sexta-feira, 25 de março de 2022

Sensação de insegurança e criminalidade em queda

 

O brasileiro parece estar relativamente menos preocupado com a situação da segurança pública, a julgar por dois indicadores da pesquisa CNT/DMA. A pesquisa é realizada desde 2011, o que permite alguma comparação temporal do tema.

Uma das perguntas do questionário é sobre a expectativa para a situação da segurança pública no país para os próximos seis meses. A maioria dos entrevistados na última edição de fevereiro de 2022 (48,6%) acha que a situação vai ficar igual, enquanto 29,2% avaliam que a situação vai melhorar. O que chama a atenção na última edição é a baixa porcentagem (20,3%) dos que acham que a situação vai piorar ainda mais. Há oito anos, os pessimistas chegaram a ser 45,7% dos entrevistados.

A série histórica mostra que o otimismo com relação à segurança do início da gestão Bolsonaro (38,9% de vai melhorar) caiu posteriormente no segundo ano do governo, mas foi aos poucos crescendo progressivamente, de 18,5% em maio de 2020 até os 29,2% atuais. Se não podemos dizer que o brasileiro está otimista com a situação de segurança, os dados da pesquisa CNT sugerem que talvez estejam menos pessimistas.

Essa interpretação é corroborada quando analisamos a questão sobre “quais setores precisam de melhorias no Brasil”, onde o entrevistado pode escolher dois temas entre os sugeridos. A questão da saúde aparece sempre em primeiro lugar, entre 71 e 88% das menções. A educação é mencionada por metade dos entrevistados, com exceção da rodada de janeiro de 2020, quando sobe para 66,5% das escolhas. O tema da segurança pública costumava superar a preocupação com o emprego, principalmente no ano de 2014, pré crise econômica, onde apenas uma minoria mencionava o emprego como uma preocupação, enquanto segurança preocupava mais de um terço dos entrevistados. Porém, na última rodada, em fevereiro de 2022, a ordem dos temas se inverte: enquanto o emprego continua como preocupação de um terço dos entrevistados, a menção à segurança cai abruptamente para o menor patamar da série, sendo mencionada por apenas 15,5% dos entrevistados. [1] Trata-se de uma queda de 28% com relação à edição de 2020, um fenômeno digno de estudo, se descartarmos as hipóteses de erro ou grandes mudanças metodológicas. A série histórica é curta e intermitente e não permitem grandes ilações. Mas analisadas em conjunto sugerem uma melhora na percepção de segurança da população nos últimos anos.

Mas o que significa realmente a melhora na percepção da segurança?

Sabe-se que percepção de segurança nem sempre guarda relação com a evolução da criminalidade medida pelas estatísticas de criminalidade e que é possível que eventualmente caminhem em direções opostas. As pesquisas de vitimização já mostraram exaustivamente que as pessoas que se sentem mais inseguras não são necessariamente as pessoas mais vitimadas.

É possível que a expectativa da situação de segurança e a avaliação dos setores que mais precisam de melhorias sejam em parte somente um reflexo da aprovação geral do governo e que guardem pouca relação com a evolução da criminalidade. Estudos mostram que a aprovação da segurança depende em grande parte da avaliação geral do governo, embora em alguns períodos elas se comportem de modo independente. Não é simples interpretar o significado destes indicadores de “percepção de segurança”, pois eles podem refletir em parte apenas uma avaliação genérica do governo de plantão. São poucos os cidadãos que acompanham de fato as medidas tomadas pelos governos ou as estatísticas criminais.

De todo modo, sabendo desta relação entre aprovação genérica do governo e aprovação da segurança, chama ainda mais a atenção que os indicadores de segurança da pesquisa CNT/MDA apresentem esta melhora recente, quando a avaliação do governo atual é em geral negativa: apenas 35% da população aprovam a atual gestão, segundo os dados na PoderData de 17 de março de 2022. A pesquisa Exame/Ideia de 24/3 levantou que apenas 28% do eleitorado avalia o governo como “ótimo ou bom”. Em 2019 e 2020 esta porcentagem beirava os 50%, segundo os dados da CNI/Ibope.

Se a melhora dos indicadores subjetivos de segurança não parecem refletir a aprovação geral do governo (apesar do ligeiro aumento recente), será que estão relacionadas ao desempenho da criminalidade?

Se não há uma correlação exata, espera-se que as percepções sobre segurança sejam em longo prazo pelo menos congruentes com a situação criminal tal qual mensurada pelos dados oficiais. A se basear nas estatísticas criminais coletadas pelo Sinesp a partir dos dados enviados pelas secretarias estaduais de segurança, a queda na sensação de insegurança é congruente com a queda de alguns indicadores criminais nos últimos anos.

O pico da criminalidade no Brasil parece ocorrer entre 2016 e 2017, depois de dois anos de aguda contração na economia – com exceção dos estupros, que continuam a crescer até 2019.

Analisando por modalidade criminal, vemos que Roubo a instituição financeira e tentativa de homicídio caem desde 2015, Furto de veículos e roubo seguido de morte caem a partir de 2016, homicídios, lesão corporal seguida de morte, roubo de carga e roubo de veículos  a partir de 2017. Com relação a 2015, vemos que apenas estupros apresentam crescimento de 17,3% no período e mesmo este delito apresentou queda nos últimos dois anos. Em média os crimes caíram 31,3% no período e no caso de roubo de veículos, que já foi objeto de análise em outro artigo, as quedas superam 40%.

Tratam-se, portanto, de quedas abruptas e intensas, e que precedem quase sempre as atuais gestões federal e estaduais. Diversas hipóteses têm sido aventadas para explicar o fenômeno – mudanças demográficas, profissionalização do tráfico, melhorias na gestão das polícias estaduais, melhorias nos sistemas de prevenção dos carros e casas, migração das modalidades presenciais para virtuais de crimes (que não aparecem nestas estatísticas), maiores investimentos, etc. Não é caso de aprofundá-las aqui, mas em particular interpreto o fenômeno como uma regressão à média depois do pico de 2017, quando o ciclo econômico recessivo de 2014-2016 provocou o aumento intenso da criminalidade.

O objetivo aqui, contudo, é apenas mostrar que parece existir uma congruência neste momento entre queda nos indicadores criminais e queda na percepção de insegurança da população, pois a percepção de segurança melhora, não obstante a relativamente baixa aprovação do governo federal. O presidente é bastante identificado com o tema da segurança e certamente procurará explorar esta conjuntura favorável em sua campanha eleitoral.



[1] Na última edição a pesquisa alterou ligeiramente as opções, incluindo “direito das minorias”, que recebeu 6,8% dos votos. Parece improvável que pessoas que apontavam antes segurança como preocupação tenham migrado para esta nova categoria. Por que esta nova categoria roubaria especificamente votos das pessoas antes preocupadas com segurança? O mais provável é que tenha ocorrido uma diminuição real na preocupação com a segurança. Mas parte desta queda abrupta pode ter ocorrido em função da inclusão desta nova categoria.

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