segunda-feira, 1 de julho de 2019

Quem cabula aula hoje, rouba banco amanhã



Os municípios gastam 25% do que arrecadam com impostos com educação infantil e ensino fundamental, segundo as regras da Constituição de 1988. Apesar dos investimentos expressivos, existem aproximadamente 174 mil crianças fora da escola no município de São Paulo, o que equivale a 8% da população de 4 a 17 anos. O percentual aumenta com a diminuição da renda média familiar e aumenta com a idade: na faixa de 15 a 17 anos, são 14,6% dos jovens fora da escola. Além da renda familiar baixa – que explica em parte a necessidade do trabalho infantil - morar na zona rural, gravides na adolescência, violência escolar e baixa escolaridade dos pais estão entre os principais fatores explicativos do abandono escolar. (Iniciativa Global pelas Crianças Fora da Escola, UNICEF, 2012)

Outros fatores, segundo pesquisa do economista Marcelo Neri (Motivos da Evasão Escolar, FGV, 2009), são escolas vistas como “desinteressantes”, dificuldade de acesso à escola, repetência, dificuldades de locomoção e falta de documentação, entre outros fatores.

Trata-se, portanto, de um fenômeno multicausal que precisa ser abordado por diferentes políticas públicas: programas de transferência de renda, reforço escolar, oferta de educação integral, de prevenção da gravides e do bulling, de esclarecimento dos pais, de transporte escolar, inscrição por zoneamento,  terapias com alunos, devem ser combinados para reduzir o problema da evasão e o abandono.

Diversos estudos sugerem que evasão escolar e baixa escolaridade estão altamente correlacionadas com propensão à criminalidade. Ela diminui a empregabilidade, a renda futura, as barreiras culturais e sociais que funcionam como fatores protetivos ao crime. As estatísticas dos censos penitenciários e o perfil dos jovens cumprindo medidas sócio educativas mostram invariavelmente que a maioria dos envolvidos tem baixo nível de escolaridade e que uma escolaridade mais elevada é um elemento de proteção contra problemas futuros com o sistema de justiça criminal. (Rolim, Marcos. A Formação de Jovens Violentos - Estudo sobre a Etiologia da Violência Extrema, editora Appris). Ressalte-se que a escolarização reduz também o risco de vitimização violenta, uma vez que o perfil das vítimas de homicídio também é desproporcional com relação à renda e educação, atingindo em especial pessoas de baixa renda e escolaridade.

Segundo o sociólogo Marcos Rolim, a prevenção da criminalidade deve levar em conta a redução da evasão escolar, aspecto que costuma ser negligenciado no Brasil quando o assunto é segurança pública. Considerados os índices de evasão escolar, o cenário no Brasil seria, de fato, favorável à violência extrema. Em 2013,  uma pesquisa do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostrou que um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no país abandona a escola antes de completar a última série. O Brasil figurava no estudo com a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países de maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), atrás apenas da Bósnia e Herzegovina e do arquipélago de São Cristóvão e Névis.

Estudo de 2016 desenvolvido por Daniel Cerqueira, do IPEA, estimou que para cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma diminuição de 2% na taxa de assassinatos nos municípios. Essa foi a principal conclusão da Nota Técnica Indicadores Multidimensionais de Educação e Homicídios nos Territórios Focalizados pelo Pacto Nacional pela Redução de Homicídios, escrito pelo economista.

Neste sentido, o problema da evasão escolar é de interesse fundamental para as secretarias estaduais e municipais de segurança, que podem atuar preventivamente para diminuir a evasão e com isso reduzir o problema da criminalidade nos anos futuros.

Um dos instrumentos para isso é a fiscalização da frequência escolar. A Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente (Ficai) foi desenvolvida em 1997 pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul por meio de um Termo de Compromisso de Ajustamento estabelecido entre a Coordenadoria das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, as secretarias Estadual e Municipal de Educação e os Conselhos Tutelares gaúchos.

A Ficai é usada para monitorar a frequência dos alunos da rede pública de ensino. Quando um estudante abandona a escola ou falta constantemente, o Conselho Escolar, com o apoio das instituições parceiras, entra em contato com os pais ou responsáveis para trazer o aluno de volta. Após um determinado número de dias consecutivos ou alternados de faltas em um mesmo mês, tem início a busca pelo estudante. Além de visitas domiciliares, são realizadas reuniões, palestras e outras atividades com os alunos, pais ou responsáveis que não atenderem ao chamado de frequência à escola.

Vários Estados adotaram o monitoramento, que adicionalmente permite identificar casos de abuso sexual e violência doméstica. As escolas públicas municipais e estaduais de São Paulo podem adotar um sistema similar, hoje factível em formato digital, comunicando as Secretarias de Educação sobre os alunos faltosos. Um primeiro contato com a família pode ser feito no âmbito da escola ou da Secretaria de Educação, através de contato por telefone ou e-mail.

Na impossibilidade de contato, a Guarda Municipal ou Polícia Militar será acionada e uma viatura se deslocará para a residência da família, deixando no endereço uma notificação para o comparecimento imediato do aluno à escola. Policiais devidamente treinados alertariam para as consequências sociais e jurídicas da evasão. Os pais podem ser responsabilizados caso o aluno não compareça à escola. A obrigação de atendimento de 4 a 17 anos foi determinada por meio da Emenda Constitucional nº 59 em 2009 e, depois, reforçada pelo PNE (Plano Nacional de Educação) e por uma alteração de 2013 na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O descumprimento dos deveres do poder familiar, previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), pode gerar pena de multa enquanto o crime de abandono intelectual está no Código Penal e prevê pena de detenção.

Além da identificação de casos através das secretarias de educação, é possível implementar o programa Busca Ativa, como apoio da comunidade, para identificar outros casos de quem já abandonou a escola a mais tempo. O programa Busca Ativa Escolar foi desenvolvido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e é uma plataforma gratuita para ajudar os municípios a combater a evasão escolar. A intenção é apoiar os governos na identificação, registro, controle e acompanhamento de crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão, através de políticas públicas que contribuam para a inclusão escolar.

As pessoas que conhecem alguma criança ou adolescente fora da escola podem informar nas escolas, nos postos de saúde, nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), na Guarda Civil Municipal, nos Conselhos Tutelares e na Vara da Infância, da Juventude e do Idoso. O Programa foi desenvolvido em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS).

Na esfera da transferência de renda, Rolim cita como boa prática de prevenção terciária o  POD (Programa de Oportunidades e Direitos) RS Socioeducativo, criado em 2009 no Rio Grande do Sul,  e que atende jovens infratores de 12 a 21 anos que deixam o sistema de internação. No POD, cada jovem passa a receber, por um ano, uma bolsa de meio salário mínimo (R$ 468,50), vale-transporte e alimentação, desde que frequente cursos de formação em áreas como informática, mecânica e manutenção predial. Segundo o sociólogo, a cada dez jovens atendidos pelo programa, apenas três reincidem no crime. Outro bom exemplo é o programa Cada Jovem Conta, desenvolvido pela prefeitura de Canoas, que identifica nas escolas públicas jovens com comportamentos de risco e oferece uma série de tratamentos para os jovens e familiares.

Existem diversos programas preventivos desenvolvidos com o apoio dos órgãos de segurança para reduzir a evasão escolar, apontado como um dos principais fatores explicativos dos elevados índices de criminalidade. O problema pode ser prevenido de inúmeras maneiras e as guardas municipais e polícias estaduais podem colaborar na prevenção da evasão. Segurança Pública, afinal, é muito mais do que correr atrás de criminosos. Melhor correr agora atrás de alunos relapsos do que correr atrás de assaltantes de bancos daqui a vinte anos. O assaltante de hoje, é preciso lembrar, passou em algum momento pelos nossos bancos escolares e o poder público falhou ao permitir que largasse os estudos.




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