quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Estagflação e criminalidade


Estagflação e criminalidade


Já mencionamos diversas vezes em outros artigos que a criminalidade patrimonial no Brasil responde cedo ou tarde aos ciclos econômicos: os criminosos frequentemente alternam entre o mercado de trabalho formal, informal e o mundo do crime, num processo decisório que leva em conta a cada momento o cenário macro. Quase sempre eles são os primeiros a sentir a crise e o desemprego, uma vez que ocupam lugares precários no mundo do trabalho e no Brasil as garantias trabalhistas – como seguro desemprego – são poucas e aplicáveis apenas aos que tem carteira assinada.
No gráfico abaixo vemos na linha horizontal a variação trimestral do roubo de veículos em São Paulo, com relação ao mesmo trimestre do ano anterior e nas linhas verticais o início dos ciclos de retração econômica, conforme datação sugerida pelo CODACE da FGV. Observe-se como o roubo de veículos acelera durantes os ciclos recessivos iniciados nos quartos trimestres de 1997 e 2002, primeiro trimestre de 2001 e principalmente terceiro de 2008, última retração econômica do país.
É curioso observar, portanto, que o roubo de veículo em São Paulo continue em queda neste início de 2015, apesar da desaceleração do PIB iniciada em 2014: já estamos no terceiro trimestre consecutivo de queda do PIB, de modo que podemos falar de uma tendência, ainda que o CODACE não tenha rotulado oficialmente esta fase como “recessão” mas os crimes patrimoniais continuam caindo no Rio e em São Paulo.





Em parte esta queda se explica pelo elevado patamar de roubo de veículos observado em 2014: como falamos de uma variação com relação ao período anterior, falamos de um número relativo, que é tanto maior quanto mais elevado o patamar anterior. Em outras palavras, cai muito agora porque subiu muito antes.
Mas trata-se de uma exceção, como mostram as séries históricas trimestrais de variação do PIB e variação criminal, de 1996 a 2015. Nos dois próximos gráficos constatamos a regra: PIB em baixa = crime em alta (gráfico de dispersão), associação que se mantem mesmo quando fazemos a correlação cruzada das séries diferenciadas em t-1. Neste último vemos que no Lag 0, ou seja, efeitos no próprio trimestre, a correlação é de .58 e negativa.  Novamente, quando o Pib cai o crime cresce e versa e vice.



Max Weber dizia que os sociólogos já têm bastante com o que se ocupar tratando do presente e que o futuro deveria ser deixado aos astrólogos. Mas os sociólogos tirados a criminometristas ousam desafiar a recomendação do mestre alemão, com base em suas equações e observação do passado...Quando deixamos as séries trimestrais e olhamos para as mensais no gráfico abaixo é possível ver a primeira desaceleração mais significativa na queda do roubo de veículos, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Ainda em queda, mas numa velocidade menor, comparando julho de 2015 com julho de 2014.



É cedo para falarmos em tendência. A etiqueta estatística e o bom senso recomendam que se tenham dois ou três pontos consecutivos numa mesma direção para que se possa vaticinar com segurança. Mas sou capaz de apostar uma boa garrafa de vinho como a partir de agosto ou setembro veremos a confirmação desta inversão de tendência na queda dos crimes patrimoniais em São Paulo e Rio de Janeiro. É o que as quatro recessões anteriores sugerem. É um padrão. E não há porque ser diferente desta vez. Alguém aceita o desafio?

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O STF e a criminalização do usuário de maconha



Nesta próxima quinta-feira 13 de agosto o Supremo Tribunal Federal julgará um caso que decidirá se o uso de maconha é ou não um crime no Brasil. Trata-se do caso de um presidiário de São Paulo que assumiu a posse de 3 gramas de maconha encontradas durante uma revista em sua cela. O procurador público designado para sua defesa pediu a não condenação do cliente, argumentando que se trata de um direito individual que não cabe ao Estado interferir.  Perdeu em duas instancias mas recorreu ao STF, que terá que se posicionar sobre o caso, criando eventualmente nova jurisprudência sobre a questão.
Caso a tese seja aceita pelo Supremo, em última instância o uso de maconha deixaria de ser crime no Brasil, lembrando que a Lei de Drogas de 2006 adotou a política de proibicionismo parcial, que vedou a prisão do usuário, mas manteve o uso como crime, punível de outras maneiras.  A defesa questiona assim a constitucionalidade do artigo 18 desta Lei, que é o que estará em jogo na decisão do STF.
O caso particular é irrelevante – até porque o cliente já cumpria pena por outros crimes de maior gravidade -  mas ele forçará a corte a se pronunciar sobre a controvertida questão da descriminalização do uso da maconha, que não deve ser confundida com a liberalização pura e simples. O uso deixa de ser crime mas pode e deve ser regulamentado pelo Estado. Obrigará também em algum momento o Estado a adotar uma definição objetiva que separe o usuário do pequeno traficante, que hoje superlotam nossos já abarrotados presídios.
No Brasil, o uso da cannabis não é permitido sequer para uso medicinal (remédios a base de canadibiol) , embora o uso recreativo já tenha sido liberado nos últimos anos no Uruguai e em diversos Estados norte-americanos. Trata-se de um uso regulado, com fiscalização rigorosa do Estado sobre a produção, venda e consumo – do qual, alias, alguns governos  tem extraído milhões em impostos.
O debate é extenso, com bons argumentos contra e a favor da descriminalização do uso da maconha e sua regulamentação: evita a estigmatização do usuário, diminui a população prisional, reduz danos à saúde, evita o envolvimento com a marginalidade,  diminui os recursos nas mãos dos traficantes, mas pode eventualmente estimular o consumo, servir de porta de entrada para o uso de drogas mais pesadas,  aumentar a criminalidade, exponenciar distúrbios psiquiátricos, etc. As experiências recentes dos vários estados norte-americanos e do Uruguai e as já mais antigas em países como Portugal, Espanha e Holanda sugerem que a liberalização controlada trás mais benefícios do que os causados pelo proibicionismo puro e simples.
Se dependesse do Congresso brasileiro, qualquer mudança liberalizante seria difícil, pois o Congresso raramente confronta a opinião popular: a última pesquisa Ibope sobre o tema, de setembro de 2014, apontou que 79% dos brasileiros  são contrários a legalização da maconha (o que não é a mesma coisa que descriminalizar, mas dá uma ideia do posicionamento ideológico da população sobre o tema).
Com efeito, tanto nos Estados Unidos quanto no diversos países europeus, uma legislação liberalizante com relação a maconha foi precedida de uma mudança cultural com relação ao hábito, que facilitou a adoção de uma postura mais heterodoxa.
A tabela abaixo traz os resultados da pesquisa Flash Eurobarometro de junho de 2014, realizada com 13 mil jovens de 15 a 24 anos de 28 países europeus.  Por entrevistar apenas jovens, ela traz resultados mais favoráveis às drogas do que uma pesquisa com toda a população traria mas não obstante este viés, os resultados são bastante interessantes.

Q9.1 A venda de drogas tais como maconha, cocaína, ecstasy e heroína é oficialmente proibida em todos os Estados membros da União Europeia. A venda de substâncias legais tais como álcool e tabaco não é proibida mas é regulada em todos os países da União Europeia, o que significa, por exemplo, que ha um limite de idade mínima para compra, limites na concentração de componentes ativos ou venda licenciada através de lojas especializadas ou farmácias. Você acha que as seguintes substâncias devem continuar a ser banidas ou devem ser banidas ou que elas devem ser regulamentadas?

Droga:
Maconha
Tabaco
Ecstasy
Heroína
Álcool
Cocaína
Deve continuar a ser banida ou ser banida
53
16
91
96
7
93
Deve ser regulada
45
81
8
4
92
7
Deve ser permitida sem restrições
1
2
0
0
2
0
fonte:
Flash Eurobarometer 401
coleta : 03 - 23/06/2014
n= 13128
jovens de 15 a 24 anos

Como revela a tabela, mesmo entre os jovens, são pouquíssimos os que sugerem que as drogas devem ser permitidas sem restrições. A grande maioria é a favor do banimento da venda de heroína, cocaína e ecstasy, com taxas superiores a 90% em todos os casos. A maconha está numa posição intermediária entre as drogas lícitas e ilícitas: 53% defendem o banimento e 45% a permissão da venda regulada. Álcool e tabaco, as drogas mais comuns, devem ser vendidos de modo regulado, como atualmente são – embora 16% dos jovens sugira o banimento do tabaco e 7% o do álcool.
A pesquisa não trata de descriminalização mas ilustra o argumento: quando a maconha assume uma posição intermediária entre as drogas lícitas e ilícitas – como vem ocorrendo a décadas nos estados unidos  e na europa – é possível que os legislativos e executivos pensem em políticas alternativas ao proibicionismo.  No Brasil, aparentemente, a opinião pública ainda é bastante conservadora, como mostraram os dados do Ibope.

Neste sentido, o poder judiciário pode ser o fator de mudança, pois esta mais imune à influência da opinião pública do que os demais poderes. A decisão do STF desta quinta não significa que o Brasil passará a produzir maconha estatal e criar clubes de maconha. Mas pode ser um primeiro passo rumo à outra postura, que vê no usuário crônico um doente a ser tratado e não mais um criminoso. Que separa o usuário do pequeno traficante e este do grande.  Regulando na prática aquilo que a Lei de 2006 foi incapaz de fazer.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

O Programa Minha Casa Minha Vida e a Prevenção da Violência



No final de julho último ocorreu o 9º encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública no Rio de Janeiro, que organizou uma mesa sobre o programa Minha Casa Minha Vida e a Violência, reunindo especialistas do Ministério das Cidades, Ministério da Justiça e da sociedade civil.

Embora seja um dos maiores programas sociais do governo e, portanto, com um grande potencial de prevenção, quando o assunto é violência o MCMV é sempre associado aos imóveis invadidos pelas milícias e pelo tráfico, como se o programa de moradias populares fosse um fator de risco ao invés de um fator de proteção.

Um dos motivos é que inexistem avaliações sistemáticas do papel que o MCMV exerce sobre a criminalidade, em contraste com inúmeras matérias jornalistas que invariavelmente destacam os episódios de invasão e crimes nos empreendimentos. Não se trata obviamente de negar que existam problemas: a ideia do programa é justamente oferecer moradias acessíveis as populações carentes de áreas carentes – onde geralmente se concentram o tráfico e as milícias - e quanto mais o programa mira neste público (renda familiar de até R$ 1600,00 para os imóveis da faixa 1), mais provável é que estes fenômenos venham a se manifestar nos empreendimentos pois a melhoria do padrão habitacional não faz por si só desaparecerem as demais mazelas sociais.

Existe uma força tarefa nacional, reunindo os Ministérios das Cidades e Justiça, Polícia Federal e Caixa Econômica, criada para pensar soluções de longo prazo e executar ações de curto prazo para lidar com a questão, recolhendo denúncias, realocando usuários ameaçados, retomando imóveis ocupados ilegalmente etc. para garantir o direito à segurança aos moradores.

Se considerarmos uma média de 4 pessoas por imóvel, com 2.288.866 imóveis entregues temos algo em torno de 9 milhões e duzentas mil pessoas beneficiadas. Estamos falando de algo próximo da população da cidade de São Paulo e nesta escala seria muito difícil não encontrarmos problemas de segurança, tanto mais que se trata, como vimos, de um público com grandes carências sociais. Segundo estudo da FGV, nos primeiros cinco anos de operação o programa reduziu em 8% o déficit habitacional do país. (POLÍTICAS PERMANENTES DE HABITAÇÃO, A IMPORTÂNCIA DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA, Outubro / 2014)

Reportagem do Estado de S.Paulo de janeiro de 2015 fala, por outro lado, em 108 denúncias de crimes diversos recebidos pelo governo federal até aquele momento, a maioria sobre tráfico (http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/01/04/moradores-relatam-crimes-no-minha-casa.htm)

 A literatura criminológica já observou há décadas que grandes conjuntos habitacionais populares, em todo o mundo, reúnem frequentemente condições crimogênicas: todo um ramo de estudos conhecido como CPTED (Crime Prevention Trough Environmental Design) surgiu nos 70 para analisar o relacionamento entre a arquitetura, o desenho urbano de edificações e equipamentos e a criminalidade, inspirada nos problemáticos conjuntos habitacionais populares norte-americanos. Com efeito, pesquisa do IPEA com uma amostra dos usuários já mostrou que a segurança é um dos pontos problemáticos para os moradores das unidades (Pesquisa de Satisfação dos Benificiários do Programa Minha Casa Minha Vida, SNH, IPEA, 2015).

Dito isto, é digno de nota que ninguém tenha ainda procurado avaliar quais os benefícios do programa para a segurança e outras esferas, como já fez algumas vezes com o bolsa família, por exemplo. O que acontece com a violência doméstica ou com a criminalidade no entorno das unidades? O que acontece com os indicadores de saúde ou educação? Qual a taxa de reincidência dos presos utilizados na mão de obra de alguns empreendimentos? Não existem informações ou pesquisas a respeito, não obstante seja um programa de grande magnitude e já com sete anos de existência.

Durante o seminário do Fórum, apresentei alguns mapas e gráficos que mostravam a distribuição geográfica do MCMV e algumas características interessantes dos municípios onde o programa foi implementado. O governo federal disponibiliza publicamente os dados, cuja base pode ser baixada em minutos pela internet, com informações como data de entrega, número de unidades habitacionais, status, valores, endereço e diversas outras. É possível assim construir taxas de unidades habitacionais por habitante e correlacionar com outras variáveis sócio demográficas dos municípios.

O mapa abaixo calcula a taxa espacial alisada (Spatial Rate Smoothed) de unidades da faixa 1 do MCMV e quanto mais marrom a área, maior a concentração de unidades no município. Observe-se as concentrações no Nordeste, Norte e Centro Oeste do país.
 
Uma análise de regressão por mínimos quadrados ordinários sugere que esta distribuição espacial dos imóveis da faixa 1 guarda alguma relação, ainda que tênue, com variáveis como a taxa de homicídios, índice de Gini e IDHM- renda dos municípios: em outras palavras, as unidades da faixa 1 estão sendo construídas proporcionalmente em municípios onde a renda é baixa mas a concentração de renda (Gini) e a taxa de homicídios é alta. Os dados não nos permitem fazer grandes inferências no momento mas sugerem que o programa tem algum foco em municípios carentes, como o mapa e a regressão sugerem. O MCMV nunca teve como objetivo prevenir a violência, mas esta pode ser uma externalidade positiva dele, assim como outros programas sociais voltados para a população de baixa renda.

São necessárias mais pesquisas detalhadas para aprofundar estes efeitos, observando, por exemplo, a evolução dos homicídios e outros indicadores nestes municípios nos últimos anos. Ou no entorno, se dados desagregados de crimes estiverem disponíveis.

O ponto é que esta associação midiática entre o Minha Casa Minha Vida com milícias e tráfico estigmatiza o programa e seus usuários e desvaloriza os imóveis, entre outras consequências negativas. O problema existe e precisa ser reconhecido e tratado. Mas como buscamos sugerir, a incidência de problemas criminais é pequena diante da dimensão do programa e não existem avaliações rigorosas sobre os macro efeitos do MCMV sobre a violência. É preciso avaliar as consequências na qualidade de vida dos quase 10 milhões de beneficiários e saber dimensionar os casos problemáticos dentro deste contexto.






sexta-feira, 10 de julho de 2015

Imigração e criminalidade

Imigração e criminalidade

08-07-2015
Tulio Kahn, cientista social e colaborador do Espaço Democrático
Após o terremoto no Haiti em 2013, o governo brasileiro concedeu aos haitianos o status especial de refugiados por razões humanitárias. Como a burocracia e a corrupção são grandes (estou falando do Haiti…), criou-se um nicho de mercado explorado por “coiotes”, que cobram cerca de 3 mil dólares para ajudar os imigrantes na travessia. Estima-se que mais de 30 mil haitianos tenham entrado no Brasil nestes últimos anos e, na esteira dessa rota, estão chegando centenas de senegaleses – que não contam com status de refugiados, uma vez que o problema local é econômico e não político.
Diversas reportagens foram realizadas sobre esta onda recente de imigração, despertando simpatias e temores, ainda mais agora quando a conjuntura econômica brasileira desfavorável acirra a disputa por recursos escassos. Um dos temores comuns é o de que, pouco integrados, muitos destes recém-chegados terminem por aumentar a já não pequena parcela de criminosos do País.
Este temor é em boa parte causado por preconceito com relação à origem social e étnica dos novos imigrantes. Na média, os imigrantes representam 0,5% da população do país (dados de 2013 da PF, indicam 940 mil imigrantes numa população de 200 milhões) e esta proporção é aproximadamente a mesma no interior do sistema prisional (dados de 2009 do Depen, 3 mil estrangeiros presos numa população de 600 mil presos, ou 0,5%).
Quando desagregamos por nacionalidade e comparamos a população prisional com o total de imigrantes do país de origem – sem contar os ilegais – observamos que algumas nacionalidades estão desproporcionalmente representadas no sistema prisional. Este fenômeno é comum em todos os países e tem relação com as condições socioeconômicas do país de origem, com a geografia (distância e existência de fronteiras), com a maior ou menor antiguidade e integração do grupo imigrante, com o crime organizado internacional e obviamente, com alguma parcela de preconceitos por parte do sistema de justiça criminal local.
Há uma grande diferença quando analisamos dados absolutos e relativos, como taxas por mil e neste artigo procuramos comparar o censo penitenciário de 2009 com um levantamento feito pela Polícia Federal em 2013 sobre quantidade de imigrantes no Brasil, por origem. São Paulo, infelizmente, não preencheu os dados do Censo penitenciário de 2014, inviabilizando uma análise mais atualizada.
A tabela abaixo traz o número absoluto de presos nas primeiras três colunas e na quarta coluna a porcentagem de presos por pais. Na quinta e sexta colunas vemos, respectivamente, números absolutos e porcentagem de imigrantes no país. Na última coluna calculamos uma taxa de presos por mil pessoas, utilizando no denominador o número absoluto de estrangeiros. Na tabela só aparecem os países com pelo menos 10 cidadãos no sistema prisional.
Uma primeira informação relevante é que de cada 1000 imigrantes recebidos no país, cerca de 4, em média,  terminam no sistema prisional. Esta média, todavia, é jogada para cima em razão de vários casos extremos. Sendo corretos os dados utilizados, teríamos no Brasil 654 sul africanos (imigrantes legais) dos quais 168 presos, o que dá uma taxa absurda de 256,8 presos para cada 1000 migrantes daquele país. Originários da Tailândia, Costa do Marfim, Bulgária, Nigéria, Gana, Moçambique, Camarões, Malásia, Cabo Verde, Congo, Angola, etc.  fazem parte deste grupo altamente super-representado na população prisional.
 Percentual de presos por país
tabele túlio 1
Fontes: Censo Penitenciário 2009, Depen e Polícia Federal
 Vemos assim que nossos vizinhos latino-americanos têm elevada presença absoluta na população prisional – Bolívia, Paraguai, Peru, Colômbia – mas em termos relativos a taxa de encarceramento é maior para os imigrantes africanos.
No outro extremo temos os cidadãos originários da América do Norte e Europa – Portugal, Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, Espanha e Inglaterra – com taxas de encarceramento bem abaixo da média. Neste grupo estão também incluídos nossos vizinhos latino-americanos mais abonados: argentinos, chilenos e uruguaios. Merecem destaque os casos dos japoneses e chineses, não listados. Estas duas nações somam cerca de 14% dos imigrantes no Brasil, mas existem apenas 7 cidadãos presos destes países, segundo o censo prisional de 2009.
A tabela abaixo resume as informações por continente, recordando que estão incluídos apenas os países com ao menos 10 presos no Brasil.
Continente de origem dos presos
tabela túlio 2
Como pode ser observado, existe uma distorção com relação aos países mais pobres da África, América Latina e Leste Europeu – explicada, como argumentamos, pela pobreza dos imigrantes, falta de integração, existência de máfias nacionais ou preconceito dos órgãos policiais.
As levas de haitianos e senegaleses são mais recentes e os dados disponíveis – tanto do censo penitenciário quanto da Polícia Federal – não capturam este período. Em 2009 constava apenas um haitiano e nenhum senegalês em nossas prisões. Por sua origem, condições econômicas e falta de estrutura para recepciona-los no Brasil, é provável que encontremos alguns ali nos próximos anos.
Mas o fenômeno mais interessante que a tabela mostra é que origem não é destino. O Brasil sempre foi uma terra de imigrantes em busca de melhores condições de vida e, assim esperamos, sempre será. Os grupos que se estabeleceram há tempos – portugueses, italianos, espanhóis, japoneses, alemães – progrediram e fizeram o país progredir. Chegaram com as mãos abanando, como hoje chegam os haitianos e senegaleses. Esta transição será tanto mais rápida quanto maiores forem os esforços e condições para integra-los na sociedade brasileira.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

O uso das geotecnologias pelas prefeituras

O uso das geotecnologias pelas prefeituras

25-06-2015
Tulio Kahn, cientista social e colaborador do Espaço Democrático e
Cristiane De Leo Ballanotti, geógrafa e assessora do deputado estadual Coronel Camilo

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal os municípios são obrigados a controlar as despesas públicas, administrando sua receita, contendo gastos e evitando endividamento. As novas tecnologias de informação, como as geotecnologias, são uma forma de otimizar a administração de recursos e ampliar a arrecadação municipal. Sua utilização vai da identificação dos lotes para cobrança de impostos ao monitoramento em tempo real de veículos de coleta de lixo, segurança ou saúde.
Como as ações das prefeituras estão, de alguma forma, relacionadas à localização geográfica – pois acontecem em algum lugar e os problemas a serem resolvidos possuem quase sempre um endereço – o conhecimento do espaço torna-se fundamental para o gerenciamento dos serviços municipais.
As dificuldades na gestão de resíduos sólidos, a má gestão de recursos, poluição do ar, falta de água, deficiências no sistema de saúde, de educação, de transportes, congestionamentos no tráfego urbano, inadequação de infraestruturas básicas, falta de monitoramento de áreas de risco e desastres naturais, carências e deficiências nas atividades de segurança pública, entre tantas outras, são questões que podem ser melhoradas com a geotecnologia e seus recursos digitais, como mapas, gráficos, fotos georeferenciadas, tabelas e relatórios convencionais.
A utilização de softwares livres viabiliza economicamente seu uso por parte das prefeituras e a internet, com seus sites especializados, permite a visualização e interatividade com as informações geográficas, possibilitando a elaboração e a customização de mapas sem dificuldades. Smartphones com GPS e fotos georeferenciadas são cada vez mais acessíveis e disseminados.
A segurança pública utiliza o georeferenciamento de crimes há décadas, com sucesso. Ferramentas como o Infocrim e Copom on-line, da Secretaria de Segurança de São Paulo, possibilitam a caracterização das áreas de atuação policial, a exibição espacial de dados de ocorrências de crimes e de criminosos, identificação de diversos equipamentos públicos, perfil de criminosos, locais vulneráveis entre outras informações sociais e demográficas relevantes, baseadas em locais geográficos. A aplicação de um SIG (Sistema de Informações Geográficas) nesta área torna mais fácil a compreensão dos fenômenos criminais, a visualização de cenários e tendências, servindo de base para análises bem elaboradas e tomada de decisão, otimização de processos e planejamento de estratégias de ação operacional para o controle, prevenção e combate à violência em pequenas e grandes cidades.
Outras possibilidades de uso das geotecnologias na questão segurança pública consistem na otimização de rotas de itinerário das viaturas policiais e o seu monitoramento em tempo real através de um sistema de rastreamento por satélite, identificando onde se encontra a viatura e quais os policiais em atividade.
Essas medidas proporcionam não apenas um maior controle das operações e atividades diárias das polícias e guardas por parte dos comandantes de área como também tem um reflexo significativo na redução de custos. A distribuição espacial das ocorrências policiais, visualizada através do mapeamento digital, aponta os locais e horários de maior incidência criminal (hot spots e hot times).
Em função disso é possível planejar roteiros a serem utilizados diariamente na programação do patrulhamento das viaturas, sequenciar paradas e o tempo estimado em cada uma delas. Essas rotas poderem ser alteradas dinamicamente em função de novas solicitações de atendimento recebidas e que devem ser inseridas na programação de alguma equipe.
No âmbito da saúde e da coleta de resíduos, muitas prefeituras têm conseguido fiscalizar em tempo real a utilização da frota e monitorar os serviços contratados na coleta do lixo por empresas terceirizadas. O monitoramento diminuiu as tão comuns paradas das viaturas nas padarias, o uso das ambulâncias para entregas espúrias e as varrições que descumpriam os termos contratuais.
Um bom exemplo entre as cidades administradas pelo PSD é Itu, em São Paulo, onde a concessionária de serviços de limpeza utiliza um sistema de rastreamento nos caminhões de lixo. Cada caminhão é equipado com um rastreador munido de um GPS e que transmite os dados via GPRS (antenas de telefones celulares).
Alguns veículos são dotados também de um terminal eletrônico onde o motorista interage colocando informações durante a operação, como início e fim da operação, início e fim de coleta, intervalo para refeição, peso coletado, entre outras informações. Essas informações são traduzidas em indicadores como tempo de coleta produtivo e improdutivo, km produtivo e improdutivo, produção diária de lixo, disposição adequada no destino final, kg/km, kg/h, entre outros. Esses indicadores são balizadores da operação facilitando o gerenciamento e otimização dos serviços.
A disposição dos planos de trabalho para todos os serviços (coleta domiciliar, coleta seletiva, varrição, capina, pintura de meio fio, etc.) em camadas, sobreposta ao resultado do rastreamento dos veículos, permite que a prefeitura verifique o cumprimento do que foi previsto fazer, comparando o que foi contratado com o que foi de fato executado.
As ferramentas geo permitem ainda o uso de fotos georreferenciadas a partir de smartphones, em um aplicativo onde são levantadas demandas para determinados tipos de serviço de limpeza, reparo e análise de que tipo de recurso humano ou equipamento que será usado para a solução do problema.
A degradação física e social dos ambientes atrai a criminalidade e aumenta a sensação de insegurança e muitas prefeituras estão engajadas hoje na segurança pública fazendo este trabalho de prevenção primária: com o celular na mão, o guarda fotografa onde estão as pichações, luzes queimadas, áreas degradadas, lixo acumulado, terrenos e veículos abandonados, sinalização danificada, etc. e a localização exata já é enviada para o banco de dados.
Definida como todo recurso tecnológico destinado a geração e uso da informação dentro de uma organização, as tecnologias de informação permitem a melhoria na qualidade, disponibilidade e processamento de dados, ajudando no processo de tomada de decisões e no cumprimento dos objetivos e metas estabelecidos.
Utilizadas de maneira eficiente, podem ter um impacto positivo para melhorar a qualidade dos serviços prestados pelos municípios, tanto operacional como estrategicamente, dando a prefeitura mais agilidade, precisão e economia em sua gestão. O uso dos chamados “big data”, das geotecnologias e dos smartphones pelas prefeituras já são realidades em muitos lugares – e serão mais ainda em 2016 – e podem melhorar qualidade de vida para a população.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

A questão da idade da responsabilização penal: ou quando bons dados e pesquisas rigorosas ajudam a traçar melhores políticas públicas!

Procurando diminuir a criminalidade juvenil, a tendência dos anos 80 e 90 em diversos estados norte americanos foi baixar a idade de responsabilidade juvenil para “jogar duro com o crime”, com resultados bastante questionáveis. A política ficou conhecida como “transfer laws” pois permitia a transferência de jovens para serem julgados e punidos como adultos, automaticamente ou a critério da acusação. Wyoming (1993) e Wiscosin (1996) seguiram políticas de transfer laws e 10 anos depois a criminalidade juvenil caiu menos que a média nacional nos mesmos períodos – ainda que o contrário tenha ocorrido em New Hampshire (Butts, 2014).

Resultados mais consistentes são reportados no boletim do BJS (Bureau of Justice Statistics) que resumiu os achados de anos de pesquisas sobre a politica de rebaixar a idade na qual se pode transferir jovens para o sistema adulto: seis grandes estudos mostraram maiores taxas de reincidência entre os jovens e que os efeitos intimidatórios foram praticamente nulos. Em parte porque, independente da gravidade da punição, os criminosos estimam que a probabilidade de captura é baixa. De modo geral, efeitos intimidatórios generalizados do aumento das punições só ocorrem quando o risco de ser capturado é elevado.(Redding, 2010)

Outro levantamento nacional feito pelo John Jay College of Criminal Justice mostrou que a tendência nos crimes violentos juvenis em seis grandes Estados entre 1980 e 2010 foi praticamente a mesma, declinante, independente dos diferentes critérios e definições de idade adulta. (Butts, 2014)
Assim, revertendo a tendência dos anos 80, influenciados pelas evidências negativas, alguns estados norte americanos como Illinois, Connecticut, Massachusetts, Mississippi e New Hampshire tem elevado a idade em que jovens são julgados como adultos, formando um movimento recente denominado “raise the age”.

 Ao contrário do que o senso comum imagina, para a maioria dos crimes comuns, apenas dois estados americanos enviam para tribunais adultos jovens com menos de 16 anos, oito estados definem adulto como acima de 17 anos e todos os demais 40 estados usam o critério dos 18 anos, como no Brasil. (embora existam exceções em muitos estados no caso de crimes graves)

Os argumentos do “raise the age” são variados: estudos neuropsicológicos sugerindo que a maturidade ocorre mais tardiamente do que antes imaginado, que o sistema juvenil recupera melhor e expõe menos os jovens à vitimização, não obstante os custos maiores. O sistema de justiça juvenil oferece maiores oportunidade de tratamento e foca na reabilitação, por isso as taxas de reincidência são em geral menores do que no sistema adulto, que foca na punição. Além disso, a prisão no sistema adulto aumenta a estigmatização do indivíduos, aumenta o senso de ressentimento com o sistema de justiça e aumenta o repertório de conhecimentos criminais devido à convivência com criminosos experientes (Redding, 2010) Com relação aos riscos de vitimização, jovens presos em estabelecimentos adultos tem maior risco de suicídio, agressões físicas e sexuais, por parte dos companheiros adultos ou dos funcionários do sistema. (Redding, 2010)

Como a mudança do raise the age é recente, poucos casos foram avaliados. Uma exceção é um estudo feito em Connecticut após dois sucessivos aumentos da idade de responsabilidade criminal em 2010 e 2012 e que sugere que não houve mudanças significativas nos níveis de criminalidade juvenis após alterações. A mudança parece afetar menos o comportamento dos jovens e mais o comportamento dos policiais e procedimentos estatísticos sofisticados, geralmente negligenciados, devem ser usados para separar ambos os efeitos (Loeffler, 2015). Os efeitos em geral sobre a criminalidade e sobre o comportamento dos jovens foram bem menores do que tanto os defensores quanto os detratores da medida imaginavam.

Os Estados Unidos são um excelente laboratório de testes para políticas criminais uma vez que a legislação é estadual e existe uma tradição de avaliação empírica de resultados através de pesquisas metodologicamente rigorosas. Os levantamentos empíricos destas décadas de experiências – primeiro diminuindo e depois aumentando a definição de adulto para o sistema de justiça – revelaram efeitos danosos para os jovens que foram tratados como adultos pelo sistema e resultados pífios sobre a redução da criminalidade. Eventualmente, piorando a situação em largo prazo, em razão do aumento da reincidência desta parcela de jovens que cumpriram pena no sistema adulto.

Embora cada país tenha suas próprias características e políticas idênticas não impliquem necessária e universalmente nas mesmas consequências, estas pesquisas e evidências do caso norte americano não parecem estar sendo levadas em conta na discussão sobre a maioridade penal no Brasil.


Bibliografia
Estimating the Crime Effects of raising the Age of Majority: Evidence from Connecticut. Charles E. Loeffler , University of Pennsylvania e Aaron Chalfin University of Chicago, 2015
Line Drawing - Raising the Minimum Age of Criminal Court Jurisdiction in New York. Jeffrey A. Butts (John Jay College) and John K. Roman (Urban Institute) Research & Evaluation Center, John Jay College of Criminal Justice, February 2014
Juvenile Transfer Laws: An Effective Deterrent to Delinquency? Richard E. Redding. Juvenile Justice Buletim, June 2010
Cross-national comparison of youth justice. Author: Neal Hazel, The University of Salford, YJB 2008
Differential Effects of Adult Court Transfer on Juvenile Offender Recidivism. Law Hum Behav. 2010 December ; 34(6): 476–488. doi:10.1007/s10979-009-9210-z. Thomas A. Loughran e outros.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

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