sábado, 19 de maio de 2018

Ainda sobre a Intervenção Federal no Rio de Janeiro





Esta semana o ISP divulgou as estatísticas de criminalidade do Rio de Janeiro, relativas ao mês de abril. Não obstante o crescimento de homicídios, furtos e estupros, os números de modo geral confirmam a tendência de queda da criminalidade no RJ, iniciada em meados de 2017.

Comparando com abril de 2017, os roubos caem -13%, roubos de veículos caem -5%, furtos - 9%, latrocínios -36% e lesões corporais dolosas -6%. Por sua vez, o furto de veículos, que vinha de uma longa tendência de queda, teve 4% de aumento, os estupros 18% e os homicídios dolosos, 10%. No nosso índice geral (que leva em conta as variações médias dos diversos crimes) observamos uma ligeira queda de -2,4%, menor do que nos meses anteriores.

Os índices oficiais não são de todo consistentes com os 25% de aumento de “tiroteios” nos três meses de intervenção, levantados pela plataforma colaborativa “fogo cruzado”, que mapeia relatos sobre tiroteios com base em diversas fontes. Embora tenham recebido bastante atenção da imprensa, os 25% de crescimento dos tiroteios foram calculados com base nos três meses anteriores e não com relação ao mesmo período do ano anterior. A metodologia de contagem do aplicativo não é clara, por exemplo, com relação aos cuidados para evitar a dupla contagem de casos, no caso de várias denúncias sobre um mesmo evento. Além disso, a própria intervenção pode ter estimulado o aumento de relatos, de modo que, embora relevante para o mapeamento geográfico, os dados do aplicativo são menos confiáveis para apontar tendências temporais.

A queda de crimes no RJ, como já apontamos, é anterior à Intervenção federal e está em linha com a queda geral da criminalidade nos demais estados, após o término do ciclo econômico recessivo. A pergunta relevante é se a Intervenção tem algum papel relevante nesta queda. Como ressaltado em comentários anteriores, essa avaliação é difícil de ser feita, pois é necessário o controle sobre diversos fatores simultâneos.

De todo modo, numa avaliação muito simplista, tomemos as tendências gerais de roubo nos últimos meses, para os estados que divulgam o dado pela internet. As séries histórias de roubos de Rio de Janeiro e São Paulo são bastante parecidas (cointegradas): ainda que os volumes sejam diferentes, as variações não o são.

O gráfico abaixo traz as variações dessazonalizadas dos roubos no Rio e em SP, tomando uma média móvel de seis meses, de 2001 a 2018. Uma rápida olhada é suficiente para ver como tendem a variar em conjunto, bem como os efeitos deletérios das crises econômicas de 2009 e 2014.




Assim, uma estratégia simplória para averiguar o impacto da Intervenção seria comparar as variações nos dois Estados. Se a conjectura de que a Intervenção trouxe algum impacto for verdadeira, esperaríamos uma variação negativa maior no Rio de Janeiro do que em São Paulo ou nos demais Estados. A velocidade da queda no Rio deveria ser maior também em função do fenômeno de regressão à média: o crescimento anterior dos roubos no RJ foi muito maior do que nos demais Estados em 2016 e 2017, de modo que as quedas deveriam ser mais acentuadas, por mero artifício estatístico.

Os dados, no entanto, não corroboram até o momento a interpretação de que a Intervenção tenha alguma relevância nesta queda dos roubos.




A tabela mostra a tendência generalizada de queda nos roubos em todos os Estados analisados, a partir da metade de 2016 (note-se que a queda teve início tardio do RJ). Analisando apenas os últimos três períodos disponíveis em cada Estado, observamos na última linha que a queda dos roubos no RJ, embora crescente, foi em média da ordem de -9,6% durante o período da Intervenção. Em São Paulo, a variação nos três últimos pontos foi de -18,4%.  

A variação negativa no Rio foi equivalente às observadas no MS, CE, RO e BA, mas inferior às de SP, MG, RS, MT, GO, PR, DF e SC. Em média, tomando os últimos três pontos, a variação dos roubos foi de -18,8%, o dobro da queda carioca. Embora simplista, a análise sugere que a tendência de queda observada no Rio apenas acompanha a tendência geral de diminuição dos crimes patrimoniais pós-crise e que a Intervenção, aparentemente, tem pouco a ver com os resultados. O desempenho do Rio também é comparativamente menor no caso dos homicídios dolosos e roubo de veículos, ainda que estes últimos estejam diminuindo. Em suma, ainda é cedo para avaliarmos o impacto da Intervenção federal no RJ, mas até o momento são poucos os indícios de que tenham sido significativos.

Um complicador para a análise é que o Rio chegou tarde neste ciclo virtuoso de queda da criminalidade, que pode estar se esgotando. Diversos indicadores econômicos sugerem que a retomada da economia foi tímida, um voo de galinha, e que talvez vejamos uma retomada econômica em forma de “W”. Já é possível visualizar esta forma de “W” no gráfico de roubos de alguns Estados: crescimento forte em 2014 e 2016 e quedas em 2015 e 2017. Em 2018, os roubos estão ainda em queda na maioria dos estados, mas é possível que tenhamos chegado ao ponto mais baixo da queda. As linhas do gráfico de alguns estados já embicam para cima, sugerindo desaceleração da queda nos próximos meses e, eventualmente, uma inversão de tendência no final de 2018.

O fato é que, qualquer que seja a tendência, para avaliar o que acontece no Rio é preciso levar em conta o que ocorre nos demais Estados, uma vez que a criminalidade responde muito mais ao contexto sócio econômico geral do que às políticas de segurança. Tanto menos às que mostram tantas fragilidades conceituais, como a Intervenção no Rio tem mostrado até o momento.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Segurança Pública nas eleições de 2018



É possível que tenhamos mais de 20 candidatos para as eleições presidenciais de 2018. Sem contar o candidato do PT, que ainda insiste em lançar a candidatura Lula, são assumidas ou especuladas as candidaturas de Geraldo Alkimin – PSDB, Bolsonaro – PSL, Marina Silva – Rede, Álvaro Dias – Podemos, Aldo Rebelo – Solidariedade, Joaquim Barbosa – PSB, Henrique Meirelles – MDB, Flávio Rocha –PRB, Rodrigo Maia – DEM, Ciro Gomes – PDT, Manuela Davila – PcdoB, Guilherme Boulos – PSOL, João Amoedo – Novo, Fernando Collor – PTC, Eymael – PSDC, Levy Fidelix – PRTB, Vera Lúcia – PSTU, Guilherme Afif – PSD e Paulo Rabello de Castro – PSC. Faltando cinco meses para as eleições, sabemos muito pouco, todavia, sobre o que pensam e o que propõem para a área de segurança pública os potenciais candidatos e partidos. Até o momento, o número de candidatos é maior do que o número de propostas.

Num pais com 61 mil homicídios ano, o que pensam os candidatos, por exemplo, sobre a liberação da maconha para uso medicinal ou recreativo? Sobre a unificação da PM e da PC numa só polícia estadual de ciclo completo? Intervenção federal no Rio de Janeiro? Conceder poder de polícia para as guardas municipais? Sobre a redução da maioridade penal ou a construção de presídios federais? A respeito da manutenção do Estatuto do Desarmamento ou do aumento da possibilidade de utilização de penas alternativas para mais crimes? Que tem a dizer sobre a criação da academia nacional de segurança pública ou o uso das Forças Armadas em ações de segurança Pública em ações de garantia da lei e da ordem (GLO)? Que ideias tem a respeito das restrições ao consumo de álcool ou sobre a criação do Ministério da Segurança Pública? Direito de greve para as polícias? Privatização de presídios? Aumento do prazo de cumprimento da pena para obter direito à progressão de regime ou sobre o modelo APAC de gestão comunitária para prisões? Proteção das fronteiras e crime organizado? Com raras exceções, pouco se sabe como candidatos e partidos se posicionam com relação a estas e outras questões.

Nos últimos 25 anos tive a oportunidade de participar direta ou indiretamente da formulação de propostas para diversas campanhas presidenciais ou estaduais. A coisa funciona mais ou menos assim: faltando alguns meses para a campanha a equipe reúne alguns especialistas para redigir o programa de governo, de forma apressada e improvisada, raramente com a presença do próprio candidato. O marqueteiro oficial, munido de algumas pesquisas e muitas ideias pré-concebidas, seleciona o que tem apelo eleitoral para alguns spots publicitários. O texto formal é submetido ao tribunal eleitoral por uma questão de formalidade e depois o programa é solenemente esquecido, até as próximas eleições. O eleito por fim escolhe seus titulares para as pastas relacionadas ao tema, regra geral algum jurista que desconhece e ignora o que foi proposto pelos especialistas e pelo candidato durante a campanha. Este é o destino inglório destes documentos, que muitas vezes contem boas ideias. (Tão boas que são por vezes colocadas em prática pelos oponentes, como foi o caso da criação do Ministério da Segurança, sempre presente nos programas do PSDB e PT e colocada finalmente em prática pelo atual governo). Esse amadorismo na formulação de reflexões e propostas dos partidos explica em parte porque chegamos aonde chegamos.

Obviamente os programas formais de campanha não são a única fonte de informação disponível para conhecer os candidatos e suas plataformas. É possível saber alguma coisa sobre a eventual política de segurança conhecendo a linha de atuação do partido, o passado do candidato, as reflexões das fundações partidárias, a linha ideológica do partido, as manifestações dos candidatos sobre episódios, crises e políticas de segurança em vigor. Não se trata, portanto de um vácuo total, mas de um cenário com grandes incertezas e poucas reflexões originais.

Pesquisando rapidamente as manifestações dos candidatos na imprensa, sabemos, por exemplo, que Alkimin propõe a criação de uma agência nacional de inteligência para o combate ao narcotráfico e redução de homicídios no país, que é contra a flexibilização do Estatuto do Desarmamento, a favor da Intervenção Federal no Rio de Janeiro, com reservas, que é a favor da desburocratização e reformulação das regras para o repasse de recursos dos fundos nacionais para os Estados. E a favor do aumento do tempo de internação do menor que cometer crimes hediondos.
Bolsonaro, por sua vez, defende a revogação do Estatuto do Desarmamento, a redução da maioridade penal, é contra a descriminalização das drogas, a favor (com reservas) da Intervenção no Rio, contra o Ministério da Segurança, a favor de um orçamento impositivo para a segurança e defende mudanças na lei de imigração. Na mesma linha de propostas vai Flávio Rocha do PRB, cujo plano de segurança foca em redução da maioridade penal, fim do indulto e de benefícios e fim do limite de 30 anos para cumprimento de pena. Apoiou a Intervenção Federal no Rio, onde montou uma campanha para distribuição de adesivo “Eu apoio as nossas tropas”.

Marina Silva fala de reforços nos investimento para equipar a PF, posiciona-se contra a flexibilização do Estatuto e contra a Intervenção Federal e a redução da maioridade penal. Defende a atuação conjunta da PF e Forças Armadas para o controle das fronteiras, com base num sistema de monitoramento e inteligência. Defende também maior eficiência e transparência na execução dos recursos para a segurança e a priorização de uma política nacional integrada com Estados e Municípios. Ciro Gomes também é contra a flexibilização do Estatuto do Desarmamento e contra a Internação no RJ, qualificada de impostura politiqueira. Para o combate ao crime nas nossas fronteiras advoga o investimento em tecnologia, inteligência, contra inteligência, satélites, drones, escâneres e sensoriamento remoto. É contra a redução da maioridade, mas admite a possibilidade de agravar medidas socioeducativas para os reincidentes. Já mencionou também a criação de um sistema nacional de segurança pública, “que envolva desde as guardas civis metropolitanas até os serviços de inteligência das Forças Armadas, passando pelas Polícias Militar, Civil e Federal”.

Álvaro Dias, do Podemos, tem se posicionado pelo fim do Estatuto do Desarmamento, considerou a intervenção no Rio uma atitude "lamentável", mas que tem que ser apoiada e sua proposta para a área é a uma genérica reforma de Estado que permita destinar recursos para o combate da violência. Do mesmo teor foi a manifestação de Rodrigo Maia, que apoiou a Intervenção, ainda que contrariado pela forma como foi apresentada. João Amoedo, no Novo, mencionou de modo geral a melhoria na qualidade dos serviços essenciais, como saúde, segurança e educação.

Finalmente, Manuela Dávila do PCdoB falou sobre a criação de um fundo nacional para a segurança, que demostra que está muito bem informada sobre o tema e Guilherme Boulos posicionou-se contra a Intervenção no RJ e preocupação sobre o que poderia acontecer nas comunidades.
Embora a pesquisa não tenha sido exaustiva, estas foram basicamente as declarações públicas e propostas dos candidatos sobre segurança pública, nos últimos meses. É certo que raramente foram perguntados sobre o tema e que as oportunidade de debate foram escassas. De todo modo, os temas em geral reduziram-se à fronteiras, integração na atuação das forças policiais, garantia de recursos para o setor, intervenção federal no Rio, desarmamento, redução da maioridade e endurecimento penal. Como esperado, de modo geral as candidaturas de “direita” são contra o desarmamento, a favor da intervenção, da redução da maioridade e do endurecimento penal e as candidaturas de “esquerda” defendem o inverso.

Até o momento o debate tem se revelado bastante pobre e limitado, considerando-se que se trata de um dos problemas mais importantes do país e uma das maiores preocupações para o eleitorado. Existem exceções neste cenário desértico. Assim, por exemplo, no âmbito das Fundações Partidárias, o Espaço Democrático tem promovido de forma sistemática nos últimos anos, reflexões e propostas para a segurança, abordando continuamente o tema em seminários, artigos e publicações sobre o tema. Existe frequentemente um descompasso entre o que defendem as fundações partidárias, as bancadas parlamentares, as propostas de campanha e atuação prática dos eleitos. Mas é possível encontrar na reflexão das fundações partidárias, Ongs, Universidades, entidades de classe, centros de pesquisa, academias policiais e mesmo nos parlamentos um rico manancial de propostas para a segurança. Mas a maioria dos candidatos parece ainda não ter feito sua lição de casa. Qualquer um que fosse prestar um concurso público teria que aprofundar estes temas. Mas para concorrer a cargos eletivos, parecem ser suficientes as generalidades e obviedades. Há pouco contato com o que pensam e escrevem os especialistas.

Embora tenhamos muitos “especialistas de jornal”, ouso dizer que foi justamente da reflexão dos especialistas e operadores que lidam cotidianamente com o tema que vieram os paradigmas e as ideias e propostas mais inovadoras para a segurança nas últimas décadas: policiamento comunitário, uso de big data para basear a alocação de recursos, georeferenciamento, policiamento orientado a problemas, hot spot policing, câmeras inteligente e leitores de placas, design contra o crime (CPTED), regulação dos espaços semi-públicos, redução dos fatores de risco (armas e álcool), criação de fundos e estruturas específicas para financiar e formular políticas de segurança, biometria, vants, sistemas de identificação, prevenção situacional, target hardening, opportunity blocking, foco epidemiológico, prevenção secundária, broken windows, gestão através de metas, etc. etc.

Os candidatos e seus marqueteiros não parecem ter sido expostos a estes temas e fontes. Querem resolver tudo pelo endurecimento do código penal. Mas ainda restam cinco meses para a elaboração dos programas de governo e uma nova oportunidade se abre para discutir o tema de modo mais amplo e consistente. Como sempre na política, vez por outra avançamos; às vezes retrocedemos. O estágio atual do debate na campanha não é lá muito inspirador. Mas é preciso insistir e acreditar. Como dizia Weber na “política como vocação”, “somente quem tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele lhe deseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso, pode dizer "Apesar de tudo" tem a vocação para a política”.

domingo, 29 de abril de 2018

Análise das tendências criminais no RJ após a Intervenção Federal


Os olhos dos analistas estão desde fevereiro voltados para a intervenção federal na segurança pública decretada pelo governo federal em fevereiro de 2018 e que completa agora três meses. O interesse é justificado, dado o ineditismo da medida e a centralidade que o Rio de Janeiro tem no cenário nacional, quando o tema é a criminalidade.

A avaliação do eventual impacto da intervenção sobre os índices de criminalidade não é tarefa fácil. Não se sabe ao certo que medidas foram tomadas, onde e com qual intensidade. Além disso, é preciso conhecer as tendências criminais prévias e controlar por diversos fatores que podem impactar a criminalidade, em especial o contexto socioeconômico. Além destes cuidados rotineiros, há ainda um agravante no caso: a polícia civil carioca ficou em greve por 78 dias no começo de 2017 – afetando bastante o registro de inúmeros crimes, especialmente os menos graves, que deixaram de ser registrados. A subnotificação alterou as estatísticas de janeiro a março para baixo. Assim, se compararmos os dados do primeiro trimestre de 2018 com o primeiro trimestre de 2017, encontraremos diversos aumentos artificiais, uma vez que a base de comparação ficou prejudicada.

A intervenção ocorre justamente um ano após a greve e um analista mal intencionado poderia facilmente usar os dados oficiais para provar a ineficiência da medida. É preciso, portanto tomar cuidado especial com estas comparações: assume-se que as estatísticas de homicídio, latrocínio, roubo e furto de veículos e outras ocorrências graves tenham sido pouco afetadas pela subnotificação, mas a análise das séries históricas sugere claramente que roubos e furtos e outros crimes de menor gravidade foram bastante afetados.

Como gestor do setor de estatística criminal no Ministério da Justiça e em SP, deparei-me com situações parecidas e a solução foi tentar “recompor”, para fins de análise, a série histórica mais provável, baseado em modelos temporais. Estes modelos levam em conta a tendência histórica anterior, sazonalidade, autocorrelação e outros incidentes para prever quais teriam sido os números, caso a greve não tivesse afetado a notificação dos registros. Estes modelos probabilísticos são utilizados também para avaliar o impacto de medidas – como o Estatuto do Desarmamento – comparando a série histórica prevista com a série de dados realmente observada. Estão sempre sujeitos a erro, mas em linhas gerais produzem previsões razoavelmente precisas.

Assim, por exemplo, vamos supor que não conhecemos os dados de criminalidade de janeiro a março de 2018 já publicados para o Rio de Janeiro e prever quais seriam usando um modelo ARIMA simples. Fazendo esta simulação, comparando a série real com a prevista, observamos um erro médio de -1,57% nas previsões de roubo no trimestre, -10,83% na série de roubo de veículos, 6,11% nos furtos de veículos, 5,01% nos furtos, 3,01% nos homicídios, -2,94% nas lesões corporais dolosas, 1,81% nos estupros e 5,13% nas estatísticas de apreensão de drogas. Vemos que o modelo está longe de ser perfeito, mas ainda assim produz previsões razoáveis.

Aceitando a premissa de que as previsões geradas pelo modelo são melhores do que os dados reais obtidos durante a greve da PC em 2017, como ficariam as tendências criminais no Rio de Janeiro? Usando um período de 48 meses – de 2013 a 2016 -, geramos previsões para as séries do primeiro trimestre de 2017 para roubos e furtos no Rio de Janeiro e substituímos os dados oficiais pelos dados gerados pelo modelo.

Ano
mês
roubo
variação
roubo de veículo
variação
furto de veiculo
variação
furtos
variação
homicidio doloso
variação
GERALRJ
2016
JAN
15673
8,79
3358
16,68
1515
-4,90
15912
-2,64
406
-8,14
1,96
2016
FEV
16153
25,21
3056
22,53
1456
9,15
16559
-4,22
404
24,69
15,47
2016
MAR
16194
22,24
3392
18,39
1409
-7,36
14172
-9,82
445
15,89
7,87
2016
ABR
15526
27,40
3263
21,08
1435
8,71
13026
-7,80
471
39,35
17,75
2016
MAI
16438
37,10
3265
33,05
1540
7,54
13506
-8,90
368
6,98
15,15
2016
JUN
17116
59,95
3308
46,76
1453
9,00
12727
-10,78
376
38,24
28,63
2016
JUL
16843
47,82
3105
27,83
1300
-5,80
13275
-7,00
368
21,05
16,78
2016
AGO
17255
52,62
3045
30,91
1240
-10,79
15938
12,68
386
16,27
20,34
2016
SET
18075
54,51
3439
42,11
1281
-9,73
13864
-10,38
423
19,49
19,20
2016
OUT
20242
68,44
4182
67,21
1367
-1,51
13701
-3,39
462
20,94
30,34
2016
NOV
20252
61,06
4111
57,27
1394
-4,06
12987
-6,89
461
38,02
29,08
2016
DEZ
19177
38,63
4189
33,41
1364
-0,94
13515
-10,83
461
20,37
16,13
2017
JAN
21304
35,93
4206
25,25
1357
-10,43
14817
-6,88
479
17,98
12,37
2017
FEV
21733
34,54
4286
40,25
1310
-10,03
16475
-0,51
503
24,50
17,75
2017
MAR
22529
39,12
5002
47,46
1428
1,35
14253
0,57
498
11,91
20,08
2017
ABR
22929
47,68
4891
49,89
1289
-10,17
12710
-2,43
430
-8,70
15,25
2017
MAI
23213
41,22
4596
40,77
1302
-15,45
13992
3,60
424
15,22
17,07
2017
JUN
21177
23,73
4553
37,64
1382
-4,89
12684
-0,34
389
3,46
11,92
2017
JUL
21856
29,76
4953
59,52
1205
-7,31
12470
-6,06
370
0,54
15,29
2017
AGO
21817
26,44
4613
51,49
1318
6,29
13118
-17,69
392
1,55
13,62
2017
SET
19473
7,73
4317
25,53
1281
0,00
13675
-1,36
457
8,04
7,99
2017
OUT
19451
-3,91
4266
2,01
1321
-3,37
13037
-4,85
479
3,68
-1,29
2017
NOV
18744
-7,45
4197
2,09
1300
-6,74
12138
-6,54
453
-1,74
-4,07
2017
DEZ
18412
-3,99
4492
7,23
1213
-11,07
11961
-11,50
440
-4,56
-4,78
2018
JAN
20939
-1,71
5286
25,68
1264
-6,85
13173
-11,10
469
-2,09
0,79
2018
FEV
19691
-9,40
4792
11,81
1159
-11,53
12414
-24,65
437
-13,12
-9,38
2018
MAR
21041
-6,60
5358
7,12
1249
-12,54
11543
-19,01
503
1,00
-6,01

Utilizando as previsões geradas no lugar das estatísticas oficiais, os homicídios, roubos, furto de veículos e furtos estariam em queda no primeiro trimestre de 2018. Roubo de veículo ainda mostra crescimento, mas a taxas decrescentes. Como sugerimos antes em outro artigo que analisou a Intervenção, a criminalidade já apresentava tendência de queda no Rio quando a intervenção teve início, tendência iniciada por volta de outubro de 2017. Tendência em linha com a maior parte dos Estados brasileiros, que de modo generalizado tiveram quedas nos crimes patrimoniais em 2017, com o fim do ciclo recessivo na economia.

Quanto aos indicadores de produtividade, observamos uma diminuição da apreensão de armas, que pode também ser interpretado como aumento da sensação de segurança após a intervenção, que faz com que tenhamos menos armas em circulação. Só é possível dizer que estamos diante de queda de produtividade se tivermos redução na atividade policial, dado não disponível para o público. Observa-se também aumento na apreensão de drogas, o que pode significar aumento do consumo, que tende a ocorrer nos períodos de melhora da economia, uma vez que drogas é uma mercadoria cujo consumo - e indiretamente a apreensão - é afetada pela renda dos consumidores. O indicador mede tanto atividade policial quanto aumento da demanda e aqui também é dificil dizer se estamos ou não diante de queda de produtividade policial. Finalmente, há indícios do aumento na quantidade de "tiroteios" (ou da denúncia de tiroteios) mas ao mesmo tempo diminuição dos homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial, comparando março de 2018 com o mesmo período de 2017.




O mais provável é que esta queda dos crimes patrimoniais no Rio esteja relacionada a este novo ciclo econômico que afetou a criminalidade na maioria dos Estados monitorados. Não se pode afirmar que seja fruto da intervenção federal. Nem que a intervenção tenha piorado os indicadores criminais, ao menos com relação aos crimes analisados. Para avaliar os efeitos da intervenção, seria preciso isolar o efeito do ciclo econômico e outros fatores eventualmente simultâneos e comparar com a tendência dos demais Estados. Trata-se de análise mais complexa e infelizmente não é possível fazer isto neste artigo e com os dados disponíveis.

O fato é que é preciso muito cuidado para avaliar de modo minimamente isento não apenas a intervenção federal no Rio mas qualquer política pública nesta área, sob pena de aceitarmos como verdadeira uma hipótese falsa ou rejeitarmos uma verdadeira. A literatura especializada e a cobertura jornalística estão cheia de exemplos destes erros. Como manifestado antes, a Intervenção foi mal planejada e ainda não mostrou a que veio. Podem-se encontrar inúmeras razões de ordem moral, teórica e filosófica para rejeitá-la. Mas ainda é cedo, com base nas estatísticas criminais, para afirmar se foi bem ou mal sucedida para estancar a crise na segurança no Rio de Janeiro.

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