahn, Apontamentos para a reforma da segurança pública no Brasil, 2018). Corroborando as pesquisas feitas com especialistas e com a população sobre o tema, a maioria absoluta (70%) dos 5.600 policiais entrevistados em pesquisa sobre modelo de polícia de 2019, apoiou a unificação das policiais estaduais. Apenas 8% disseram que as polícias deveriam ser totalmente separadas ou ficar como está atualmente. Finalmente, 21% afirmaram que deveria existir maior integração entre as polícias. Parece haver um consenso de que existe pouca integração e em torno do desejo da unificação, quando analisamos o total da amostra (Kahn, Tulio, Seis teses equivocadas sobre a criminalidade brasileira e outros escritos, 2019).

Opinião sobre a unificação e alternativas

                                                    Fonte: Pesquisa Unificação das Polícias / Fundação Espaço Democrático

O governo federal pode aproveitar a oportunidade para criar uma polícia federal única de ciclo completo – juntando numa mesma força a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Penal Federal. A Força Nacional de Segurança Pública teve sua existência ignorada na PEC, o que é uma evidência de que poderia ser tranquilamente extinta, assim como a Polícia Ferroviária Federal, caso esse novo modelo de polícia federal venha a ser criado.

Nesta força federal unificada de ciclo completo, gerenciada por um Ministério da Segurança exclusivo, adotar-se-ia o ingresso único por baixo, com ascensão aos postos superiores apenas mediante cursos e concursos para progressão, extinguindo-se a carreira dos delegados bacharéis, tal como se dá atualmente na PRF. O projeto ainda está em discussão no governo e será debatido no Congresso e pela sociedade. Creio que uma mudança nesta direção seria um legado estruturante da atual gestão (cujo ministro, gosto de lembrar, foi meu professor).

Essa polícia federal unificada poderia ser o modelo para eventualmente ser reproduzido nas polícias estaduais algum dia – desconstitucionalizando-se o modelo bipartido atual, engessado no art. 144, ao invés de trocar o nome da PRF para POF. Se a intenção é criar um sistema único e integrar as organizações policiais, o governo federal poderia começar integrando as suas próprias polícias.

O País precisa de mudanças impactantes na área da segurança. Temos visto algumas poucas, desde que o governo federal passou a se dedicar com maior intensidade ao tema. Exemplos de mudanças estruturantes na segurança em âmbito nacional foram, na minha seleção pessoal:

1) A criação da Senasp, em 1997.

2) A criação do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Plano Nacional de Segurança Pública, em 2000.

3) A criação do Estatuto do Desarmamento em 2003.

4) A criação do SUSP, sua forma de financiamento via loteria e a criação do Ministério da Segurança, em 2018 – infelizmente de pouca duração.

5) A abolição da legislação bolsonarista sobre armas, em 2022.

A PEC da Segurança de 2024 é ousada em vários aspectos e pode servir de base para discutir temas importantes. Contribui em maior ou menor medida para a criação e aperfeiçoamento das medidas 2, 3 e 4, o que me garante algum crédito, acredito, como razoável formulador de políticas públicas de segurança estruturantes. Ficam aí algumas sugestões para o aperfeiçoamento da proposta federal.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Todo ano reuno os artigos divulgados nas redes sociais em formato de livro digital, o que explica meus 27 livros na Amazon ! Em 2024 já são 190 páginas de análises criminais, falando sobre crime organizado, homicídios, sistema prisional, segurança pública municipal e outros. Os artigos são recheados de novos dados e lançam mão de diversas metodolgias de pesquisa. Segue o link para quem perdeu algum deste ano! Segue o link ou busque na Amazon! https://www.amazon.com.br/Notas-criminalidade-seguran%C3%A7a-p%C3%BAblica-Brasil-ebook/dp/B0DL6L87S8?ref_=ast_author_dp&dib=eyJ2IjoiMSJ9.cqPaQPdJ-T1e92KXwRvC7Ak7hNlTGSQDNa6Gq6vZ1A6p1OLPv5-iOXWkSWJaHgGOZXJOsOfzLZvSFRVFJ13SSQY7IgxK7ecAaAtWvdh6BHQV1mgO_lzmpa0DvSovX0Wf1jJQKSEw3WuYWtEwxbPQKCGA1x2dY7gp4mjyGo8JMCw9IghppLgi-R7PqnfU5Fdwy4so-M3U5-pI0mUS_hgl6GRWEBjCVJpUE3YbYRfkcJ4.9KybHizAr7wKGmy5xsECGsX--6Rla2BghbE5K5UqA3I&dib_tag=AUTHOR

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Análise de dados para Segurança Pública

O objetivo deste curso é mostrar algumas ferramentas de análise que tenho utilizado para fazer minhas próprias análises criminais e outras análises quantitativas e qualitativas nos últimos 25 anos.


Não se trata aqui de um curso de análise criminal tradicional mas sim de um curso que apresenta ferramentas úteis para o analista criminal. O foco é nas ferramentas e em como montar uma base e os recursos das ferramentas para a posterior análise criminal.

Estaremos ensinando a coletar dados de páginas web, montar formulários on-line para coleta de dados, construir nuvens de palavras, fazer mapas tipo LISA, coletar dados do facebook, analisar redes sociais através de redes de relacionamento, fazer regressões simples em machine learnings, visualizar dados num B.I e outras técnicas interessantes.

Não é preciso de grandes conhecimentos em estatística ou programação para manusear os programas mostrados, mas é preciso sim conhecimento prévio nestas áreas para saber o que se pode extrair dele

Os módulos do curso de métodos e técnicas de análise de dados com ênfase em análise criminal, conforme a estrutura apresentada, são os seguintes:


O curso de análise de dados com ênfase em criminalidade capacita na coleta, análise e visualização de dados criminais, com módulos essenciais: Coleta de Dados (técnicas como raspagem web, construção de formulários e uso de robôs de chat para automatizar a coleta); Análise Qualitativa (ferramentas para interpretação de discursos, nuvens de palavras, e classificação de sentimentos com QDA Miner); Análise Quantitativa (estatísticas, regressões e análise fatorial); Séries Temporais (previsão com ARIMA e suavização); Análise Espacial (mapeamento e Moran I); Análise de Redes (Gephi e Node Excel) e IA Generativa (uso do ChatGPT para análise).


https://hotmart.com/pt-br/marketplace/produtos/metodos-e-tecnicas-de-analises-de-dados/R40903062C?sck=HOTMART_SITE&search=7847fd49-70ef-4097-ad63-855838538001&hotfeature=33

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