Segundo os dados da UNODC, o
Brasil é o país com maior número de homicídios absolutos no mundo, com mais de
60 mil mortes por ano, seguido pela Índia, México, África do Sul e
Venezuela. Em termos de taxa por 100 mil
habitantes, somos o 12º lugar na lista de aproximadamente 230 países e
territórios analisados, com média de 28:100 mil no período 2014 a 2016. (Dados originais
podem ser explorados aqui: (https://public.tableau.com/profile/deolhonocrime#!/vizhome/UNODChomicides/correlation))
O que faz o Brasil estar no topo
deste rol? Quais as características sociais e econômicas dos países que estão
nos extremos da lista? Existem países com características sociais similares,
mas que apresentam baixas taxas de homicídio, com os quais podemos aprender
algumas lições? Este tipo de pergunta só pode ser respondida através da
comparação internacional, uma vez que estudos de caso, mesmo que aprofundados,
nem sempre permitem distinguir padrões gerais e especificidades locais.
Anos atrás os projetos
comparativos em nível internacional eram difíceis de serem realizados, pois era
difícil coletar dados padronizados para muitos indicadores e muitos países. Na
última década, contudo, vimos um aumento considerável de projetos procurando
coletar, padronizar, sistematizar e disponibilizar bases de dados mundiais,
encabeçados principalmente por organizações multilaterais como a ONU e o Banco
Mundial.
Assim, por exemplo, o Banco
Mundial iniciou em 2010 o projeto WDI (World Development Indicators) que coleta
séries históricas anuais retroativas a 1960, de centenas de indicadores sociais
e econômicos, de 217 países. Os tópicos
abrangem, entre outros, a segurança alimentar e agricultura, mudança climática,
crescimento econômico, educação, energia e extrativismo, meio ambiente e
recursos naturais, setor financeiro, vulnerabilidade macro econômica e débito,
pobreza, desenvolvimento do setor privado e público, desenvolvimento social,
comércio e desenvolvimento urbano.
Esta abundância de dados e as
novas ferramentas de análise permitem a realização de estudos exploratórios
abrangente utilizando um grande número de variáveis, em busca de correlações e
insights sobre os fenômenos. Neste tipo de abordagem “data driven” (orientada
pelos dados), ao contrário da pesquisa acadêmica tradicional, parte-se dos
dados, sem grandes elaborações a priori, para a teoria. Apesar de amplamente
adotado no mundo empresarial, Data Science, como já discutimos alhures, é mais
Data do que Science...
Os riscos desta abordagem simplista
são muitos, como deparar-se com correlações espúrias enganosas. Encontramos na
análise, por exemplo, uma correlação positiva e significativa entre taxa de
homicídio e volume de precipitações anuais de chuva. Isto não de deve certamente
à chuva em si, mas antes ao fato de que a maioria dos países com altas taxas de
homicídio estão localizados na faixa tropical, onde é maior o volume de chuvas.
Há que se tomar cuidado também do problema da causalidade inversa: homicídios
aparentam ser maiores nos países com maiores gastos percentuais em educação (R2
= .34, T= 3,17, Prob = 0,0020), embora outros indicadores educacionais estejam
ligados inversamente aos homicídios, como veremos abaixo. Não é que os países
que gastam mais em educação piorem a violência, mas provavelmente a violência é
pior, neste momento histórico, nos países que precisam ainda investir fatias
consideráveis do seu orçamento em educação, replicando o que os países
desenvolvidos fizeram décadas antes. Só um design de pesquisa mais sofisticado
pode capturar estas sutilezas. Finalmente, é preciso lembrar que regressões e
coeficientes de correlações lineares são boas medidas de fenômenos lineares mas
não captam bem outras formas de associação entre as variáveis, que podem ser logarítmicas,
exponenciais, em forma de U, de sino, potência, etc. A bem da verdade, uma curva
em forma de potência descreve bem melhor a relação entre homicídios e os
indicadores do WDI do que uma reta. [1]Em
todos estes casos o coeficiente de correlação linear é enganoso e só o apresentamos
porque é mais familiar e inteligível para os leitores.
De todo modo, como abordagem
preliminar, as pesquisas exploratórias baseadas em correlações “data driven”
tem gerado hipóteses relevantes que podem posteriormente ser aprofundadas em
pesquisas mais robustas. Com este alerta em mente, o que encontramos quando
correlacionamos as taxas de homicídio por 100 mil habitantes coletadas pela
UNODC com as centenas de indicadores sociais e econômicos coletados pelo
projeto WDI? Em outras palavras, que características sociais e econômicas estão
correlacionadas com altas ou baixas taxas de homicídio nos países?
Nesta análise cross sectional
(muitas unidades regionais num ponto no tempo), utilizamos as taxas médias de
homicídio entre 2013 e 2016 e as taxas médias dos indicadores sociais e
econômicos para o período 2010 a 2016. Selecionamos apenas os casos onde
existiam dados para mais de 50 países e apenas aquelas correlações que se
relevaram significativas (Prob < 0.0010)
Supondo que a relação entre as variáveis
seja linear, de modo geral, a análise corrobora a importância da educação,
pobreza, desigualdade e população jovem na “explicação” das taxas de homicídio,
já identificada em outros estudos.
A tabela sugere que concentração
de renda aumenta a taxa de homicídios, assim como uma grande proporção de
jovens que não se encontra nem estudando nem trabalhando, conhecidos no Brasil como
“nem-nem”. Os países com grande porcentagem de jovens na população também tem
taxas maiores, assim como aqueles com elevada taxa de fertilidade na
adolescência e elevada porcentagem de pobreza urbana. Menos óbvias são as
associações com uma pauta de importação e exportação de e para países de renda
média da América Latina e Caribe, o que é uma indicação indireta de baixa
complexidade econômica. O pagamento de juros da dívida externa (como % das
exportações) também está positivamente correlacionado a taxas de homicídio
elevadas, uma indicação da precariedade econômica dos países violentos ou de
que o ônus da dívida externa limita a capacidade de investimento social dos
países endividados, contribuindo indiretamente para altas taxas de homicídio.
Por outro lado, encontramos
associações negativas (associações inversas) das taxas de homicídio com o PIB
per capita, enfermeiras por 1000 habitantes, renda per capita, gastos com
pesquisa e desenvolvimento, gastos com saúde per capita, a porcentagem de
população com serviços sanitários, número de pesquisadores e anos de educação
secundária. Em outras palavras, quanto melhores e maiores estes indicadores,
menores as taxas de homicídios.
Algumas associações são curiosas:
por exemplo, observe-se que a porcentagem de imigrantes na população está associada
à redução dos homicídios, ao contrário do que se imagina. Isto se deve
provavelmente ao fato de que imigrantes são atraídos para países desenvolvidos
e à grande quantidade de imigrantes nos países árabes, onde a criminalidade é baixa.
Muitas outras variáveis surgem
como significativas com prob < 0,0005 se conjecturarmos que a associação entre
as variáveis nem sempre é linear, mas antes uma curva em forma de potência. Neste
cenário aumentam os homicídios: alta taxa de mortalidade infantil e mortalidade
materna, prevalência de anemia nas crianças abaixo de 5 anos, razão aluno/professor
primário, taxa de nascimentos por mil habitantes, porcentagem de alunos com
atraso escolar no primário, prevalência de subnutrição na população, porcentagem
de empregos na agricultura, porcentagem de empregos femininos vulneráveis e
dezenas de outros. Inversamente, diminuem os homicídios um elevado PIB per
capita, maiores gastos em saúde per capita, maior porcentagem de população
madura, maior investimento estrangeiro direto como porcentagem do PIB e
centenas de outros que não é possível descreve neste espaço. Nada menos que 471
indicadores do WDI relevaram-se significativos com probabilidade menor do que
0,0005 quando supomos uma associação em forma de potência, e correlacionamos de
forma bivariada com a taxa de homicídios. Obviamente, muitos indicadores são redundantes
e medem a mesma coisa (colineares) e é preciso verificar a contribuição
específica de cada qual num modelo multivariado. (os dados completos podem ser consultados em https://public.tableau.com/views/correlaescomtaxadehomicidios/linear?:embed=y&:display_count=yes
Mas na maioria das vezes, as
correlações e sinais fazem todo o sentido. Os países com menos homicídio são
menos desiguais na distribuição da renda, os jovens estudam ou trabalham, a
população é mais velha, tem economia complexa e sólida, tem menor pobreza
urbana, população mais escolarizada, baixa taxa de gravidez na adolescência, PIB
per capita elevado, investem em saúde, condições sanitárias e em pesquisa. É
possível especular que estes mesmos indicadores expliquem em parte as
diferenças nas taxas de homicídio observadas no Brasil entre o Sudeste e o
Nordeste.
Sugerem, finalmente, quais as
políticas públicas e investimentos que devem ser feitos para que o Brasil deixe
a vergonhosa posição na lista de países mais violentos do mundo. Estas
correlações e indícios precisam ser mais bem estudados, mas muitos deles são evidentes.
Precisamos claro aperfeiçoar o sistema de justiça criminal, mas o contexto
social e econômico brasileiro favorecem altas taxas de criminalidade e neste
sentido o melhor sistema de justiça criminal não opera milagres. Existem
exceções, mas em linhas gerais e em longo prazo, a redução da violência no país
passa necessariamente pela melhoria das condições de vida da população. É o que
sugere a experiência internacional dos países que controlaram suas taxas de
homicídio. Crescimento econômico com distribuição mais equitativa da renda e
investimentos sociais em saúde e educação, em longo prazo, são ainda as
melhores políticas de prevenção.
[1] Para
se ter uma ideia, um ajuste linear encontra 63 associações significativas entre
taxa de homicídios e os indicadores do WDI com probabilidade menor ou igual a
0,0005. Este número de associações significativas sobe para 232 se ajustarmos
uma curva polinomial de 2º ordem e para 471 se ajustarmos uma curva em forma de
potência.
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