sexta-feira, 10 de julho de 2015

Imigração e criminalidade

Imigração e criminalidade

08-07-2015
Tulio Kahn, cientista social e colaborador do Espaço Democrático
Após o terremoto no Haiti em 2013, o governo brasileiro concedeu aos haitianos o status especial de refugiados por razões humanitárias. Como a burocracia e a corrupção são grandes (estou falando do Haiti…), criou-se um nicho de mercado explorado por “coiotes”, que cobram cerca de 3 mil dólares para ajudar os imigrantes na travessia. Estima-se que mais de 30 mil haitianos tenham entrado no Brasil nestes últimos anos e, na esteira dessa rota, estão chegando centenas de senegaleses – que não contam com status de refugiados, uma vez que o problema local é econômico e não político.
Diversas reportagens foram realizadas sobre esta onda recente de imigração, despertando simpatias e temores, ainda mais agora quando a conjuntura econômica brasileira desfavorável acirra a disputa por recursos escassos. Um dos temores comuns é o de que, pouco integrados, muitos destes recém-chegados terminem por aumentar a já não pequena parcela de criminosos do País.
Este temor é em boa parte causado por preconceito com relação à origem social e étnica dos novos imigrantes. Na média, os imigrantes representam 0,5% da população do país (dados de 2013 da PF, indicam 940 mil imigrantes numa população de 200 milhões) e esta proporção é aproximadamente a mesma no interior do sistema prisional (dados de 2009 do Depen, 3 mil estrangeiros presos numa população de 600 mil presos, ou 0,5%).
Quando desagregamos por nacionalidade e comparamos a população prisional com o total de imigrantes do país de origem – sem contar os ilegais – observamos que algumas nacionalidades estão desproporcionalmente representadas no sistema prisional. Este fenômeno é comum em todos os países e tem relação com as condições socioeconômicas do país de origem, com a geografia (distância e existência de fronteiras), com a maior ou menor antiguidade e integração do grupo imigrante, com o crime organizado internacional e obviamente, com alguma parcela de preconceitos por parte do sistema de justiça criminal local.
Há uma grande diferença quando analisamos dados absolutos e relativos, como taxas por mil e neste artigo procuramos comparar o censo penitenciário de 2009 com um levantamento feito pela Polícia Federal em 2013 sobre quantidade de imigrantes no Brasil, por origem. São Paulo, infelizmente, não preencheu os dados do Censo penitenciário de 2014, inviabilizando uma análise mais atualizada.
A tabela abaixo traz o número absoluto de presos nas primeiras três colunas e na quarta coluna a porcentagem de presos por pais. Na quinta e sexta colunas vemos, respectivamente, números absolutos e porcentagem de imigrantes no país. Na última coluna calculamos uma taxa de presos por mil pessoas, utilizando no denominador o número absoluto de estrangeiros. Na tabela só aparecem os países com pelo menos 10 cidadãos no sistema prisional.
Uma primeira informação relevante é que de cada 1000 imigrantes recebidos no país, cerca de 4, em média,  terminam no sistema prisional. Esta média, todavia, é jogada para cima em razão de vários casos extremos. Sendo corretos os dados utilizados, teríamos no Brasil 654 sul africanos (imigrantes legais) dos quais 168 presos, o que dá uma taxa absurda de 256,8 presos para cada 1000 migrantes daquele país. Originários da Tailândia, Costa do Marfim, Bulgária, Nigéria, Gana, Moçambique, Camarões, Malásia, Cabo Verde, Congo, Angola, etc.  fazem parte deste grupo altamente super-representado na população prisional.
 Percentual de presos por país
tabele túlio 1
Fontes: Censo Penitenciário 2009, Depen e Polícia Federal
 Vemos assim que nossos vizinhos latino-americanos têm elevada presença absoluta na população prisional – Bolívia, Paraguai, Peru, Colômbia – mas em termos relativos a taxa de encarceramento é maior para os imigrantes africanos.
No outro extremo temos os cidadãos originários da América do Norte e Europa – Portugal, Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, Espanha e Inglaterra – com taxas de encarceramento bem abaixo da média. Neste grupo estão também incluídos nossos vizinhos latino-americanos mais abonados: argentinos, chilenos e uruguaios. Merecem destaque os casos dos japoneses e chineses, não listados. Estas duas nações somam cerca de 14% dos imigrantes no Brasil, mas existem apenas 7 cidadãos presos destes países, segundo o censo prisional de 2009.
A tabela abaixo resume as informações por continente, recordando que estão incluídos apenas os países com ao menos 10 presos no Brasil.
Continente de origem dos presos
tabela túlio 2
Como pode ser observado, existe uma distorção com relação aos países mais pobres da África, América Latina e Leste Europeu – explicada, como argumentamos, pela pobreza dos imigrantes, falta de integração, existência de máfias nacionais ou preconceito dos órgãos policiais.
As levas de haitianos e senegaleses são mais recentes e os dados disponíveis – tanto do censo penitenciário quanto da Polícia Federal – não capturam este período. Em 2009 constava apenas um haitiano e nenhum senegalês em nossas prisões. Por sua origem, condições econômicas e falta de estrutura para recepciona-los no Brasil, é provável que encontremos alguns ali nos próximos anos.
Mas o fenômeno mais interessante que a tabela mostra é que origem não é destino. O Brasil sempre foi uma terra de imigrantes em busca de melhores condições de vida e, assim esperamos, sempre será. Os grupos que se estabeleceram há tempos – portugueses, italianos, espanhóis, japoneses, alemães – progrediram e fizeram o país progredir. Chegaram com as mãos abanando, como hoje chegam os haitianos e senegaleses. Esta transição será tanto mais rápida quanto maiores forem os esforços e condições para integra-los na sociedade brasileira.

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