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terça-feira, 8 de dezembro de 2020
terça-feira, 24 de novembro de 2020
Ideologia versus evidências nas políticas de segurança pública
terça-feira, 10 de novembro de 2020
sexta-feira, 6 de novembro de 2020
Pesquisa Perfil das Polícias 2019
Desde 2001 a Secretaria Nacional
de Segurança Pública realiza a pesquisa Perfil das Polícias, solicitando a
todos os Estados o preenchimento de um questionário bastante completo com informações
sobre a PM, PC – incluindo ai a Polícia Técnica - e Corpo de Bombeiros.
Os tópicos incluem informações
sobre efetivos, formação, remuneração, armas, equipamentos, estrutura organizacional
e dezenas de outros. Apesar da inconsistência eventual de algumas informações,
trata-se de um material rico e pouco explorado. A título de exemplificação do
que pode ser extraído, analiso brevemente a questão dos efetivos das Polícias
Militares nos Estados e suas subdivisões hierárquicas.
As Polícias Militares estaduais
estão organizadas em duas carreiras distintas – praças e oficiais – cada qual
subdividida em 6 graus hierárquicos. (excluindo ainda os alunos e cadetes).
Existem vantagens e desvantagens nesta forma de organização: com vários
degraus, as passagens de uma categoria à outra são mais rápidas e graduais e
argumenta-se que estimulam a progressão, evitando a permanência muito
prolongada num mesmo posto. Por outro lado, do ponto de vista das funções
executadas e qualificações exigidas, são mínimas as diferenças entre soldados e
cabos, capitães e majores, tenentes-coronéis e coronéis, de modo que existem
projetos em favor da junção de algumas categorias, de forma a reduzir a
hierarquia de 12 para algo como 6 postos. Vou deixar a análise das vantagens e desvantagens
teóricas de cada gradação para os experts em administração e recursos humanos,
até porque meu modelo predileto é de uma polícia única, de ciclo completo, com
uma só carreira, bem distante do modelo atual, independente do número de postos.
É provável que isto ocorra pelo
represamento na passagem de Capitão para Major, que exige, geralmente, a
realização de um curso especial para a progressão, onde nem sempre há vagas ou
interesse de todos na progressão. Como apenas 10% dos Capitães chegarão ao topo
da carreira, é provável que exista um desincentivo à progressão, chegada a esta
etapa.
A análise sugere também que
existem diferenças organizacionais entre as “grandes” e “pequenas” polícias e
adianto desde já que o critério classificatório foi arbitrário, ficando no
grupo das “grandes” as PMs de SP, RJ, MG, BA, CE, PR, PE e RS e as demais no
outro grupo.
A porcentagem de Coronéis tende a
ser menor nas PMs grandes, com exceção do RJ e PE. Na verdade isto vale para
quase todo o corpo de oficiais, com exceção dos 1º tenentes. Ao contrário, a
porcentagem de Cabos e Soldados tende a ser muito maior nas grandes
organizações: os Soldados representam 43,7% do efetivo nas PMs grandes, mas
apenas 26,9% do efetivo nas pequenas. Note-se que nas três maiores policiais (SP,
RJ e MG), o grupo mais frequente é o de Cabos enquanto nas demais grandes é o
de Soldados.
Por algum motivo que não me é
claro, a porcentagem de 3º Sargentos é bem maior nas pequenas organizações.
Dentro do grupo das pequenas
organizações, os menores efetivos encontram-se na Região Norte (TO, AP, AC e
RR) e o subgrupo parece compartilhar algumas características distintivas:
relativamente poucos soldados e cabos e grande porcentagem da tropa distribuída
pelas hierarquias intermediárias, entre 2º Sargentos e Capitães. Chama a
atenção também a grande porcentagem de Coronéis em RO, AP e RR.
Em suma, o Brasil é um país
bastante diverso em termos econômicos e sociais e é natural que as organizações
policiais se adaptem aos contextos locais. E é esperado também que o tamanho
absoluto da tropa influencie a distribuição dos efetivos: é relativamente mais
fácil para o Estado renumerar uma proporção maior de oficiais nas organizações
menores. O fato é que existe alguma diversidade nos modos como as PMs se organizaram
nos Estados e não existe um padrão unificado, como nas Forças Armadas, que é
nacional.
Outra forma de olhar esta
diversidade é através da razão entre a quantidade de efetivo num determinado
posto e a quantidade de efetivo no posto imediatamente abaixo. Como instituição
hierarquizada em que existe um funil seletivo, o esperado, como dito, é que
existam sempre menos efetivos no posto “acima” (ou mais no posto “abaixo”),
pois é natural que o número de “gerentes” seja inferior ao número de “gerenciados”,
que são os executores das políticas que vem de cima. Todavia, como vimos acima,
as diferenças percentuais de efetivo em cada posto acabam provocando algumas
distorções. Algumas promoções são rápidas e outras demoradas; algumas exigem
concursos e provas, outras são automáticas. Algumas policiais realizam
concursos com frequência e outras demoram. Todas estes fatores acabam
influenciando a quantidade de policiais em cada posto.
Na tabela seguinte trazemos as
razões posto acima/posto abaixo. Quando a razão é superior a 1 significa que há
mais efetivos abaixo do que acima, o que seria natural encontrar numa
organização hierárquica. Assim, por exemplo, há 3,9 vezes mais Tenente Coronéis
do que Coronéis em SP. Inversamente, uma razão menor do que 1 indica um padrão
oposto ao esperado. Novamente ilustrando, a tabela mostra que existem apenas 0,7
Soldados para cada Cabo em São Paulo. As três maiores polícias repetem este
padrão, assim como várias das pequenas organizações. Trata-se de um bom
argumento para unificar as duas categorias, uma vez que muitas PMs já tem mais
Cabos do que Soldados.
Entre os oficiais, fenômeno
semelhante parece ocorrer com os 2º e 1º Tenentes: em muitas polícias –
especialmente nas grandes - existem mais 2º Tenentes do que 1º Tenentes e, em
especial nas pequenas, mais 1º Tenentes do que Capitães. Novamente aqui, talvez
fosse o caso de aglutinar estes postos, pois, como fácil observar, existem mais
caciques do que índios em algumas destas tribos.
Por uma série de motivos, a
velocidade da progressão entre os diferentes postos é variável, fazendo com
que, em determinados períodos, haja represamentos em alguns níveis, fazendo com
que tenhamos mais “gerentes” do que “gerenciados”. Entre outras consequências,
isto pode fazer com que alguns profissionais tenham formalmente um posto,
recebam por ele, mas na prática acabem exercendo funções de nível inferior,
pois há excessos de profissionais naquele nível hierárquico e carências abaixo.
Pode também acontecer o contrário, com policiais assumindo tarefas de
hierarquia superior, mesmo sem o posto ou salário correspondente.
Como os salários são baixos em
alguns Estados, a promoção hierárquica facilitada pode ser também uma forma de
compensação salarial ou simbólica. Corrige-se a defasagem salarial, mas cria-se
um imbróglio na cadeia de comando e na razão de ser da hierarquia.
Existem outras distorções na
organização das polícias que são muito mais sérias. Em comparação com o setor
privado, os Policiais Militares se aposentam demasiado cedo e ficam onerando o
orçamento estadual por décadas. Em muitos Estados as aposentadorias policiais
estão hoje entre as principais causas do déficit público. Quem começa como
praça não ascende aos postos superiores, não obstante as exigências escolares
serem as mesmas para o ingresso na(s) carreira(s). Não existe possibilidade de
entrada “lateral” (exceto para o quadro de saúde), como nas polícias de alguns
países desenvolvidos, que integram aos quadros da polícia profissionais já
formados em cursos superiores de outras áreas. A formação acadêmica é demasiado
isolada da sociedade. O sistema de promoção sujeito a critérios subjetivos em
algumas etapas. As diferenças salariais entre os menores e maiores postos
demasiado acentuadas, etc. Nas Polícias Civis são outros tantos problemas que
examinaremos em outra ocasião.
A intenção aqui foi explorar
rapidamente e mostrar a riqueza da pesquisa Perfil das Polícias, que conta com
centenas de variáveis e uma série histórica razoável para os padrões
brasileiros. Raramente os dados são utilizados em artigos e teses acadêmicas. E
apesar do esforço de coleta, é igualmente raro que os dados sejam utilizados
pela Senasp para encontrar parâmetros que poderiam a ajudar os gestores de
segurança estaduais a repensar a organização e outros aspectos ligados à
carreira policial.
Quando passei pela Senasp em 2002
a pesquisa estava em sua segunda edição e a ideia é que ela servisse de benchmark para diversos temas: como deve
ser o ingresso? Que cursos e qual carga horária para a formação? Quais equipamentos
e veículos utilizar? Quantos batalhões e
companhia e onde devem estar localizados? Qual o perfil demográfico do efetivo?
Qual o orçamento e despesas para cada área? Qual o grau de informatização das
organizações? Quantidade e tipo de frota? Renumeração? Assistência psicológica
e de saúde? Estamos falando de um
questionário com cerca de 1500 perguntas, apenas no que se refere às PMs.
O artigo é ligeiro ao tratar do
problema das hierarquias por alguém que não é especialista na área. Mas espero
que ao menos tenha o mérito de despertar a curiosidade de policiais e
estudiosos para esta interessante fonte de informações. Sei que fazer a
pesquisa dá muito trabalho e os policiais responderiam com muito mais rigor se
vissem que o trabalho está sendo aproveitado para alguma coisa!
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
Comentários sobre o Anuário de Segurança Pública - 2020
Tenho a satisfação de ser um dos
sócios fundadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública criado em 2006 e em
especial um dos formatadores do que seria o Anuário de Segurança, que este ano
está especialmente informativo, com mais de 300 páginas e dezenas de tópicos
relevantes.
Todo ano gosto de fazer alguns
comentários sobre os dados, destacando algumas particularidades e dando minhas
interpretações sobre alguns fenômenos retratados. Há muita informação e os
meios de comunicação acabam destacando apenas algumas delas, deixando de fora
muitos aspectos não percebidos.
Já escrevi nestes meses sobre os
efeitos da pandemia sobre os crimes, em especial homicídios e letalidade
policial, de modo que vou remeter os interessados aos artigos anteriores e
seguir adiante com outros pontos.
Nesta edição gostaria de chamar a
atenção para o seguinte:
1 - Racismo no sistema de justiça
criminal. Sim, existe racismo no Brasil e nas polícias, apesar do grande
contingente de policiais negros. (alias, seria interessante incluir no gráfico
os 65% de polícias negros mortos). Mas é simplista comparar o perfil dos mortos
com o perfil demográfico da população. Como muitas pesquisas não enviesadas já
revelaram – por uma série de circunstâncias sociais, econômicas, históricas, geográficas,
etc. – os negros estão proporcionalmente mais envolvidos nos crimes violentos
de rua. Nas pesquisas de vitimização, vítimas negras apontam
desproporcionalmente autores negros e não há que se falar em racismo. Assim, é
preciso achar outro “denominador” para fazer a devida comparação. Este outro
denominador certamente mostrará que ainda existe uma viés contra negros nas
estatísticas de mortes. Mas este viés é menor do que o mostrado. No sistema
prisional, os negros representam atualmente 66,7% da população, mas especula-se
que esta proporção já reflita o racismo existente no sistema de justiça criminal,
de modo que tampouco seria um denominador adequado.
O racismo existe nas polícias,
mas existe principalmente na sociedade, que acirra os fatores de risco de
envolvimento com o crime dos jovens negros do sexo masculino. Atribuir toda a
culpa ao racismo das polícias é camuflar estas formas anteriores e mais
dissimuladas de racismo.
É interessante notar que as
distorções com relação a gênero e idade são ainda maiores que as distorções
raciais, quando analisamos o perfil das mortes. Homens são 50% da população,
mas 99,2% das vítimas de MDIP (confrontos com a polícia). Mas ninguém acusa o
sistema de ser “sexista” ou “jovista”, pois neste caso há um entendimento de
que homens e jovens se envolvem mais com o crime, pois simplesmente existem
mais fatores de risco: cultura, testosterona, empregabilidade, socialização,
etc. No caso das distorções de raça, quase toda a distorção é atribuída ao fator
racismo.
2 - Feminicídios (Tabela T37). O
anuário aponta o crescimento de 7,1% nos feminicídios em 2019 com relação ao
ano anterior. Desde que a categoria foi criada observamos esta tendência de
crescimento, como ilustra o gráfico.
Na mesma linha, é o que está
ocorrendo com a importunação sexual, alterada em 2018 (Lei 13.718 de 24 de
setembro de 2018) e que apresenta um crescimento de 319% de 2018 para 2019,
subindo de 1341 para 8068 casos em um ano! Aqui fica claro o efeito da “adaptação
classificatória”, já visto no passado, por exemplo, com relação aos estupros. Crimes
são fenômenos bastante estáveis: desconfie dos processos, quando diante de
alterações bruscas e intensas.
3 – Estupro de vulneráveis. Um
dado que sempre me chamou a atenção foi a idade extremamente jovem das vítimas
de estupro no Brasil. A classe modal para as meninas é de 13 anos (12% das
vítimas) e para os meninos 4 anos de idade (8%) das vítimas! O problema do
perfil da vítima de estupro é a notificação geral muito baixa, variando entre
7,5% (Pesquisa Nacional de Vitimização / MJ, 2013) e 10% (IPEA, 2014) dos casos,
segundo as últimas pesquisas brasileiras. Mas é provável que a taxa de
subnotificação seja diferente, nos diferentes grupos etários.
No caso dos vulneráveis, é possível
que as famílias constatem os abusos, ou algum professor ou profissional de
saúde. No caso, a notificação é feita por um terceiro e não pela própria
vítima, incapaz de fazê-lo. A notificação de violências interpessoal e autoprovocada
foi criada em 2006, e em 2011 passou a ser compulsória em todos os serviços de
saúde públicos e privados. Desde então, o número total de notificações anuais
de estupro de pessoas do sexo feminino vem aumentando, passando de 10.693 casos
em 2011 para 17.871 em 2015. Novamente uma mudança brusca e intensa. É bastante
provável que a notificação obrigatória tenha aumentado particularmente o
registro de estupro de vulneráveis.
Digamos que, nestes casos, a
notificação chegue supostamente a 40%. Com o envelhecimento da vítima, o
estupro deixa de ser constato por terceiros e a denuncia passa a ser uma ação
própria da vítima. Mas ai entram em jogo os fatores inibidores como medo,
vergonha, dependência financeira, etc. A taxa de notificação deve cair
linearmente com o aumento da idade, ou pelo menos até certa faixa etária,
quando ficaria estabilizada. De modo que a notificação de 7,5% a 10% seria
uma média, maior entre os jovens e menor entre os adultos. O problema é que as pesquisas de vitimização só entrevistam pessoas a partir de 16 anos de idade e não há perguntas sobre
estupros envolvendo membros da família, de modo que é difícil testar este
hipótese.
Se ela for correta, é preciso
tomar bastante cuidado com o dado de perfil das vítimas e dos casos (idade,
local, relacionamento com o autor, instrumentos utilizados, dias e horários,
etc.), pois os registros de estupro provavelmente sobre representam os vulneráveis e
sub-representam os adultos.
4 – O anuário traz este ano um rico acervo
de dados sobre a participação dos policiais e militares nas eleições. É preciso
ficar atento aos gráficos e tabelas, pois os anos de 2010, 2014 e 2018 tratam
de eleições estaduais e federais enquanto os anos de 2012, 2016 e 2020 dizem
respeito à eleições municipais. E o que é válido para um tipo de eleição não
necessariamente é válido para outra. Com relação ao fenômeno do crescimento das
candidaturas policiais, note-se, por exemplo, que nas eleições de 2012 tivemos
7486 candidatos, (4249 PM), menos, portanto do que nestas próximas eleições,
onde temos 7258 candidatos (3910 PM). De modo que não se trata apenas de uma
onda “conservadora” recente, quando examinamos o histórico de participações de policiais e militares na política.
Os policiais e militares, segundo
calcula o Anuário, são nada menos do que 3,8% do eleitorado, incluindo os
aposentados. Novamente aqui é interessante separar o tipo de eleições: nos anos
de eleições estaduais estão acima da média (5,1% dos candidatos em 2018), mas
nos anos de eleições municipais estão abaixo da média (1,3% em 2020). O motivo
é óbvio: as policias são forças estaduais e há muito mais interesse dos
policiais em participar das eleições estaduais e federais do que nas
municipais. Nas Assembleias Legislativas estaduais e federal podem criar leis que afetem
a segurança e a carreira dos policiais, seus eleitores.
5 – armas de fogo. Sempre é
importante reforçar a relação entre disponibilidade de armas e homicídios, como
acabo de fazer em artigo recente, onde analiso um painel estadual de dados
entre 2015 e 2017. Note-se na tabela abaixo que a apreensão de armas pelas
polícias – uma variável substituta para a quantidade de armas em circulação –
aumenta 79% no Norte desde o Estatuto e 8,2% no NE, enquanto cai nas demais
Regiões. Não por acaso, as mesmas tendências regionais observadas nos
homicídios...
Taxas
de Armas de fogo apreendidas, por Região, por 100 mil habitantes |
||||||||
Brasil
e Unidades da Federação – 2013-2019 |
||||||||
Brasil
e Regiões |
Armas de fogo apreendidas - Taxas (1) |
|||||||
2013 |
2014 |
2015 |
2016 |
2017 |
2018 |
2019 |
Var. (%) |
|
Brasil |
55,5 |
53,7 |
57,4 |
58,5 |
56,8 |
52,3 |
52,1 |
-6,1 |
Norte |
34,7 |
23,6 |
24,8 |
37,2 |
33,6 |
42,2 |
62,2 |
79,3 |
Nordeste |
43,4 |
43,0 |
49,8 |
46,3 |
49,7 |
49,2 |
46,9 |
8,2 |
Centro-Oeste |
56,6 |
60,9 |
78,2 |
99,0 |
79,3 |
36,9 |
32,6 |
-42,4 |
Sudeste |
64,5 |
61,9 |
62,1 |
62,2 |
58,6 |
54,9 |
55,3 |
-14,3 |
Sul |
64,4 |
64,5 |
66,5 |
62,3 |
67,5 |
64,8 |
59,9 |
-7,0 |
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; MP-AC;
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. |
||||||||
(1) Por 100 mil habitantes. |
Desde 2019 a compra de armas
pelos CACs aumentaram 120%, até agosto de 2020. Novamente, não é coincidência o
crescimento dos homicídios nos pais a partir do segundo semestre de 2019, após dois
anos de queda.
Existem dezenas de outros dados e
temas de interesse no Anuário e não é possível, infelizmente, abordá-los aqui.
O Anuário é um exemplo de como as evidências podem ser úteis para
compreendermos os fenômenos criminais e a partir desta compreensão traçar
políticas públicas mais eficientes e justas. Sem dados, como alguém já
observou, “você é apenas mais um idiota com uma opinião.” Há quem continue
sendo idiota, mesmo com dados em mãos, pois é preciso também saber analisa-los,
o que não é tarefa fácil. Idiotas com alguns dados nas mãos são ainda mais
perigosos, como vimos nas posições de alguns governos com relação ao COVID
-19.
De todo modo, o Anuário, já em sua 14º edição, ressalta a importância de coletar e publicar com transparência as informações, como faz o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O governo federal, diga-se de passagem, também tem feito um esforço no sentido de disponibilizar os dados do SINESP, a pesquisa Perfil das Polícias (que teve início em 2002 e não em 2004, assim como o então “SINEP”, ao contrário do que reza a lenda), do Infopen e outras bases nacionais.
Com acesso aos dados, podemos formular e testar hipóteses, estejam elas certas ou erradas. Sem dados, ficamos no escuro e não há debate possível.
terça-feira, 6 de outubro de 2020
Partidos Políticos Brasileiros - amorfos ou representativos?
Neste artigo, mostro como é possível saber a ideologia de um partido apenas com base na ocupação dos seus candidatos e discuto a natureza representativa dos partidos brasileiros.
As ocupações dos candidatos às eleições podem ser uma proxi ou indicador substituto destes interesses e podem colocar a prova algumas conjunturas sobre a natureza dos nossos partidos. Já em artigo de 2002, Rodrigues (Rodrigues, 2002) tinha trazido fortes evidências de que os partidos brasileiros se diferenciavam pela composição social dos seus membros, tomando por base as ocupações dos deputados federais de cada agremiação de então.
A diferença aqui é que tomamos por base uma quantidade muito maior de ocupações, partidos e de candidatos. Além disso, milhares de candidatos às eleições municipais devem refletir melhor a base social dos partidos do que algumas centenas de deputados federais. Do ponto de vista metodológico, utilizamos uma análise de cluster hierárquico para tentar agrupar os partidos segundo a frequência das ocupações, deixando os dados contarem a sua própria história.
Pela base de dados do TSE é possível identificar 244 ocupações entre os 547 mil candidatos que estão concorrendo a vagas de vereadores e prefeitos pelos 33 partidos brasileiros em 2020.
terça-feira, 29 de setembro de 2020
Perfil das ocupações de segurança nas eleições de 2020
Segurança é uma das maiores
preocupações da população e é natural que muitos candidatos a prefeito e
vereador sejam oriundos das ocupações ligadas à segurança pública e privada. O
banco de dados do TSE traz costumeiramente a ocupação dos candidatos às
eleições, tornando possível isolar parcialmente os candidatos que atuam
profissionalmente no setor.
Contribuem para estas
candidaturas o fato de que as instituições policiais liberam com vencimentos e sem
prejuízos os profissionais que quiserem disputar as eleições e a influência
crescente dos militares e policiais em geral no governo Federal. O chamado
“bolsonarismo” das polícias pode estar estimulando ainda mais esta tendência de
crescimento do envolvimento na política, que já vem de anos anteriores. O apoio
de parcela significativa dos eleitores a agenda bolsonarista acaba por atrair
candidatos identificados com esta agenda, confiantes na viabilidade eleitoral
das candidaturas neste contexto em que o presidente reconquista popularidade.
Numa definição abrangente de
operadores da segurança, por ordem de grandeza, encontramos na lista de
candidatos a prefeitos e vereadores deste ano 4467 “vigilantes”, 3575 Policiais
Militares, 1735 “militares reformados”, 919 Policiais Civis, 344 Bombeiros
Militares, 182 integrantes das Forças Armadas e 38 “Detetives Particulares”.
Somadas estas categorias, teríamos 11460 ocupações relacionadas com
“segurança”, no sentido amplo do termo. Isto equivale a 2,09% do total de candidatos.
Se considerarmos apenas as polícias estaduais, para as quais existem
estimativas seguras, são 4838 candidatos, ou quase 1% dos cerca de 540 mil
policiais estaduais existentes no Brasil (IBGE, 2015).
Como este grupo de candidatos se
compara com os demais, quando analisamos seu perfil demográfico e partidário?
É digno de nota que os candidatos
ligados à segurança são bem mais “masculinos” do que a média. São homens 66,8%
dos candidatos em geral, mas a proporção sobe para 93,2% entre os candidatos da
segurança, ocupações tradicionalmente masculinas. A porcentagem de casados
também é bem maior: enquanto no total de candidatos 51,3% declarou-se casado, a
porcentagem sobe para 64,5% entre os oriundos das ocupações de segurança. Esse
dado sugere que a média de idade é também maior entre estes candidatos.
A média de escolaridade é maior
entre eles, como ilustra a tabela abaixo. A porcentagem com ensino médio
completo e superior completo é maior do que a média dos candidatos, enquanto a
porcentagem apenas com ensino fundamental é menor.
Embora não consigamos detalhar o
nível hierárquico dos candidatos nas instituições, pelo grau de escolaridade
declarado é possível especular que não são as carreiras superiores das
policiais as que mais se candidatam, uma vez que o curso na Academia de
Oficiais equivaleria ao curso superior completo, assim como o cargo de Delegado
de Polícia, exclusivo de bacharel em direito.
Pardos e Pretos estão
super-representados entre os candidatos da segurança. Os Brancos formam 47,7%
dos candidatos em geral, mas constituem apenas 40,7% da “bancada” da segurança.
Em parte este é um reflexo da grande presença de pretos e pardos nos escalões
inferiores e médios das forças de segurança e forças armadas, historicamente
percebidas como veículos de ascensão social para os negros.
Para além das diferenças
demográficas, é interessante observar as diferenças entre os Estados e Partidos
Políticos. A última coluna da tabela abaixo traz a diferença entre os
percentuais dos candidatos ligados à segurança e os demais. Assim, por exemplo,
o Rio de Janeiro tem 4,6% dos candidatos às eleições de 2020. Mas concentra
8,2% dos candidatos da segurança do Brasil. As ocupações de segurança estão
claramente super-representadas nas candidaturas do RJ. Entre outros fatores, esta discrepância pode
refletir a politização das forças de segurança no Estado. Mas existem outras
hipóteses, como facilidades institucionais, tradição ou necessidade das
instituições de obterem representação própria, em busca de defesa ou prerrogativas.
Minas Gerais e os estados
sulistas (PR, RS e SC) estão no outro extremo. Minas lançará 14,6% dos
candidatos em 2020 em todo o país. Mas apenas 10,8% dos que tem origem em
ocupações de segurança se lançarão por Minas. As hipóteses aqui tem o sinal
oposto.
O cruzamento por organização
partidária obedece ao mesmo formato, com a última coluna trazendo a diferença
entre as ocupações da segurança e as demais. As colunas, portanto, somam 100%. É
evidente a sobre representação das ocupações de segurança entre os partidos de
centro-direita. Estes dados trazem evidências do fenômeno chamado de
“bolsonarismo das polícias”, que sugere a existência de uma “afinidade eletiva”
entre ideais políticos conservadores, partidos de centro-direita e ocupações de
segurança pública e privada.
Nos partidos de esquerda e
centro-esquerda, por outro lado, os candidatos de ocupações de segurança estão
sub-representados. Mas note-se que muitos candidatos de segurança concorrerão
por siglas de esquerda como PT, PDT, PSB ou PC do B, mesmo estando sub-representados
neste espectro ideológico. Não obstante a preferência pelos partidos de centro
direita, mais novos e de bancada menor, existem candidatos de segurança
distribuídos por todas as agremiações partidárias, que vislumbraram a
viabilidade eleitoral destas candidaturas e dão abrigo a elas.
Nos partidos maiores, mais
antigos e tradicionais, os candidatos da segurança têm que concorrer
internamente com os “políticos tradicionais” em busca de vagas para suas
candidaturas. É provável que o acesso às
vagas seja facilitado aos policiais nos partidos menores e mais novos, que em
geral estão alinhados ideologicamente mais à direita. Este fenômenos da
representação política expressa da direita é relativamente recente, pois poucos
políticos tinham a ousadia de se apresentar como de “direita” nas eleições. Esta
concorrência interna por vagas maior ou menor pode assim explicar em parte as
distorções observadas entre os partidos, quando desagregamos as ocupações. A
política municipal é pouco ideologizada. Assim, não se trata apenas de
“bolsonarismo”, mas também do fato de que policiais encontram talvez mais
abertura nos partidos novos e menores, que são de direita e centro-direita.
E quais são as implicações desta
crescente representação dos operadores da segurança nas políticas públicas de
segurança? Trata-se como discutimos de uma tendência de crescimento já de anos
e os estudos que analisaram a atuação desta bancada não são necessariamente
animadores. (https://soudapaz.org/o-que-fazemos/mobilizar/sistema-de-justica-criminal-e-seguranca-publica/advocacy/seguranca-publica/?show=documentos#3123)
O tema segurança tende a ganhar
maior visibilidade e recursos. Por outro lado, a atuação destes representantes
nos legislativos mostra uma preocupação excessiva com a proteção das carreiras
e das instituições, com benefícios e sinecuras, com temas corporativos e com
uma legislação punitiva e restritiva de direitos.
Diferente do que se imagina
trabalhar com segurança no dia a dia do combate à criminalidade não torna
necessariamente os operadores mais capacitados para formular macro políticas de
segurança, assim como ser professor não torna alguém especialista em políticas
de educação ou ser médico em políticas de saúde. Outros tipos de habilidades
são necessários para transformar um praticante envolvido na profissão num bom
avaliador e propositor de políticas públicas. A condução dos profissionais de
segurança aos legislativos e executivos não só não trouxe os resultados
esperados para a melhoria da segurança. Apegados às suas instituições e
práticas obsoletas, eles são frequentemente um obstáculos às reformas profundas
e urgentes que a área precisa. Como em
todas as ocupações, é preciso separar o joio do trigo. E eleger os que se
preocupam mais com o cidadão do que com suas instituições.
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