sexta-feira, 25 de março de 2011

Caso desloca a discussão principal, que é sobre o sigilo das informações

FOLHA DE SÃO PAULO (SP) • COTIDIANO • 2/3/2011 • PASTA POLÍTICA

Vivi nos EUA e na Inglaterra como professor visitante, e me impressionava a liberdade que havia para utilizar dados de criminalidade produzidos pelo poder público.
Na Universidade Harvard, recebíamos alertas da polícia sobre atividades criminosas nas ruas ao redor do campus.
Quem queria alugar casa podia consultar nos sites da polícia as ocorrências no local. Em Londres, avisos em hotspots de delitos na cidade e em pontos de metrô convidavam os usuários e transeuntes a serem cautelosos nesses locais. Por aqui, as coisas são muito diferentes.
A ideia de que alguém possa vender dados sigilosos desloca e oblitera a principal discussão, que reside no fato de que informações de segurança pública sejam secretas e ocultas ao público.
Ao personificar a notícia sobre um suposto malfeito, perdemos o foco do que deveria ser um debate central hoje. Por alguma estranha razão, prefere-se não divulgar dados sob o pretexto de que poderiam levar intranquilidade aos habitantes.
Naturalmente existem dados e informações que podem identificar e prejudicar pessoas e sobre os quais deve-se ter toda a precaução.
Mas informações relativas à distribuição de crimes certamente não se enquadram nessa categoria.
Há outra discussão ainda mais central. Não existe uma má política na área da segurança que não se inicie por uma péssima condição na organização dos dados. E não existe um caso de sucesso que não esteja calcado em boas informações e análises.
Túlio Kahn fazia excelente trabalho na organização dos dados na CAP, para fins de planejamento e análise das políticas públicas em SP.
Boas análises funcionam como holofotes sobre áreas problemáticas, iluminando também o trabalho dos responsáveis por elas. É como pescar em águas onde sabemos onde estarão os diferentes tipos de peixes, bem como os maus pescadores.
Quem lida com análises nessa área sabe dos inúmeros preconceitos e vieses vigentes, que terminam gerando situações como esta.
É um dos últimos redutos no qual sobrevive o que restou da antiga comunidade de informações, e do qual se nutrem gestores que não gostam de ver suas atividades avaliadas, muito menos submetidas a escrutínio público.
CLAUDIO BEATO é coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG

POLÍCIA PARA QUEM PRECISA

SUZANA SINGER – ombudsman@uol.com.br
@folha_ombudsman
POLÍCIA PARA QUEM PRECISA
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Imagens do encontro de repórter com secretário não são comprometedoras; o importante é o jornal manter a neutralidade
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QUAL É o problema de um repórter se encontrar, em lugar público, com uma autoridade de Estado? Nenhum, mas imagens dessa rápida reunião suscitaram todo tipo de ilação e suspeita.
O vídeo de 1min09s mostra o jornalista Mario Cesar Carvalho, da Folha, com o secretário da Segurança de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, no shopping Pátio Higienópolis.
Não há data nas imagens, mas blogs afirmam que elas são de 25 de fevereiro. Quatro dias depois, reportagem assinada por Carvalho trazia denúncia sobre um funcionário da Segurança que venderia dados sigilosos sobre violência. O assunto, elevado a manchete da Folha, provocou a demissão do sociólogo alvo do texto, no mesmo dia.
Em Nota da Redação, o jornal não revelou se há conexão entre o encontro no shopping e a reportagem. Mas lamentou que o vídeo tenha sido usado “na tentativa de coibir o trabalho da imprensa”.
O shopping diz que policiais pegaram a fita, mas não dá nomes. O jornal levantou a hipótese de que um delegado suspeito de corrupção do Detran teria participação no vazamento das imagens. É que esse delegado estava no mesmo shopping que Ferreira Pinto e Carvalho, conversando com… uma jornalista da Folha, não se sabe sobre o quê.
Confusos com tanta informação e insatisfeitos com os esclarecimentos, leitores levantaram questões éticas. “Não seria o caso de a Folha esclarecer os fatos? Houve vazamento da fonte jornalística?”, pergunta o administrador de empresas Antonio Gutierrez, 56.
Não seria correto revelar a origem da reportagem. “Sigilo da fonte”, essencial no jornalismo, não é uma regra criada em Redações, mas um direito garantido pela Constituição.
E por que a imprensa pode divulgar o que quer, mas, quando ela é o alvo, levanta a bandeira da liberdade de expressão? “Quando a Folha vaza informação, o que é? Dois pesos…”, escreveu a educadora Márcia Meireles, 56.
São situações diferentes. A divulgação do vídeo não visava informar nada, era uma tentativa de “queimar” o secretário e intimidar jornalistas. É como se dissessem “sabemos o que vocês estão fazendo”.
A terceira dúvida, mais delicada, é sobre o relacionamento fonte-jornalista. A teoria que corre nos blogs é que Ferreira Pinto usou o jornal para se livrar de um subordinado sem ter que “sujar as mãos”.
O professor Ariovaldo Pitta, 52, viu “promiscuidade” nessa suposta relação. Ele avalia que a Folha fez uma “campanha” pela permanência de Ferreira Pinto e que está agora “ajudando servilmente a fonte”.
O jornal fez várias reportagens sobre corrupção na polícia e publicou dois editoriais favoráveis a Ferreira Pinto e seu trabalho de “combate à corrupção policial”.
Não chega a configurar “campanha” nem significa que o jornal tenha sido “instrumentalizado”, mas acende um alerta importante: é preciso manter uma distância saudável de qualquer autoridade.
Em entrevista ao “Observatório da Imprensa”, Mario Cesar Carvalho, autor de vários furos na área de segurança, credita o vazamento das imagens à disputa de poder entre Ferreira Pinto e Saulo de Castro Abreu Filho, ex-titular da Segurança, hoje em Transportes.
“Tenho a forte impressão de que estou sendo espionado pelo que eu chamaria de banda podre da polícia -delegados investigados sob suspeita de corrupção. (…) Esse quadro faz parte de um panorama maior, que é uma guerra surda entre o secretário da Segurança e o de Transportes. O grupo do Saulo foi fortemente afetado pelas medidas que Ferreira Pinto adotou, buscando moralizar a polícia. A reação desses policiais parece vir dessa forma: chantagear a imprensa, espionar jornalista”, disse.
Com toda a sua experiência, Carvalho provavelmente tem razão em sua análise, mas não é bom que repórteres definam quem são os “bandidos” e os “”mocinhos” .
Não há nada de comprometedor no vídeo divulgado, mas para não perder a razão, o jornal precisa manter a frieza e a neutralidade. Afinal, polícia só para quem precisa de polícia.

rubens figueiredo

O caso Tulio Kahn coloca uma questão fundamental: pode o melhor sociólogo criminal do País ganhar apenas R$ 5 mil em cargo público?

Estado tem responsabilidade, diz Luiz Eduardo Soares

Luiz Eduardo Soares e o caso Túlio Kahn


Estado tem responsabilidade, diz Luiz Eduardo Soares
Por Bruno de Pierro
Da Agência Dinheiro Vivo 

Pesquisadores da área de segurança pública vinculados à academia ouvidos pelo Brasilianas.org confirmam que o governo do Estado de São Paulo tinha autorizado o sociólogo Túlio Kahn a trabalhar como consultor como forma de elevar os rendimentos dele acima dos 5 mil reais que recebia como salário.
Conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada em 1º de março, Kahn, então responsável pela Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública (SSP), disponibilizava informações criminais do tipo desagregadas a clientes de uma consultoria da qual é sócio. Os dados são considerados sigilosos pelo governo, e tratavam, por exemplo, de furtos a transeuntes e os bens levados com mais freqüência em roubos a condomínios na cidade de São Paulo. A denúncia ainda informa que o levantamento sobre roubo a condomínio foi feito a pedido do Secovi (Sindicato das Empresas Imobiliárias de São Paulo).

O caso chegou até o governador Geraldo Alckmin, que tratou de demitir imediatamente Kahn. O secretário Antonio Ferreira Pinto reforçou que não sabia da existência da empresa do sociólogo, que, por sua vez, afirmou que fora aconselhado por Saulo de Castro, que fora titular da pasta em 2002 (Kahn foi indicado para o cargo em 2003). A SSP, Castro e Alckmin negam que tenham autorizado o sociólogo a exercer trabalho paralelo.
Ao Brasilianas.org, o antropólogo e ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro Luiz Eduardo Soares declara que o Estado é responsável, em parte, pelo ocorrido na Coordenadoria de Análise e Planejamento (CAP). Em 2003, Kahn chegou a trabalhar com Soares, quando este assumira a Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Segundo o antropólogo, a situação de Túlio Kahn revela uma modalidade de funcionamento da política pública, baseada em improvisos e “puxadinhos” administrativos, extremamente nocivos. “O Estado se recusa a assumir suas responsabilidades plenas, delega-as a terceiros, de modo informal”, afirma.
Soares explica que Kahn foi convidado para trabalhar no governo, em função de suas habilidades e competências. Mas o governo não podia lhe pagar devidamente, oferecendo a ele uma solução híbrida, “que envolve uma terceirização indireta”.
“Sugeriram a ele [Kahn] que recorresse a expedientes complementares – pesquisa, prestação de serviço etc. – para viabilizar sua permanência. Era uma complementação salarial que fazia com que os contratos externos financiassem a participação do profissional no Estado”, revela Soares.
Trata-se de uma maneira, diz ele, de estabelecer relações de trabalho, expressando a decisão do Estado de não assumir suas responsabilidades em uma área chave como a segurança pública, acusando um profissional diante de problemas éticos maiores. “Na verdade, o profissional aceita um determinado tipo de dispositivo que lhe foi apresentado como uma opção”, completa.
Soares também acredita ser um erro vetar o acesso da população e da imprensa às informações, ainda mais dados de nível macro de desagregação – considerado o mais importante e, por isso, sigiloso.
A título de exemplo, cita o Instituto de Segurança Pública da secretaria do Rio de Janeiro, criado por ele em 1999 para articular mudanças organizacionais nas instituições, por meio de gestão do conhecimento e investimento em formação, além de parceria com universidades e sistematização de dados e diagnósticos.
Para a produção de informações com transparência, Soares conta que foram criadas as Delegacias Legais – estruturas informatizadas, ligadas à reforma da polícia Civil. Essa iniciativa ainda colocou em prática a combinação com as informações da polícia Militar, possibilitando a geração de dados agregados e desagregados nos diagnósticos.
Entretanto, Soares observa que, hoje, as informações não estão sendo divulgadas pelo Instituto. “Estabelecemos uma norma, de que os dados deveriam ser publicados mensalmente no Diário Oficial. Mas será que o Rio de Janeiro está disponibilizando, para a opinião pública, esses dados desagregados que estavam proibidos?”, questiona.

carta a Folha de Sao Paulo

Carta à Folha de São Paulo

Por: Fórum Brasileiro de Segurança Pública / Instituto Sou da Paz Data: 24/03/2011 Editar
A transparência dos dados criminais tem sido uma das principais bandeiras das entidades da sociedade civil que atuam na área da segurança pública. Neste sentido, vimos com muita satisfação a decisão do Governo do Estado de São Paulo de oferecer à sociedade periodicamente informações criminais mais detalhadas. É uma decisão que reforça a crença na transparência como pressuposto democrático do governar.
Até por isso, ao contrário do que talvez o momento da medida possa dar a entender, vale frisar que o sociólogo Tulio Kahn, no período em que chefiou a CAP, sempre defendeu esta tese e não mediu esforços para fazer com que pesquisadores e entidades da sociedade civil pudessem ter acesso às informações necessárias para contribuir com políticas públicas nessa área.

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