quinta-feira, 21 de maio de 2015

O que os criminosos podem nos dizer sobre os crimes?


Para conhecer a criminalidade ouvimos as vítimas, as testemunhas, investigamos as características do local, as evidências forenses, os padrões estatísticos, etc. Mas esquecemo-nos quase sempre de ouvir um dos atores principais deste drama: o criminoso.

No Brasil pelo menos, uma vez desvendado o crime e preso o suspeito, perde-se totalmente o interesse por ele. Em outros países os presos são estudados para saber sobre facilidade de acesso a armas e drogas, modus operandi, técnicas de dissuasão, carreira criminal. Aqui são bastante raras as pesquisas que procuram explorar mais informações desta fonte valiosa e menosprezada.

Uma exceção foram dois relatórios produzidos pelo Depen em 2007 e 2008 com o perfil dos presos nos estabelecimentos federais. A amostra de 249 casos é enviesada pois só vão para os presídios federais de segurança máxima os presos que oferecem perigo nos seus estados de origem, que cometeram crimes graves e exerciam alguma liderança nos presídios estaduais. A metodologia também peca por não garantir anonimato. Não obstante, ainda assim a pesquisa traz inúmeros insights sobre fatores de risco e de proteção para o envolvimento com o crime e sobre o que pensam os criminosos sobre alguns temas.

Assim, por exemplo, o perfil aponta que em média 13% dos entrevistados serviu o exército, proporção maior do que o percentual nacional, que gira em torno de 4,5 a 5% dos alistados em cada ano. Fazer o serviço militar não parece ser um fator protetivo para o envolvimento com o crime, mas antes o contrário. O afastamento do mercado de trabalho e da escola e a familiarização com armas de fogo e táticas de combate podem ser incentivos para o envolvimento com o crime?

Mais de 40% cresceram em lares onde os pais eram separados, a mãe solteira ou o pai desconhecido, corroborando a literatura criminológica que aponta lares monoparentais como fator de risco criminal. Cerca de 60% eram provenientes de famílias numerosas e tinham mais de quatro irmãos, o que implica em menor supervisão parental. Ainda no rol dos fatores de risco vemos a baixa renda familiar (55% com renda familiar inferior a 3 salários), a ausência de crença religiosa (17,6% entre os presos de Catanduva X 9,7% entre os homens em geral, no Censo de 2010), envolvimento prévio de algum familiar com crime (26,4% dos presos em Catanduva e 37% em Campo Grande declararam familiar preso, principalmente por roubo, homicídio e tráfico), o envolvimento com drogas (61% dos presos de Catanduva e 51% de Campo Grande já usaram drogas na vida, em especial maconha, cocaína e crack em contraste com 11% da população adulta, estimado pelo LENAD 2012),  início precoce na criminalidade (cerca de 63% dos presos de Catanduva e quase metade dos de Campo Grande cometeram o primeiro delito antes de completar 21 anos). Baixa escolaridade e desemprego ou emprego precário também figuram na lista dos fatores de risco (58% dos entrevistados nesta situação na época do primeiro delito) embora esta condição seja comum entre os jovens.

A pesquisa perguntou as razões que os levaram a cometer o primeiro delito e os criminosos de Catanduva listaram, nesta ordem: dificuldades financeiras (28,6%), más companhias (25%), não sabe dizer (21,3%), desemprego (7,3%), desentendimento (7,3%) e drogas (5,8%). Em Campo Grande a ordem foi:  más companhias (41,4%), dificuldades financeiras (25,2%), desemprego (9,9%), drogas (9,9%), curiosidade (7,2%) e desentendimento (7,2%).

Embora a motivação varie em função do tipo de crime, é curioso que os criminosos apontem as más companhias como um dos principais motivos. Andar com pares delinquentes é um dos grandes fatores de risco na literatura criminológica e algo pouco estudado por aqui. Por outro lado, as drogas, que merecem grande destaque entre os “especialistas” como responsáveis pela criminalidade, aparecem relativamente pouco nas menções dos criminosos.

Outro aspecto de interesse para o entendimento de políticas públicas dissuasórias é conhecer o que temem os criminosos. Pelo menos para os entrevistados de Catanduva, a pena de prisão aparenta não ter muito efeito intimidatório: apenas 1,5% dos detidos ali respondeu que teve medo de ser preso quando cometeu o delito. Sendo correta a estimativa, de pouco adianta a ameaça de penas maiores se o criminoso não teme a prisão ou acha que a probabilidade de ser capturado é baixa. Com efeito, 36% deles afirmaram não ter medo de nada e os maiores medos confessados foram trocar tiros com a polícia ou as vítimas (22%) ou ser reconhecido ou visto por alguém (11%). A questão precisa, contudo, ser melhor explorada em futuras pesquisas pois as estimativas foram bastante diferentes entre os detidos em Campo Grande, onde 48,6% confessou que o maior medo no início da vida no crime era ser preso...


Mais do explorar os resultados substantivos destes dois levantamentos, a intenção aqui é chamar a atenção para um tipo de fonte e de metodologia que é pouco utilizada no Brasil mas que pode trazer subsídios relevantes para ajudar a traçar políticas de segurança pública mais eficientes, atuando sobre os fatores de risco.

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