Bancos são organizações que não
costumam jogar dinheiro pela janela. Se você que saber se alguma tecnologia ou
metodologia funcionam, ver se os bancos as utilizam pode ser um bom critério
para a replicação.
Há décadas o setor bancário
utiliza algoritmos matemáticos para definir riscos individuais de crédito. Se
vou pedir um empréstimo no banco eles verificam se já dei cheques sem fundo, se
fui listado no Serasa, se estou empregado, minha renda, meus bens, idade, e
dezenas de variáveis que ajudam a prever se vou ou não honrar o empréstimo.
Estas variáveis são ponderadas e no final recebo um score e uma classificação
como bom ou mau pagador. Não adianta culpar o gerente se o empréstimo não foi
concedido...quem define isso é o algoritmo, com base nas estatísticas de
milhares de casos passados.
Trata-se de um método
probabilístico e falível pois há sempre o risco de recursar crédito a um bom
pagador (falso negativo) ou conceder crédito para um caloteiro (falso positivo).
Mas de modo geral, o algoritmo acerta ou pelo menos acerta bem mais do que o
gerente do banco sozinho, com seus preconceitos e limites de memória e
informação.
O setor público, quase sempre,
anda a reboque quando se trata de utilizar novas metodologias e tecnologias. O
sistema de justiça criminal, não obstante a existência de ricas e gigantescas bases
de dados, faz ainda pouco uso dos algoritmos como ferramentas de apoio a
decisão. Existem nas polícias crenças equivocadas, tais como “os casos de
feminicídio e homicídios domésticos são difíceis de prevenir” pois acontecem
dentro de casa, entre pessoas sem histórico criminal, etc. A ênfase na formação
jurídica e o desprestígio das demais ciências explicam em parte o pouco uso
destas metodologias no Brasil.
Uma exceção é o policiamento
baseado em hot spots, adotado usualmente pelo policiamento ostensivo. É comum
hoje o uso de um algoritmo que calcule a densidade de ocorrências numa
determinada área, dia e hora. Na verdade, o algoritmo está prevendo – como o
sistema de crédito bancário – que há grande probabilidade de que novos crimes
ocorram naquela local e hora, de modo que o melhor “investimento” é alocar mais
recursos policiais para aquele hot spot e hot time. Como os recursos policiais
são escassos, ao invés de desperdiçar estes recursos em locais e horas de baixo
risco, potencializo meus recursos alocando-o onde o crime é mais provável. Na área investigativa, algoritmos calculam a probabilidade de que um rosto detectado numa câmera seja ou não o de um criminoso procurado pela justiça.
Esta lógica de alocação de
recursos baseada em fatores de risco, algoritmos matemáticos e na epidemiologia
poderia ser utilizada para a tomada de diversas outras decisões dentro do
sistema de justiça criminal. Há diversos exemplos de utilização pelos países
desenvolvidos. Nos EUA, por exemplo, o software COMPASS utiliza 137 variáveis
para prever quais criminosos tem maior probabilidade de reincidência. Esta
informação pode ser utilizada, por exemplo, para decidir quem deve receber
maiores cuidados assistenciais pelos serviços de atendimento aos egressos. Para
a Justiça juvenil, existe por exemplo o YLS/CMI (Youth Level of Service/Case
Management Inventory), instrumento com 42 itens, cobrindo 8 diferentes
domínios, para predizer a probabilidade de reincidência de jovens de 10 a 16
anos. O instrumento é capaz de prever razoavelmente não apenas quem irá reincidir,
mas também em quanto tempo. Na Filadélfia, um software desenvolvido pelo
departamento de condicional baseado em modelos de “randon forest” e 12 variáveis
preditivas, classifica em segundos o grau de risco dos sentenciados a
condicional.
Em todos estes casos, parte-se do
conhecido fato criminológico de que apenas uma minoria dos ofensores é
responsável por um grande número de crimes, de modo que é relevante identificar
estes ofensores e oferecer a eles tratamentos mais longos e intensivos ou
fiscalizá-los mais de perto. Para os de baixo risco, a proposta é procurar
medidas alternativas e menos custosas e menos estigmatizantes do que o
encarceramento.
Parte significativa dos
assassinatos de mulheres tem precedentes de violência doméstica e registros
policiais. A polícia Inglesa utiliza desde 2009 um questionário com cerca de 40
questões (DASH) para estabelecer quais mulheres têm maior risco de sofrer
violência doméstica, criando classes de periculosidade. Os próprios policiais
preenchem este formulário após cada atendimento de violência doméstica. Esta
informação é utilizada pelo comitê multidisciplinar que monitora os casos e
pode ser usada para direcionar o programa de patrulhamento preventivo ou
decidir quando um agressor deve ser preso ou que vítima deve receber um celular
de emergência ou ir para um abrigo governamental. Nos EUA existem vários instrumentos
semelhantes para predizer violência doméstica, como o DA, DV-MOSAIC, DVSI ou
K-SID, entre outros, enquanto o Canadá desenvolveu os instrumentos SARA e ODARA.
Em todos estes exemplos, existe
um acumulado de conhecimento criminológico que norteia quais as variáveis
relevantes do ponto de vista teórico e empírico. Sabe-se que envolvimento
precoce com o crime, passagens anteriores pela justiça, uso de álcool e drogas,
baixa escolaridade e baixa empregabilidade, bairro de moradia, período de tempo
desde o último crime, etc. são preditores relevantes para reincidência. Uso de
álcool e drogas, separação judicial do casal, histórico de agressões, disponibilidade
de armas de fogo, histórico de destruição de propriedade, desemprego, baixo
status sócio econômico, pouca idade, etc. são preditores consistentes de
violência doméstica. Existem centenas de variáveis na literatura criminológica e
psicológica já avaliadas como fatores de risco ou protetivos.
Utilizando julgamentos clínicos
ou métodos atuarias, questionários são elaborados para investigar dados
demográficos, histórico psiquiátrico, histórico de envolvimento com a justiça,
informações sobre a infância do agressor, traumas físicos e dezenas de outras
dimensões que impactam a disposição a delinquir e reincidir. Com base nestes
questionários, o que os algoritmos fazem é testar quais são os melhores
preditores, ponderá-los, computar uma nota de corte, fazer uma classificação
que sirva de apoio à decisão. Os métodos estatísticos para fazer os cálculos
são variados, como a regressão linear, regressões logísticas ou tree decision forest, entre outros.
É importante notar que enquanto
alguns destes preditores são estáticos e não passiveis de modificação (sexo,
traumas físicos) outros são dinâmicos e, portanto, potencialmente alteráveis
por políticas públicas (tratamento para prevenir o uso drogas, aumentar a escolarização,
terapias, etc.)
Existem dezenas de perguntas
relevantes para a administração da justiça e gestão da polícia que poderiam ser
respondidos da mesma maneira. Quem deve ser preso provisoriamente e quem pode
ser liberado? Quem deve se beneficiar da saída temporária? Quem tem maior
probabilidade de ser vitimizado ou revitimizado? Que policiais tem maior
propensão ao suicídio? Que perfil de policial tem maior predisposição a se
envolver com ocorrências de alto risco? Quem são aqueles com risco de se
envolver em atividades desonestas caso sejam contratados? Podemos identificar
os sinais de risco de feminicídios e intervir antes que ocorram? Na ausência de
um critério jurídico, que deve ser classificado como usuário e quem como
traficante?
Em todos estes casos, é provável que
existam sinais que podem ser captados através de instrumentos adequados. As
respostas são probabilísticas e é preciso decidir, para cada tema, quais os
riscos dos chamados “falsos negativos” ou “falsos positivos” e estabelecer a
priori uma “razão de custo”. (por exemplo, qual o custo de classificar um
policial como potencial suicida e fornecer a ele um tratamento psicológico,
quando na verdade ele não é. Existem recursos estatísticos, como as curvas ROC
que ajudam a estimar este custo “ideal” mas a decisão final é sempre meta-estatística:
por princípio, na dúvida, é melhor pecar por excesso e oferecer tratamento ao
não suicida, do que pecar por falta).
É preciso cuidar também para que
os algoritmos não sejam social ou racialmente enviesados. Regra geral, os algoritmos
produzem resultados mais imparciais do que os humanos. Em suma, é preciso tratá-los
como ferramentas de apoio à decisão e não como oráculos infalíveis. Por vezes
será conveniente combinar os resultados do algoritmo com uma supervisão final “humana”.
Tomados os devidos cuidados, a
literatura sugere – ainda mais agora em tempos de “big data” e “machine
learnings” – que os algoritmos conseguem detectar correlações as vezes
invisíveis a olho nu e tomar decisões mais acertadas e menos sujeitas à
preconceitos do que os seres humanos. Este tratamento equânime dado pelo
algoritmo a todos os casos é um elemento importante, depois que a economia comportamental
descobriu que as sentenças judiciais podem ser afetadas por fatores totalmente
espúrios, como a hora do julgamento ou se o juiz almoçou ou não. (Daniel
Kahneman, Rápido e Devagar, etc.)
Quando os recursos são escassos e
os atendimentos precisam ser priorizados – temos 700 mil presos no país, 40%
deles “provisórios), os algoritmos de predição e classificação podem ser
grandes aliados. Os bancos já sabem disso quando se trata de emprestar ou não
dinheiro. Então pode acreditar que funciona.
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Author(s): Janice Roehl, Ph.D.; Chris
O’Sullivan, Ph.D.; Daniel Webster, ScD; Jacquelyn Campbell, Ph.D. Intimate
Partner Violence Risk Assessment Validation Study, Final Report. Document No.:
209731 Date Received: May 2005
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