quinta-feira, 24 de março de 2022

Novas regras para a elaboração dos Planos Municipais de Segurança

 Nas últimas décadas, parece ter havido um alargamento da questão de segurança pública tanto do ponto de vista conceitual quanto do administrativo: de problema estritamente policial passou a questão multidisciplinar, envolvendo diversos níveis e instâncias administrativas. E este processo de alargamento ocorreu depois da Constituição de 1988, que em nada alterou o papel da Federação nem dos municípios na esfera da segurança, apesar da tendência municipalista em diversas outras esferas.

Em nível federal, são marcos desse processo de alargamento: a criação da  Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) em 1995, do INFOSEG (Sistema de informações criminais da Secretaria Nacional de Segurança Pública) do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp) e a elaboração do Plano Nacional de Segurança Pública em 2000 – que trouxe consigo o estabelecimento do Fundo Nacional de Segurança Publica – com recursos anuais em torno de 300 milhões de reais para investimento em recursos humanos e materiais das Polícias. Com relação ao Fundo Nacional de Segurança Pública, assinale-se que ele abriu a possibilidade para que não apenas as Polícias estaduais, mas também os municípios requisitassem recursos do Governo federal para projetos de segurança. Isto significa que o Governo federal viu como legítima e procurou incentivar desde então a atuação dos governos locais em segurança.

O acesso aos recursos pelos municípios é vinculado à apresentação de projetos congruentes com a política de segurança pública do Governo federal e, para tanto, deve atender algumas solicitações específicas, entre elas a elaboração de um Plano Municipal de Segurança. Neste sentido, a Senasp tem orientado os municípios para que os Planos sejam compostos de diagnósticos (área geográfica, problemas da região, dos principais crimes e ocorrências policiais, características sociais, econômicas etc.) dos problemas existentes e de ações relevantes para seu enfrentamento.

Outra característica sugerida pela Senasp é a ênfase na prevenção. O governo federal passou a adotar a ótica preventiva desde 2001 com o pioneiro programa Piaps (Plano de Integração e Acompanhamento dos Programas Sociais de Prevenção à Violência) gerenciado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência durante a gestão do general Cardoso. Os governos seguintes mantiveram esta postura preventiva e visão do município como ente complementar no esforço de redução da criminalidade. Assim, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), teve como meta a articulação de políticas específicas de segurança com ações sociais. De acordo com o Ministério da Justiça, os eixos centrais do programa voltam-se para a valorização dos profissionais de segurança pública, a reestruturação do sistema penitenciário, o combate à corrupção policial e o envolvimento da comunidade na prevenção da violência.

Finalmente, nesta linha preventiva e colocado em prática pelo atual governo temos o projeto Em Frente Brasil, de iniciativa do Ministério da Justiça. Trata-se de um projeto piloto iniciado em cinco municípios com o objetivo de reduzir a criminalidade violenta, através de uma nova metodologia que aposta na prevenção social e repressão qualificada, integração entre os diversos atores em diferentes níveis de governo, diagnóstico local da criminalidade, contratos locais com os municípios, etc. Detalhes sobre o projeto podem ser facilmente obtidos no site do Ministério da Justiça. (https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1567102301.36).

A criação destes novos órgãos, práticas, projetos e fundos na última década evidenciam, portanto, claramente a intenção do Governo federal de trazer para si parte da responsabilidade pela questão da segurança pública. Os municípios são vistos como parceiros neste esforço, principalmente através de ações preventivas. Além disso, traço comum nos programas, as ações devem ser precedidas de diagnósticos, ter foco territorial e demográfico e devem ser avaliadas com evidências. De modo geral, do PIAPS ao programa Em Frente Brasil, estas tem sido as diretrizes dos governos federais com relação ao papel dos municípios na segurança.

O governo federal publicou em 2022 um novo documento atualizando como funcionará o novo Plano Nacional de Segurança Pública, com diversas menções e regras para os municípios que quiserem receber recursos federais. O termo “município” é mencionado 34 vezes no texto e entre outros conceitos o PNSP menciona que os Estados e Municípios são parte do SUSP e protagonistas no processo de construção de uma sociedade mais segura e que os entes federativos são autônomos. Reconhece que boa parte das ações preventivas de segurança pública está sob responsabilidade dos estados e municípios e explicita que os entes federativos participam da governança e da avaliação do PNSP.

Entre as responsabilidades assumidas pelo governo federal com relação aos demais entes federativos estão, entre outras tarefas: “desenvolver, apoiar e implementar programas e projetos destinados às ações preventivas e de salvaguarda, e conjugar esforços de setores públicos e privados, inclusive de polícia comunitária e de atuação municipal; “padronizar tecnologicamente e integrar as bases de dados sobre segurança pública entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios por meio da implementação do SINESP” e “estimular a padronização da formação, da capacitação e da qualificação dos profissionais de segurança pública, respeitadas as especificidades e as diversidades regionais, em consonância com esta Política, nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal”.

Finalmente, há menções diretas no PNSP ao papel do governo federal na ajuda aos Municípios para que elaborem seus Planos e diagnósticos locais. Especificamente, o PNSP estipula que cabe ao governo federal “orientar os entes federativos quanto ao diagnóstico, elaboração, conteúdo e forma dos planos de segurança pública e defesa social, visando o alinhamento com a PNSPDS e o PNSP” e “apoiar, tanto financeira quanto metodologicamente, a elaboração de planos estratégicos de segurança pública e defesa social dos entes federativos integrantes do Sistema Único de Segurança Pública - Susp, alinhados ao Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2021-2030”. A ideia é, portanto que os Planos Municipais estejam alinhados aos objetivos gerais do Plano Nacional, ainda que possam incluir outros objetivos.

Mas se o PNSP se propõe a auxiliar os municípios, por outro lado também estipula, como de costume, algumas exigências. Os detalhes do processo de envio e avaliação dos Planos não estão plenamente estabelecidos, mas sabe-se que os Planos Municipais serão analisados pelo Ministério da Justiça e serão aprovados ou não, para efeito de recebimento de recursos, somente se cumprirem alguns requisitos.

Entre outros, os Planos Municipais deverão conter:

1. Diagnóstico da segurança pública no contexto do ente federativo;

2. Descrição do método utilizado para elaboração do plano de segurança pública e defesa social do ente federativo;

3. Alinhamento do plano de segurança pública e defesa social do ente federativo com o planejamento estratégico e com o orçamento do ente federativo;

4. Fontes de financiamento do plano de segurança pública e defesa social;

5. Período de vigência do plano de segurança pública e defesa social;

6. Ações estratégicas com o detalhamento dos responsáveis, dos prazos e do alinhamento com as ações estratégicas do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2021-2030;

7. Metas e indicadores relacionados às ações estratégicas do plano de segurança pública e defesa social do ente federativo;

8. Monitoramento e avaliação do plano de segurança pública e defesa social do ente federativo, com o detalhamento dos padrões de controle e dos ciclos de monitoramento alinhados cronologicamente com o ciclo de monitoramento do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2021-2030;

9. Estrutura de governança do plano de segurança pública e defesa social do ente federativo;

 

O Plano Nacional estipula ainda uma série de metas e indicadores a serem atingidas pelo governo federal até 2030 e que os Planos Municipais também devem trazer suas metas e indicadores. Algumas delas não tem relação com a atuação municipal, como por exemplo, as metas relativas ao sistema prisional. Mas outras metas e indicadores criminais, quando cabíveis, poderiam ser adotados também pelos municípios. O quadro abaixo traz algumas destas metas quantitativas que os Planos Municipais podem adotá-las, se ainda não atingidas.

·        Meta 1: Reduzir a taxa nacional de homicídios para abaixo de 16 mortes por 100 mil habitantes até 2030

·        Meta 2: Reduzir a taxa nacional de lesão corporal seguida de morte para abaixo de 0,30 morte por 100 mil habitantes até 2030

·        Meta 3: Reduzir a taxa nacional de latrocínio para abaixo de 0,70 morte por 100 mil habitantes até 2030.

·        Meta 4: Reduzir a taxa nacional de mortes violentas de mulheres para abaixo de 2 mortes por 100 mil mulheres até 2030

·        Meta 5: Reduzir a taxa nacional de mortes no trânsito28 para abaixo de 9 mortes por 100 mil habitantes até 2030.

·        Meta 6: Reduzir o número absoluto de vitimização de profissionais de segurança pública em 30% até 2030

·        Meta 7: Reduzir o número absoluto de suicídio de profissionais de segurança pública em 30% até 2030

·        Meta 8: Reduzir a taxa  de furto de veículos para abaixo de 140 ocorrências por 100 mil veículos até 2030.

·        Meta 9: Reduzir a taxa de roubo de veículos para abaixo de 150 ocorrências por 100 mil veículos até 2030

 

Uma vantagem da adoção destas metas, além da padronização e comparabilidade com outros municípios e Estado, é que os indicadores serão disponibilizados em nível municipal pelo governo federal. Caso o município já esteja dentro da meta, ele poderia adotar, alternativamente, a mesma taxa anual de redução do indicador adotada pelo governo federal, ou ainda estipular sua própria taxa, já que a redução é relativamente mais fácil para os municípios mais violentos e mais difícil para aqueles que já reduziram a criminalidade e violência a níveis menores.

 

O PSD administra mais de 500 cidades em todo o país e muitas delas atuam na esfera de segurança através das Guardas, secretarias de segurança e projetos preventivos das mais diferentes áreas municipais. É importante ficar de olho, portanto, nas novas regras e conceitos estabelecidos pelo governo federal. Estas regras e conceitos devem orientar os futuros Planos Municipais de Segurança e quem quiser contar com dinheiro da União, precisará levar em conta as regras do jogo.

 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Explosão da criminalidade ou ano base atípico?

 

Explosão da criminalidade ou ano base atípico?

 

Ouvi recentemente um conceituado comentarista no rádio alarmado com as taxas de crescimento criminal em São Paulo em outubro, comparando com o ano anterior. Especialista em seguros, o comentarista alertava que se a Secretaria de Segurança Pública não fizesse nada, as seguradoras seriam obrigadas a aumentar o valor dos seguros de veículos, diante da explosão da criminalidade.

Não tenho mandato para defender a SSP – embora ainda faça parte do Conselho Estadual de Segurança – mas o alarde é parcialmente injusto. Tecnicamente, a variação explosiva dos índices de 2002 para 2021 pode ser constatada e não há erro formal no cálculo do comentarista.

Mas os manuais de estatísticas nos ensinam -  inclusive o que publiquei quando coordenador de análise da secretaria – que ao comparar períodos não devemos usar como período base um momento que seja atípico, tanto para cima quando para baixo.

E, como todos sabemos, o ano de 2020 esteve longe de ser típico, pelo menos desde os meados de fevereiro. A epidemia provocou mudanças bruscas e repentinas na rotina e diversos fenômenos sociais e econômicos foram fortemente afetados por essa mudança de rotina. Como eu e dezenas de outros tivemos a oportunidade de mostrar, a epidemia produziu alterações significativas em boa parte dos crimes, em geral, atuando para reduzi-los drasticamente. Crimes são “atividades de rotina“ e estão altamente correlacionados às oportunidades, como a disponibilidade de alvos.  Antes mesmos das avaliações de impacto, já antecipávamos que este enorme experimento natural fosse produzir grandes impactos nas séries criminais. (assim como já sabemos que a evasão escolar, desemprego e aumento de armas em circulação cobrarão seu preço no futuro).

Igualmente, antecipávamos que mais cedo ou mais tarde, parte da tendência anterior retornaria à média, uma vez que a rotina se reestabelecesse. Muitos crimes, assim, se movimentariam na forma de “V” ou “U’, conforme o retorno fosse mais rápido ou vagaroso. Alguns ainda apresentam forma de “L” e não retornaram ao patamar anterior.  A sucessão de ondas e de aberturas e fechamentos da economia e das atividades sociais poderia provocar movimentos em “W” e assim por diante.  Qualquer que fosse o movimento, ficou claro que as séries históricas de crimes ficariam bastante prejudicadas para fins de análise. Para garantir alguma comparabilidade, sugeri que as taxas fossem calculadas a partir da população em circulação nas ruas e não com base na população residente: calculadas desta forma, algumas taxas que pareciam ter baixado na verdade tiveram risco relativo aumentado.

O fato é que os analistas precisarão decidir daqui por diante – e não apenas os analistas criminais, mas também as demais áreas mais afetadas pelo COVID – como farão para garantir um mínimo de comparabilidade nas séries históricas. A alternativa mais simples talvez seja apenas ignorar os dados coletados durante a epidemia (quando começa e quando termina é algo que precisaria ser analisado localmente). Em suma, adotar como período base o ano de 2019.

No exemplo abaixo tomamos as estatísticas criminais de São Paulo, de janeiro a outubro de cada ano, e analisamos as variações em 2021, primeiro tomando o ano de 2020 como base e depois adotando o ano de 2019 como base. As tendências, como esperado, são bastante distintas em alguns casos.

 

Comparando como fez o comentarista os dados de 2021 com 2020, vemos um aumento de 9,4% no total de crimes, depois de uma queda abrupta de 21,7% no ano anterior. Furtos outros e furto de veículos – que foram bastante afetados durante a epidemia – mostram crescimento entre 17 e 20% neste ano. Roubo de veículos crescem 3,1% e roubos outros 2,7%. Em queda digna de nota em 2021, apenas os homicídios dolosos (-3,2%) e os latrocínios (-9,5%). Curiosamente, os dois crimes que tiveram um ligeiro crescimento durante a pandemia.

O que acontece quando retiramos o ano de 2020 e utilizamos 2019 como base? Como esperado, as tendências são bastante diferentes: ao invés de subir, observa-se uma queda geral no total de crimes (-14,4%). Furtos e furtos de veículos têm quedas de 14% e os roubos de veículos – preocupação do nosso comentarista – caem nada menos do que 31%. (sim, usem este dado se a seguradora quiser aumentar o valor do seu seguro).

Os homicídios apresentam um leve aumento da ordem de 2,5% e os latrocínios uma que da -6,6%). Ao contrário do quadro anterior, todos os crimes tem queda, com a exceção de dois.

Como se observa, há uma enorme diferença na interpretação das tendências criminas, conforme adotemos 2019 ou 2020 como ano base de comparação para as variações. A comparação com 2020 é formalmente correta, mas provavelmente injusta. Creio que a melhor recomendação prática seja calcular as variações das duas maneiras e incluir uma grande nota de rodapé justificando e explicando a excepcionalidade do período da pandemia. De todo modo, é importante fornecer o quadro completo para que os agentes possam tirar suas próprias conclusões sobre a situação. E isto não apenas com as estatísticas de criminalidade, mas com as econômicas, sociais, sanitárias e todas que tendem a flutuar no curto prazo e foram afetadas pelas mudanças na rotina.

Omitir a epidemia pode induzir a erro. Pelo menos nos meus modelos, 2020 e o período mais sério da epidemia sempre serão considerados “outliers” ou pontos fora da curva que precisarão ser modelados. Se isso não foi um “outlier”, não sei o que seria, talvez um cataclismo nuclear.  Caso contrário, nossas predições (além do bolso) serão as grandes prejudicadas.

 

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Webinário “Municípios e Segurança Pública”

 Brasília, 17/11/2021 - O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) irá apresentar temas relevantes acerca da participação dos municípios como integrantes estratégicos do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). O webinário “Municípios e Segurança Pública” será transmitido pelo canal oficial do MJSP no YouTube nesta quinta-feira (18), às 20h30.

Esta é a terceira edição do seminário online “Segurança Pública em foco” promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério, no âmbito da Jornada Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

O webinário contará com a participação do pesquisador Túlio Kahn, que irá apresentar experiências exitosas para redução da violência no âmbito municipal. Além disso, a prefeita do de Pelotas (RS), Paula Mascarenhas, irá mostrar os resultados do programa "Pacto Pelotas Pela Paz", iniciativa que auxiliou na redução dos indicadores de homicídios no município. O debate será moderado pelo delegado de Polícia Civil de Minas Gerais Daniel Barcelos, gerente de projeto estratégico no Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Sobre a Jonasp

A Jornada Nacional de Segurança Pública e Defesa Social é uma iniciativa do MJSP, por meio da Senasp, que objetiva discutir novos caminhos e perspectivas para a segurança pública do país. Para tanto, estão previstos eventos presenciais e webinários até o primeiro semestre do próximo ano. O próximo evento presencial da Jonasp será o seminário “I Jornada Nacional de Policiamento Rural: Práticas e Tendências”, que ocorrerá entre os dias 23 e 25 de novembro em Sinop (MT).

Link:

https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/ministerio-da-justica-e-seguranca-publica-reforca-protagonismo-dos-municipios-no-susp


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