quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O STF e a criminalização do usuário de maconha



Nesta próxima quinta-feira 13 de agosto o Supremo Tribunal Federal julgará um caso que decidirá se o uso de maconha é ou não um crime no Brasil. Trata-se do caso de um presidiário de São Paulo que assumiu a posse de 3 gramas de maconha encontradas durante uma revista em sua cela. O procurador público designado para sua defesa pediu a não condenação do cliente, argumentando que se trata de um direito individual que não cabe ao Estado interferir.  Perdeu em duas instancias mas recorreu ao STF, que terá que se posicionar sobre o caso, criando eventualmente nova jurisprudência sobre a questão.
Caso a tese seja aceita pelo Supremo, em última instância o uso de maconha deixaria de ser crime no Brasil, lembrando que a Lei de Drogas de 2006 adotou a política de proibicionismo parcial, que vedou a prisão do usuário, mas manteve o uso como crime, punível de outras maneiras.  A defesa questiona assim a constitucionalidade do artigo 18 desta Lei, que é o que estará em jogo na decisão do STF.
O caso particular é irrelevante – até porque o cliente já cumpria pena por outros crimes de maior gravidade -  mas ele forçará a corte a se pronunciar sobre a controvertida questão da descriminalização do uso da maconha, que não deve ser confundida com a liberalização pura e simples. O uso deixa de ser crime mas pode e deve ser regulamentado pelo Estado. Obrigará também em algum momento o Estado a adotar uma definição objetiva que separe o usuário do pequeno traficante, que hoje superlotam nossos já abarrotados presídios.
No Brasil, o uso da cannabis não é permitido sequer para uso medicinal (remédios a base de canadibiol) , embora o uso recreativo já tenha sido liberado nos últimos anos no Uruguai e em diversos Estados norte-americanos. Trata-se de um uso regulado, com fiscalização rigorosa do Estado sobre a produção, venda e consumo – do qual, alias, alguns governos  tem extraído milhões em impostos.
O debate é extenso, com bons argumentos contra e a favor da descriminalização do uso da maconha e sua regulamentação: evita a estigmatização do usuário, diminui a população prisional, reduz danos à saúde, evita o envolvimento com a marginalidade,  diminui os recursos nas mãos dos traficantes, mas pode eventualmente estimular o consumo, servir de porta de entrada para o uso de drogas mais pesadas,  aumentar a criminalidade, exponenciar distúrbios psiquiátricos, etc. As experiências recentes dos vários estados norte-americanos e do Uruguai e as já mais antigas em países como Portugal, Espanha e Holanda sugerem que a liberalização controlada trás mais benefícios do que os causados pelo proibicionismo puro e simples.
Se dependesse do Congresso brasileiro, qualquer mudança liberalizante seria difícil, pois o Congresso raramente confronta a opinião popular: a última pesquisa Ibope sobre o tema, de setembro de 2014, apontou que 79% dos brasileiros  são contrários a legalização da maconha (o que não é a mesma coisa que descriminalizar, mas dá uma ideia do posicionamento ideológico da população sobre o tema).
Com efeito, tanto nos Estados Unidos quanto no diversos países europeus, uma legislação liberalizante com relação a maconha foi precedida de uma mudança cultural com relação ao hábito, que facilitou a adoção de uma postura mais heterodoxa.
A tabela abaixo traz os resultados da pesquisa Flash Eurobarometro de junho de 2014, realizada com 13 mil jovens de 15 a 24 anos de 28 países europeus.  Por entrevistar apenas jovens, ela traz resultados mais favoráveis às drogas do que uma pesquisa com toda a população traria mas não obstante este viés, os resultados são bastante interessantes.

Q9.1 A venda de drogas tais como maconha, cocaína, ecstasy e heroína é oficialmente proibida em todos os Estados membros da União Europeia. A venda de substâncias legais tais como álcool e tabaco não é proibida mas é regulada em todos os países da União Europeia, o que significa, por exemplo, que ha um limite de idade mínima para compra, limites na concentração de componentes ativos ou venda licenciada através de lojas especializadas ou farmácias. Você acha que as seguintes substâncias devem continuar a ser banidas ou devem ser banidas ou que elas devem ser regulamentadas?

Droga:
Maconha
Tabaco
Ecstasy
Heroína
Álcool
Cocaína
Deve continuar a ser banida ou ser banida
53
16
91
96
7
93
Deve ser regulada
45
81
8
4
92
7
Deve ser permitida sem restrições
1
2
0
0
2
0
fonte:
Flash Eurobarometer 401
coleta : 03 - 23/06/2014
n= 13128
jovens de 15 a 24 anos

Como revela a tabela, mesmo entre os jovens, são pouquíssimos os que sugerem que as drogas devem ser permitidas sem restrições. A grande maioria é a favor do banimento da venda de heroína, cocaína e ecstasy, com taxas superiores a 90% em todos os casos. A maconha está numa posição intermediária entre as drogas lícitas e ilícitas: 53% defendem o banimento e 45% a permissão da venda regulada. Álcool e tabaco, as drogas mais comuns, devem ser vendidos de modo regulado, como atualmente são – embora 16% dos jovens sugira o banimento do tabaco e 7% o do álcool.
A pesquisa não trata de descriminalização mas ilustra o argumento: quando a maconha assume uma posição intermediária entre as drogas lícitas e ilícitas – como vem ocorrendo a décadas nos estados unidos  e na europa – é possível que os legislativos e executivos pensem em políticas alternativas ao proibicionismo.  No Brasil, aparentemente, a opinião pública ainda é bastante conservadora, como mostraram os dados do Ibope.

Neste sentido, o poder judiciário pode ser o fator de mudança, pois esta mais imune à influência da opinião pública do que os demais poderes. A decisão do STF desta quinta não significa que o Brasil passará a produzir maconha estatal e criar clubes de maconha. Mas pode ser um primeiro passo rumo à outra postura, que vê no usuário crônico um doente a ser tratado e não mais um criminoso. Que separa o usuário do pequeno traficante e este do grande.  Regulando na prática aquilo que a Lei de 2006 foi incapaz de fazer.

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